Flávio Marques

Sobre o Clube Empresa

As eleições do São Paulo Futebol Clube se aproximam, e o tema “Clube Empresa” retorna às discussões entre os torcedores e associados. As pessoas se deixam levar muitas vezes pela paixão, e abordam o tema como a tábua de salvação de um time que coleciona fracassos na década. O Presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, com a conivência de seu Conselho de Administração e a omissão de uma maioria silenciosa no Conselho Deliberativo, desrespeitou o Estatuto e não apresentou um estudo sobre o tema como seria sua obrigação. Neste artigo trago algumas informações sobre o assunto, a partir de pesquisas que fiz analisando os dois projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional.

Para regulamentar o clube-empresa existem dois Projetos de Lei atualmente em tramitação no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados aprovou em Novembro de 2019 o texto do Deputado Pedro Paulo, substitutivo ao PL 5082/16, que agora está em análise no Senado. Em paralelo o Senador Rodrigo Pacheco apresentou seu PL 5516/19, criando a Sociedade Anônima do Futebol. A previsão dos analistas é que os dois projetos devem ser consolidados em um único texto para aprovação final e conversão em Lei. Abaixo apresento algumas das principais características das diferentes alternativas e uma comparação com uma empresa de referência.

Forma de Organização Clube Associativo Empresa S.A. (Lucro Real) Projeto Deputado Pedro Paulo Projeto Senador Rodrigo Pacheco
Tributação Isenção de vários impostos, como PIS, COFINS, IRPJ e CSLL.   A tributação atual do SPFC está na casa de 5% da receita total Incidência de Impostos sobre a receita e a Tributação do Lucro apurado.   Faixa típica de tributação de 15% a 21% da receita total Simples-Fut: Taxação de 5% sobre a receita total da sociedade, ADICIONAL aos impostos incidentes atualmente. Re-Fut, regime TEMPORÁRIO: taxação de 5% da receita total da sociedade, ADICIONAL aos impostos atuais.   Após período de 5 anos vale a regra geral.
Destinação do Lucro 100% do Lucro é reinvestido no objetivo da Sociedade. Mínimo de 25% do Lucro a ser distribuído em Dividendos para os acionistas. Clube-empresa pode ser LTDA ou S.A. e segue a regulamentação de cada formato Mínimo de 25% do Lucro a ser distribuído em Dividendos para os acionistas.
Dívidas Hoje a maioria dos clubes tem endividamento superior à receita anual. Empresas tem  como requerer Recuperação Judicial. Clube-empresa sucederá todas as obrigações do clube associativo original, inclusive trabalhistas e tributárias. Podem pedir recuperação judicial. Obscuro quanto à sucessão das obrigações. O Clube originador deve destinar 50% dos Dividendos recebidos para pagamento da dívida anterior.
Fontes de receitas / financiamento Tradicionais do futebol.   Em 2019 o SPFC criou um FIDC, com autorização da CVM, para captar recursos no mercado. Emissão de ações e outros títulos autorizados pela CVM Não aborda o tema. Vale a regra geral conforme a modalidade da empresa Cria a “Debênture-Fut”,  remunerada por taxa fixa. Emissão de ações e outros títulos autorizados pela CVM.
Proteção do Nome, símbolos e sede da equipe Tema de competência do Conselho Deliberativo Definido pela Assembleia de Acionistas Não aborda o tema Criação das ações ordinárias de classe A, exclusivas do Clube originador, com poderes para decidir sobre os temas.

Tributação: Sob qualquer hipótese haverá aumento de pelo menos 100% da carga tributária dos clubes que aderirem ao modelo de clube-empresa. No caso específico do São Paulo Futebol Clube o impacto seria de aproximadamente R$ 50 milhões por ano, nos regimes tributários atuais, ou de pelo menos R$ 23 milhões caso o “Simples-Fut” seja aprovado. Veja comparativo baseado nas receitas e resultado apurado pelo Clube em 2017:

No caso do projeto do Senado o “Re-Fut” é um regime temporário, equivalente ao “Simples-Fut”, mas com validade máxima de 5 anos. Após os cinco anos o regime tributário da Sociedade Anônima do Futebol passa a seguir as regras gerais de tributação de empresas.

