Liberdade, sorrisos e luta para jogar o Brasileiro: a nova vida do novo Breno

Acordar, abrir a janela, colocar o pé na rua e ver o sol, levar os filhos ao colégio, chegar ao trabalho e ganhar um sorriso, um “bom dia”, olhar em volta e ver árvores, tocar numa bola de futebol. São gestos que passam despercebidos no dia a dia de muita gente. Não no de Breno. O zagueiro do São Paulo valoriza cada minuto de liberdade. Cada segundo fora da prisão onde ficou por três anos na Alemanha, por incendiar a sua casa.

A vida tem outro sentido para o jovem que assombrou a todos ao surgir no Tricolor com 17 anos, físico de 25, personalidade de 30 e talento inegável, mas começou a desabar pessoal e profissionalmente quando foi para o Bayern de Munique. Breno já renasceu como cidadão. Agora, quer renascer também para o futebol.

– Passei a dar muito mais valor à vida, a respeitar mais o próximo. Amadureci muito. Errei, paguei por isso e tenho colher as coisas positivas. Foi a fase mais difícil que passei, mas hoje vou para casa cansado e chego com um sorriso no rosto para ficar com minha esposa e meus filhos porque acho que preciso retribuir o carinho que eles me deram.

Breno não foi inscrito nem no Campeonato Paulista nem na Taça Libertadores. O São Paulo não tem pressa e o zagueiro aprendeu, da pior maneira possível, a ter paciência. Mas para renovar o contrato que termina em outubro, ele sua a camisa para poder jogar no Campeonato Brasileiro. No mesmo Tricolor que o revelou, com o mesmo Muricy Ramalho que o descobriu, com o mesmo Rogério Ceni que levantou a taça de campeão brasileiro de 2007 ao seu lado. A sensação de estar em casa é o paraíso.

– Minha primeira meta é estar integrado ao grupo, em concentrações, ir para jogos e, quando puder, receber oportunidades de jogar. A segunda é renovar meu contrato. Meu sonho era voltar, agora quero permanecer no São Paulo, que é minha casa.

Confira a entrevista do zagueiro ao GloboEsporte.com:

Breno São Paulo (Foto: Divulgação  / site oficial do SPFC)Breno vem treinando para recuperar as formas física e técnica (Foto: Divulgação / site oficial do SPFC)

O São Paulo tenta evitar criar expectativas sobre sua reestreia, mas você consegue trabalhar com essa paciência, essa calma, depois de tudo que passou?
Sei que preciso ter os pés no chão porque estou há muito tempo parado. A expectativa de poder jogar é muito grande, mas tenho que fazer as coisas certas para estar no lugar certo, na hora certa, e ajudar a equipe. Não adianta eu querer jogar amanhã se não tenho condições.

Você consegue perceber evolução no seu corpo desde o dia em que começou a treinar?
Em relação aos primeiros dias, o condicionamento está muito melhor. Eu treinava na Alemanha, mas por minha conta, quando acordava com preguiça não fazia nada. Não tem comparação com o que faço hoje, no campo, com o preparador físico. Ainda não consigo fazer todos os treinos com o time, mas já faço a maioria.

Sem falar nas restrições que você tinha para manter a forma na Alemanha, não é?
Eu sempre procurei dar meu melhor ali sozinho para não chegar aqui muito acima do peso, muito fora de forma. Isso tornaria tudo mais difícil.

Você precisa se sentir bem para voltar.
A expectativa é retornar bem ao time, estar integrado ao grupo, em concentrações, ir para jogos e, quando puder, receber oportunidades de jogar. A segunda meta é renovar meu contrato, que acaba em outubro, tenho que dar meu máximo. Meu sonho era voltar, agora quero jogar e permanecer no São Paulo, que é minha casa.

