São Paulo promove passeio monitorado por dentro do Morumbi, e até rivais pagam para ver

No último degrau das arquibancadas do Morumbi, Fernanda Moreira, 19 anos, ajeita o cabelão embaralhado pelo vento forte, abre um sorriso e declara com precisão cirúrgica: “O maior público do estádio não foi durante um jogo de futebol. No ano de 1985, cento e sessenta e duas mil novecentos e cinquenta e sete pessoas participaram de um congresso de fiéis da igreja Testemunhas de Jeová.”

No alto do maior estádio de São Paulo, no meio das arquibancadas semivazias, somos seis os que pagaram até R$ 30 para conhecer de perto as entranhas do gigante tricolor. Fernanda é a guia turística contratada para nos ciceronear. Enquanto crianças da favela de Paraisópolis exercitam-se na pista de atletismo e funcionários retiram cadeiras velhas das arquibancadas, Fernanda continua seu rosário enciclopédico, ainda com o sorriso inabalável.

“O maior público do Morumbi em um jogo de futebol não foi do São Paulo. Foi um Corinthians e Ponte Preta, em 1977, que teve cento e quarenta e seis mil e oitenta e dois pagantes”, informa ela.

A visita monitorada é um dos serviços que o São Paulo oferece quase diariamente a quem quiser conhecer o estádio. Além de informações históricas, biográficas e estatísticas, o visitante ganha o direito de ir a lugares a que apenas os jogadores têm acesso regular.

Um dos pontos altos do tour é o passeio pelo vestiário usado pelos atletas antes, durante e depois dos jogos. Lá você vai encontrar os armários dos boleiros, a banheira onde eles deitam para relaxar e até uma curiosa mangueira de ar comprimido que serve para tirar com a força dos ventos tufos de grama presos às chuteiras.

Também é possível conhecer a sala onde o presidente Juvenal Juvêncio assiste às partidas e recebe convidados ilustres. O camarote foi usado recentemente por Paulo Henrique Ganso no dia de sua apresentação à torcida.

FAÇA VOCÊ MESMO

Sem a mesma classe do meio-campista paraense, o empresário Thiago Roberto, 29 anos, aproveita sua visita ao estádio para fazer gols. Ele ajeita o tênis e olha fixamente a bola, a concentrar-se. Estamos na sala que os jogadores do São Paulo usam para o aquecimento.

Uma pequena trave com um alvo no ângulo espera no lado oposto da sala, cujo piso é de grama sintética, de um verde quase natural. O empresário já viu todos os outros integrantes do tour, inclusive este repórter, errarem suas tentativas de acertar no ângulo. Ele tem sua última chance. E não decepciona: na gaveta! Graças ao feito, Thiago ganhou um brinde, um pequeno mimo da organização do passeio.

HORA DE REZAR

Ainda na sala de aquecimento, o visitante vai conhecer o pequeno altar que os são-paulinos religiosos fazem suas preces antes de entrar em campo. Compõe o cenário eclesiástico um crucifixo, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, outra de Nossa Senhora das Graças e uma terceira de São Paulo, o padroeiro dos jornalistas, além de uma vela.

Sobre o altar, a tutela da modernidade: um painel eletrônico informa a hora para fazer tudo ali. Atrasos são pouco tolerados.

Chegada ao estádio: 15h. Aquecimento: 15h15 a 15h30. Reza: 15h45 a 15h50. Subida ao campo: 15h57.

O jogo em questão era São Paulo x Cruzeiro, marcado para as 16h, pela 26ª rodada do Brasileiro.

RIVAIS PAGAM PARA VER. OUTROS DRIBLAM A SEGURANÇA.

A empresa que organiza o passeio diz receber até 3.000 visitantes mensalmente. Cerca de 30% deles não torcem para o São Paulo. Metade são turistas de fora da cidade. Enquanto esteve no Morumbi, numa quarta-feira à tarde, a reportagem encontrou um palmeirense e um santista tirando fotos, maravilhados com o estádio tricolor.

De acordo com o clube, a única forma de conhecer o Morumbi fora de um dia de jogo é pagando pelo passeio, que custa de R$ 15 a R$ 30. Mas a reportagem encontrou dois turistas que driblaram a segurança tricolor e conseguiram acesso às arquibancadas sem pagar.

Os torcedores rivais em geral não causam muitos problemas quando visitam o estádio do São Paulo. Exceções são contadas nos dedos. Um dia, uma criança corintiana começou o passeio agasalhada e no meio do tour tirou parte da roupa para revelar uma camiseta do arquirrival. Criou-se uma pequena confusão. A criança recebeu um ralho da professora, outro da guia, mas ganhou uma nova camiseta para continuar a visita.

Outro sujeito, menos inofensivo, quis fazer o passeio ao Morumbi um dia depois da traumática eliminação são-paulina na da Libertadores de 2010 para o Internacional.

Detalhe: ele queria entrar trajando a camisa colorada. Achava-se em seu direito democrático de vestir a roupa que bem entendesse, desde que estivesse pagando. Foi retirado de lá pelos seguranças.

ÍDOLO DAS 12 LÍNGUAS. ÍDOLO QUE VOA.

No memorial Luis Cassio dos Santos Werneck, que nada mais é do que um bem aprumado salão com troféus e informações históricas sobre o clube, o visitante encontra o busto dos três maiores ídolos da instituição. Nenhum deles é Rogério Ceni.

Fernanda, nossa guia, enche o peito: “Quem conhece o Adhemar Ferreira da Silva?”

Silêncio. Ela continua imperturbável. “Foi um saltador que ganhou muitos títulos e foi um dos principais atletas que já vestiram a camisa do São Paulo. Ele falava 12 línguas, inclusive finlandês. Daí vocês tiram como ele era inteligente.”

Os outros homenageados no memorial do clube são o boxeador Éder Jofre e o jogador Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”.

O inventor da bicicleta está homenageado no museu tricolor com uma estátua que paira sobre o ar, segurada por fios de ferro, emulando o lance que tornou Leônidas famoso. Abaixo dela, o simpático e sonolento Santo Paulo, o mascote cristão do clube, espreguiça-se.

“Nossa intenção é deixar o memorial mais moderno, multimídia”, informa Cinthia Tedesco, funcionária do departamento de comunicação são-paulino.

UM DIA NO MORUMBI

O passeio por dentro do estádio é apenas uma das atividades que podem ser feitas ali. O São Paulo transformou sua arena em um centro de entretenimento, que além de receber shows (e jogos, claro), oferece serviços e produtos a seus clientes.

Dentro do estádio, é possível almoçar (comida ocidental ou japonesa), fazer compras (de roupas e livros), receber uma massagem, participar de sambas com direito a feijoada, ir a balada e malhar. Tudo com vista para o campo.

Os preços, porém, não são nada convidativos.

Fonte: Uol

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