Recentemente Alexandre Pássaro, executivo de futebol remunerado do SPFC, deu entrevista na qual afirmava que uma administração mais eficiente da sociedade poderia gerar mais lucros, de modo a compensar o maior gasto com impostos devido à conversão em clube-empresa. Se ele é um dos executivos principais do clube, por que não aplica esses métodos mais eficientes de administração e gera o lucro independente do regime da sociedade (associativo ou empresa)?

Destinação do Lucro: o clube associativo tem, além das vantagens de menor incidência de tributos, a vantagem de poder reinvestir no objeto da associação, no nosso caso o futebol, a totalidade do lucro apurado em um ano. No Brasil a Lei das S.A. estabelece um percentual de 25% do Lucro ajustado como o mínimo a ser distribuído aos acionistas na forma de Dividendos.

Para atrair potenciais acionistas as empresas de capital aberto tem políticas de distribuição de dividendos que excedem o requisito mínimo. O Itaú por exemplo tem a prática de distribuir a seus acionistas 35% do Lucro anual ajustado. A CCR, concessionária de rodovias e outros serviços, aplica uma política de distribuir 50% de seu lucro aos investidores. Esse percentual é definido pelo mercado em função da atratividade e necessidades de reinvestimento dos lucros acumulados. De todo modo, parte considerável do Lucro será destinado para outro destino que não o fortalecimento do time ou melhoria das instalações e patrimônio.

Dívidas: A justiça já vetou em decisões anteriores tentativas “mágicas” de separar a dívida do clube associativo originador, dissociando da nova sociedade empresária (clube empresa). O caso recente do Botafogo Futebol e Regatas é um dos exemplos. Dívidas milionárias na casa de várias vezes a receita anual não desaparecerão do dia para a noite por meio de uma “canetada” do Congresso ou mesmo da Presidência. O projeto de Lei do deputado federal Pedro Paulo é explícito quanto a esse tema: “A sociedade empresária sucederá todas as obrigações da entidade desportiva profissional, inclusive trabalhistas e tributárias”.

O benefício neste caso se resume a permitir aos clubes-empresa a possibilidade de requerer a Recuperação Judicial. Esse recurso não elimina as dívidas, mas abre a oportunidade de renegociação dos débitos e o alongamento da dívida com juros abaixo do mercado.

Fontes de receita / Financiamento: os defensores da ideia do clube empresa se apegam à possibilidade de existirem milhares (milhões?) de investidores, com capital disponível, dispostos a investir nas novas empresas do futebol Brasileiro. A virada dos clubes-empresa se daria pela entrada de recursos provenientes das ofertas iniciais de ações no mercado. É possível, mas particularmente no caso do São Paulo, muito pouco provável.

Ao escolher suas opções de investimento cada gestor pesa três características de diferentes ativos: rentabilidade, segurança e liquidez. Provavelmente haverá liquidez, facilidade de resgatar e converter os papéis em dinheiro em curto prazo, se as ações forem comercializadas em bolsa de valores. A segurança depende das regras de governança da Instituição. A história recente do Tricolor mostra um flagrante desrespeito às normas do Estatuto pela administração, e, portanto, gera uma grande desconfiança do que poderá vir pela frente se boa parte dos dirigentes que se perpetuam no Clube continuarem como participantes da gestão da S.A. do Futebol. A rentabilidade será sempre um ponto questionável. Uma entidade que gerou R$ 156 milhões de prejuízo em 2019 não passará num piscar de olhos a ser uma empresa lucrativa. Uma empresa que não gera lucro não é atrativa para investidores, e com isso o preço das ações cai e o valor de mercado da sociedade despenca.