Mesmo na prisão, o fato de ter assinado um contrato com o São Paulo te deixou mais tranquilo ou com uma perspectiva melhor de futuro?
A cabeça fica mais leve porque na situação muito difícil em que eu estava, junto com minha esposa e meus filhos, é bom ver que há outras pessoas querendo ajudar. O São Paulo deu todo apoio a nós desde o começo, incentivou que tudo iria acabar e estaríamos aqui hoje. Aquilo me deixou contente e empolgado para que aquela situação acabasse logo.

Breno São Paulo (Foto: Divulgação  / site oficial do SPFC)Breno se esforça para recomeçar no São Paulo e esquecer o trauma (Foto: Divulgação / site oficial do SPFC)

Breno, você chamou muita atenção quando surgiu, não só pelo futebol, mas também por sua personalidade. Eu me lembro de um jogo contra o Boca Juniors em que você, com 17 anos, botou o dedo na cara do Palermo e ele ficou quietinho. Essa coragem e personalidade se mantiveram em você depois de tudo?
Aquele jogo foi empolgação quando deu aquele “muvuco” (risos). Os companheiros foram pra cima dos jogadores deles e eu fiquei grandão, quis ir também para ajudar minha equipe. Não sou assim. Claro, faço minha obrigação que é ajudar dentro de campo, se precisar chegar junto eu chego, mas na bola. Arrumar briga e confusão nunca foi a minha.

Você volta ao futebol num momento em que o Muricy é técnico do São Paulo, como foi na época de sua promoção, e o Dunga está na Seleção. Foi ele quem te levou para as Olimpíadas de 2008. Como cada um ajudou na sua carreira?
O Muricy foi o treinador que me subiu para o profissional, deu a cara colocando toda confiança num garoto de 17 anos, e eu retribuí dentro de campo. E nas Olimpíadas, o Thiago Silva iria jogar, mas teve um problema na coxa e o Dunga me deu oportunidade de ser titular. Ele também foi muito importante na minha vida.

Imagino que qualquer pessoa que passe pelo que você passou saia diferente dessa experiência. Aconteceu com você? Você vê as coisas de uma maneira diferente?
Passei a dar muito mais valor a vida, a respeitar mais o próximo. Amadureci muito em relação ao Breno que saiu daqui com 17 anos. Hoje, voltei com 25, sou pai de família, casado. Ainda sou brincalhão, mas na hora de concentrar e trabalhar procuro estar sempre focado. Sou o mesmo Breno, só que agora mais maduro.

E coisas pequenas devem ter muito mais valor pra você, não é?
Ah, sim, porque esses três anos foram a fase mais difícil que passei na vida, e junto com minha esposa. Não foi fácil para ela estar do meu lado, me visitando duas horas por mês. Hoje, saio do clube e vou para casa cansado, mas chego com um sorriso no rosto, querendo brincar com meus filhos, ficar com eles e com minha esposa porque acho que preciso retribuir o carinho que eles me deram.

Qual a melhor coisa de estar livre?
Fazer o que você quer na hora que você quer. Não ter as limitações que eu tinha lá dentro, tal hora está fechado, sem privacidade… Isso não tem preço.

Dizem que tudo tem um lado bom. Ficar preso por três anos teve um lado bom pra você?
Teve, claro. Errei, paguei pelo meu erro. Foi muito difícil, mas procurei tirar só as coisas positivas, dar valor à vida, à família, ao São Paulo, que me ajudou desde o começo. Quando eu tinha 17 anos, já jogava futebol, mas era moleque, queria fazer as coisas no embalo de amigos, ir a baladas. Hoje sou mais tranquilo, procuro ficar em casa, não tomo mais bebida alcoólica. Tudo isso me ajudou a colher coisas positivas.

Você disse que antigamente ia “no embalo de amigos”. Nesse período de prisão, você mais ganhou ou perdeu amigos?
Acho que enquanto fiquei preso pude ver quem são os amigos de verdade. Não critico ninguém, isso é natural entre a maioria dos amigos de jogadores. Quando você está bem, batem nas costas e querem sair junto. Mas na situação ruim, quando se passa pelo que passei, vê quem são realmente os amigos. Mas não tenho nada de mau para falar dessas pessoas. Quero seguir a vida com quem me ajudou e está ajudando.

