Sobre o Endividamento do SPFC

O tema endividamento do São Paulo Futebol Clube voltou às discussões, em função de recentes entrevistas dadas por altos dirigentes do Tricolor. A declaração de que houve redução do endividamento, e que os Demonstrativos Financeiros, a serem apresentados em abril, apresentarão superávit para o ano 2022, porém, carece de maiores detalhes.

Este texto foi elaborado para ajudar os leitores a entenderem melhor os resultados.

  1. O efeito das transferências de Casemiro e Antony

Em agosto de 2022 o Manchester United realizou investimentos de EUR 166,7 milhões para adquirir dois ex-atletas do São Paulo Futebol Clube. Essas transferências renderam ao Tricolor um valor de aproximadamente R$ 104 milhões, receita que não dependeu de qualquer ação da diretoria do SPFC. Veja abaixo os detalhes das transações e as receitas resultantes para o SPFC:

Qualquer avaliação dos atos da administração do SPFC necessariamente deve considerar o efeito dessa receita excepcional, pois é um valor por demais relevante para ser ignorado.

Sabe-se que esses valores serão pagos pelo Manchester United ao SPFC ao longo dos próximos quatro anos. Contabilmente, entretanto, o valor é considerado, pelo critério da competência, como receita integral no mês de agosto de 2022.

  • O Endividamento Líquido

O São Paulo Futebol Clube utiliza em seus relatórios de diretoria o conceito de “Endividamento Líquido”. Para cálculo desse indicador considera-se o valor das Obrigações (a pagar) menos os valores dos Direitos (a receber). Esse indicador não considera os prazos ou a qualidade dos títulos a receber. Segundo os dirigentes do SPFC, o Tricolor encerrou o ano de 2022 com Endividamento Líquido de R$ 590 milhões. Vejamos como foi a evolução nos últimos anos.

Vemos nos gráficos acima que, se confirmado o valor de R$ 590 milhões de Endividamento Líquido, o valor ainda estará acima do que foi recebido pela atual gestão de seu antecessor, de R$ 575 milhões. Em dois anos de mandato, se confirmados o valor divulgado pelos dirigentes, houve um aumento de R$ 15 milhões no endividamento do Clube.

Quando excluímos o efeito das transferências de Antony e Casemiro, o resultado fica ainda mais preocupante. Se excluirmos das contas o valor de R$ 104 milhões, soma a que o SPFC tem direito pelas transferências dos dois atletas para o Manchester United, o Endividamento Líquido atinge R$ 694 milhões, ou R$ 119 milhões acima (pior) do que a “herança” recebida de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco.

Portanto, a afirmação que a atual administração reduziu o endividamento do Clube é imprecisa. Mesmo incluindo nos números o valor total a ser recebido, a longo prazo, pelas transferências de Antony e Casemiro, o Endividamento Líquido aumentou em R$ 15 milhões em comparação à gestão Leco. Excluída essa receita excepcional, o resultado do SPFC foi um aumento de R$ 119 milhões no Endividamento Líquido em dois anos.

  • O Endividamento Efetivo.

Em minhas análises incluo o valor do “Endividamento Efetivo”, ou seja, aquelas obrigações que efetivamente o SPFC terá que pagar a seus credores, sem abater os direitos a receber. Vejamos a evolução:

O valor do Ano 2022 é uma estimativa feita baseada no endividamento efetivo de 2021, nos investimentos feitos para reforçar o time, considerados pagamentos a prazo, e no valor dos novos empréstimos contratados no ano, sempre avaliados como corretos os valores divulgados pela imprensa especializada. Esse valor precisa ser confirmado quando da apresentação dos Demonstrativos Financeiros oficiais em abril de 2023, mas dificilmente o número oficial fugirá muito desta estimativa.

  • Sobre o Resultado do Exercício

Analisando os gráficos referentes ao Endividamento Líquido da Instituição, vemos que a projeção é de uma redução de R$ 52 milhões nesse indicador. Se considerarmos que o Clube utilizou a totalidade do resultado do exercício para reduzir sua dívida, então o resultado do ano 2023 foi próximo de R$ 52 milhões de superávit.

Se, porém, excluirmos desse resultado a receita excepcional de R$ 104 milhões, obtido sem interferência dos atuais gestores do SPFC, esse resultado vira para R$ 52 milhões de déficit, como mostrado no gráfico acima.

Os números mostram uma redução do déficit, porém, ainda não uma geração de superávit que nos permita pensar na redução consistente do Endividamento.

  • Conclusões

Infelizmente, a diretoria que foi eleita prometendo transparência deixou de publicar os relatórios trimestrais em outubro de 2021. Os dados apresentados acima foram obtidos em fontes públicas, em diversas publicações de várias fontes, incluindo declarações de altos dirigentes do SPFC em entrevistas, e são resultado de uma complexa montagem de quebra-cabeças. A publicação dos Demonstrativos Financeiros em abril confirmará, ou não, a exatidão dos números aqui apresentados.

O que é inquestionável, entretanto, é que não se pode falar em superávit no exercício 2022, ou redução do Endividamento do Clube, sem destacar o efeito das receitas excepcionais provenientes das transferências de Antony e Casemiro na Europa. Os R$ 104 milhões contabilizados pelo SPFC com essas transferências correspondem a praticamente 20% da receita total do Futebol Tricolor projetada no ano, e um incremento de 70% na previsão de receita de negociação de direitos de atletas em 2022. Esse dinheiro “caiu do céu” para o São Paulo Futebol Clube, sem qualquer ação dos gestores do Clube que tenha impactado as negociações, e não pode ser ignorado em declarações públicas de nossos dirigentes.

Nota do autor:

Após a conclusão deste artigo a administração do SPFC disponibilizou, no site oficial, os relatorios de diretoria referentes ao último bimestre de 2021, além dos relatórios dos bimestres encerrados em Fevereiro, Abril, Junho, Agosto e Outubro de 2022.

Fica aqui registrada a atualização das informações por parte da Diretoria do Tricolor, faltando agora a publicação do Balanço Anual 2022, cujo prazo Legal é até o final de Abril de 2023.

9 comentários em “Sobre o Endividamento do SPFC

  1. Muito esclarecedor esse artigo/análise. Parabéns Flávio. A transparência tão decantada na campanha pelo atual Presidente, foi para as “calengas” como já era de se supor. Promessas de campanha pós eleição, seja em que nível for, clubístico, municipal, estadual, federal, sindical, etc., morre sempre no dia da posse e prescinde de missa de 7o. dia.

    • Obrigado Waldir,

      Ao menos a diretoria publicou os relatórios bimestrais como não fazia desde a edição de outubro de 2021.

      Seria esperada ao menos uma regularidade nessas publicações, e não deixar para publicar apenas quando os dados estão aparentemente favoráveis.

  2. Nota do Autor (2)

    Os dados oficiais do fechamento de setembro de 2022, agora disponíveis no site oficial do SPFC, mostram um Endividamento Líquido de R$ 560 milhões, e um Endividamento Efetivo de R$ 774 milhões (calculado como o Passivo Total – Receitas a Apropriar – Adiantamento de Contratos). Confirma ainda uma Receita de Negociação de Atletas de R$ 103,4 milhões em agosto de 2022, mês de efetivação das transferências de Antony e Casemiro. Estão confirmadas, portanto, as hipóteses utilizadas na elaboração do artigo.

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