Em relação à “Debênture-Fut”, proposta no projeto do Senador Rodrigo Pacheco, ela não traz nada realmente novo no mercado. Em 2019 o São Paulo Futebol Clube captou R$ 35 milhões no mercado, com autorização da CVM, por meio da criação de um FIDC – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios. Nessa operação o SPFC pagará aos investidores uma taxa de 160% do CDI, oferecendo como garantia os recebíveis de contrato de transmissão de TV a cabo. Na prática é a mesma operação descrita no projeto que tramita no Senado.

Proteção do Nome, Símbolos e Sede da equipe: existem no Brasil alguns exemplos recentes de clubes que mudaram de sede, como o Oeste – que já foi de Itápolis e hoje manda seus jogos em Barueri. E por falar em Barueri, em 2010 o então Grêmio Barueri mudou a sede e o nome para Grêmio Prudente, mudando sua sede para Presidente Prudente. A Red Bull fez a “parceria” com o Bragantino e uma das primeiras medidas foi abandonar o tradicional escudo da equipe de Bragança e alterar a denominação da equipe, hoje oficialmente registrado na CBF como Red Bull Bragantino.

Esse tema é ignorado no projeto já aprovado pela Câmara dos Deputados, dando abertura a que, por exemplo, um dia o São Paulo pudesse vir a mandar seus jogos em Brasília, caso fosse comprado por um investidor da capital federal, e adotando as cores amarelo e azul em seu novo escudo e uniforme. O projeto do Senado avança nesse tema, tornando obrigatória a criação de ações ordinárias de classe A, exclusivas de propriedade do clube originador, com poder de veto em qualquer alteração nos símbolos, identidade e sede do time.

Sobre o clube social do SPFC: muitas pessoas acreditam que o clube social drena recursos que poderiam ser utilizados para reforçar o time de futebol profissional. Essa crença está equivocada. Analisando as demonstrações financeiras do SPFC entre 2007 e 2017 vemos que o Clube Social apresenta superávits de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões por ano todos os anos. Não só não drena recursos como colabora para o resultado da Instituição. O clube social gera receitas de R$ 34 milhões por ano, e os prejuízos registrados em 2018 (R$ 200 mil) e 2019 (R$ 9 milhões) são reflexo da incompetência da gestão atual e da defasagem, no projeto de basquetebol profissional, entre o lançamento do time e a captação de verbas de patrocinadores.

CONCLUSÃO

Analisando pelo estrito critério de administração de empresas, não consigo identificar nenhuma vantagem na criação da Sociedade Anônima do Futebol a partir do desmembramento do São Paulo Futebol Clube. Pelo contrário, vejo um risco grande para a Instituição.

A incidência de uma tributação muito superior em comparação ao clube associativo retira diretamente recursos do caixa do clube-empresa sem ter nenhuma contrapartida. Se uma administração competente e profissional pode tornar o clube mais eficiente, e portanto compensar o aumento de tributos, por que não implantar essa gestão competente sem modificar o modelo de clube associativo da Instituição?

Um clube associativo pode reinvestir 100% do resultado apurado para reforçar seu time e melhorar o patrimônio. Uma empresa S.A. distribuirá entre 25% a 50% dos lucros a seus investidores na forma de dividendos. Voltamos à questão da eficiência da gestão. Bons gestores trarão bons resultados em qualquer modalidade de sociedade (associativa ou empresa), e um clube associativo poderá reinvestir tudo no seu objeto principal sem precisar dividir os lucros.

A justiça Brasileira já deu mostras que não isentará as empresas desmembradas de clubes de futebol da responsabilidade sobre as dívidas antigas do clube associativo, principalmente as trabalhistas e tributárias. O benefício de poder requerer uma Recuperação Judicial não significa grande avanço para a maioria dos clubes.

A simples criação de uma Sociedade Anônima do Futebol do São Paulo FC não fará surgir investidores dispostos a arriscar seus recursos comprando ações de uma empresa iniciante,  desmembrada a partir de um clube que vem apresentando grandes prejuízos. No caso específico do SPFC existe a necessidade de se sanear as finanças do clube, antes de se prosseguir com as discussões relativas à criação de uma SAF. Uma S.A. do futebol criada hoje estaria baseada em fundamentos muito pobres, e portanto a nova empresa já começaria muito depreciada. Iniciar agora uma SAF seria uma forma de vender muito barato nosso patrimônio, tangível e intangível.