Qual a melhor e a pior lembrança que você tem do seu tempo de jogador?
A melhor foi quando conquistamos o Brasileiro. E teve aquele gol contra o Santos, que foi bacana. A pior foi no Bayern, na Liga dos Campeões contra a Internazionale. A bola veio alta, quicou e passou por cima de mim. Os caras fizeram o gol e fomos desclassificados.

Você lamenta não ter sido treinado pelo Guardiola (atual técnico do Bayern)?
Não, acho que já aconteceu, passou. Claro, quem não quer estar numa equipe como o Bayern e ter um treinador como o Guardiola? Mas eu tenho que voltar para o Brasil. Estou aqui no São Paulo, meu treinador é o Muricy, tenho que pensar nisso.

E sua rotina para voltar logo tem sido dura?
É cansativo, na maioria dos dias eu treino em dois períodos, mas falo que por tudo que passei é uma felicidade estar todo dia no clube, com funcionários bem humorados, que dão “bom dia”, “boa tarde”, estão sempre sorrindo. Então hoje eu faço o que mais gostava de fazer.

Breno São Paulo (Foto: Reprodução)Breno concede entrevista no CT do São Paulo (Foto: Reprodução)

Há algumas semanas você fez um gol no treino e todo o time foi te abraçar e te cumprimentar. Esse carinho te ajuda?
Sim. O elenco aqui é bem unido e, mesmo fora daqui, falei para minha esposa do carinho que sinto dos torcedores e até de pessoas que não torcem para o São Paulo. Desde que cheguei ao Brasil, senti muita coisa positiva.

Que cena você imagina quando pensa no dia em que voltará a jogar?
O Morumbi, a torcida do São Paulo, poder dar o primeiro toque na bola, marcar o adversário. Não sei quando vou poder estrear, não adianta dar um passo à frente, vou fazer as coisas com os pés no chão, mas sempre paro para pensar em como vai ser o momento, como vai estar o estádio.

Tem sofrido com os jogos do São Paulo?
Além de jogador, sempre torci para o São Paulo. Na Alemanha, eu sempre acompanhei e é pior ver pela televisão do que estar em campo. Eu ficava nervoso, ansioso, com os pés suando.

Quero saber se você tem convicção de duas coisas: primeiro de que esse time do São Paulo pode jogar melhor, e segundo se você pode atuar no nível dos outros jogadores.
Se você botar o elenco do São Paulo no papel, não há palavras. Falta um pouco de entrosamento e determinação de todos nós, mas isso vai se encaixar conforme a rotina de treinos para que as vitórias e conquistas venham. E quanto a mim, estou trabalhando para isso, focado. Quero ser o Breno e fazer o que fiz pelo São Paulo em 2007. Sempre pensei e vou pensar positivo. Às vezes, o preparador físico me diz para fazer atividades separadamente, eu peço para fazer com o time. Sei que não posso pular etapas, mas não tenho medo de nada, sei do meu potencial e vou me doar o máximo para jogar com a camisa do São Paulo.

Todo jogador que volta da Europa diz que aprendeu muito, que o futebol é mais evoluído. Você teve experiências pessoais e profissionais ruins por lá. Mesmo assim, aprendeu algo? Evoluiu?
Joguei muito pouco nesses sete anos, não tive oportunidades no Bayern e, quando estava emprestado ao Nuremberg e tendo uma sequência, infelizmente tive uma lesão. O que peguei é que eles trabalham muito a bola rápida, o passe forte. São essas coisas que vou procurar colocar em campo. É um jogo mais rápido.

Quando você acha que volta a jogar?
Quero muito estar à disposição no Brasileiro. Estou trabalhando bastante para isso, para ter minha oportunidade. Imagino estar à disposição se o Muricy precisar de mim no Brasileiro (o São Paulo estreia no dia 10 de maio contra o Flamengo).

 

Fonte: Globo Esporte

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