7 comentários em “Flávio Marques

  1. Sabe amigo, Flavio, admiro muito a sua obstinacao de ter feito grandes explicacoes sobre todos os problemas desse timeco, que se tornou digno de pena pelas humilhacoes que tem sofrido ao longo dos anos, recentes.
    Nao deixa margens a duvidas que o tricolor cresceu muito em todos os sentidos, tem sim, solucao, mas parece que nao tem homens com vergonha na cara para fazer essa empreitada.
    O time e esses malditos conselheiros e diretores, sao despreziveis.
    Os jogadores que perderam o ultimo jogo deveriam todos ir para bem longe do Morumbi, junto com seu treinador.
    Todos tem sim, é muita culpa por esse vexame gigante.
    Estao, sim, longe e confinados em Cotia, treinando, para que, com esse incompetente e seu desastroso esquema de jogo,
    agora vamos enfrentar gente bem mais qualificada que nosso paupérrimo ultimo adversário, que por sinal honrou suas origens.
    Precisamos, sim ressurgir dentro do campo de jogo, aí sim temos que voltar a ser o que fomos, na parte diretiva nao temos gente com culhoes para fazer esse tipo de coisa. Se ficarmos badalando e nas maos desse povo ridiculo vem e muito mais vexames por aí, e questao de aguardar,
    Nossos jogadores, diretores, conselheiros precisam apenas de vergonha na cara, coisa que parece nao tem.

  2. Agradeço mais uma vez pelo espaço para publicação e a todos os leitores que participam com comentários.

    Ótimo final de semana!

    Flavio Marques

  3. Touché! Foste na jugular, Flávio. Quem sabe assim acaba essa ladainha falaciosa de clube-empresa como a solução para nossos problemas. Afinal, haja receita para pagar mais impostos, além de dividendos… O problema não é estrutural, e, sim, humano. O quê os impede, agora, de administrar competentemente? Nada, além da falta de competência mesmo.

    O risco institucional existe, mas acredito que seja pequeno, dada a grandeza do São Paulo. Mas e o futebol? Como você já bem demonstrou, a maior receita do clube advém da venda das revelações de Cotia. Não haveria pressão do conselho de acionistas para a escalação precoce dos jovens no time titular?

    Praticamente dá pra dizer que foi a dívida escalou Antony, e já está escalando Helinho, Bóia, Sara, Brenner pois é a única maneira de saná-la. Mas é uma situação excepcional, de emergência. O ideal é que os jovens ainda em formação se encaixem no time titular no momento adequado e não por obrigação financeira. Porém, caso o clube se torne empresa, correríamos o risco de vermos o time jogando não para ganhar campeonatos, mas para, primordialmente, expor os jovens, considerando que o Brasil é um mercado vendedor.

    Quanto à parte administrativa, o estatuto não é mau. O que falta é transparência e, acima de tudo, eficiência na gestão. (Lembrando disso, quem investiria numa empresa que rejeita ser auditada?) O São Paulo só precisa de duas pessoas para sair do buraco. Um diretor de futebol que contrate bem, dentro das realidades financeiras do clube. Se acharmos alguém que faça isso, metade dos problemas está solucionado. A outra pessoa é um Técnico, com t maiúsculo mesmo. Que saiba aproveitar o elenco que tem em mãos da melhor maneira possível. Encontrados estes dois e garantindo-lhes autonomia para trabalhar, o São Paulo voltará a colecionar títulos. Um departamento de marketing verdadeiramente estruturado e producente também seria muito bem-vindo.

    • Obrigado André Felipe.

      No SPFC de hoje existem muitas pessoas que infelizmente se especializaram em defender o indefensável.

      Um abraco,
      Flavio

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