Pintado relembra grito para Raí antes de gol do Mundial de 92 do São Paulo

O dia 13 de dezembro de 1992 ficará marcado para sempre na memória de Pintado, ex-volante do São Paulo. Na série “Como se fosse ontem”, o ídolo Tricolor, de Bragança Paulista, relembra a partida contra o Barcelona, válida pelo Mundial de clubes de 92, a qual considera o momento mais marcante de sua carreira.

Pintado grita com Raí antes do gol contra o Barcelona no Mundial de 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

Pintado grita com Raí antes do gol contra o Barcelona no Mundial de 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

Teve soberba dos catalães, preleção “curta e grossa” de Telê Santana e conversa olho no olho com Raí antes do gol do título. O atual treinador do São Caetano conta detalhe por detalhe, todos os momentos vividos no dia em que o São Paulo foi o dono do mundo pela primeira vez.

Confira o depoimento do jogador relembrando um dos dias mais importantes da história do Tricolor Paulista

A minha vida tem dois momentos, existe o momento profissional e existe o momento pessoal, felizmente eu consigo fazer com que os dois momentos se encontrem numa partida de futebol. E essa partida foi o mundial de clubes contra o Barcelona, no Japão, em 92. Esse momento da minha vida foi muito especial. Profissionalmente, mudou a minha vida, em todos os sentidos, e pessoalmente também porque foram muitas experiências que você aprende, vive, e que a gente começa a dar importância de verdade.

O começo

Chegamos oito dias antes da partida, em Tóquio. Esses dias foram muito pesados para todos nós. Além de termos ido no Japão, uma cultura totalmente diferente da nossa, o fuso horário era diferente. Então, era tudo muito diferente de tudo o que já tínhamos visto. Aqui, do lado ocidental, a gente vive de uma maneira mais calorosa essas partidas de futebol, e lá, não. Parecia que nada ia acontecer, pareciam dias normais, tudo acontecia normalmente. E a gente estava distante do Brasil. E aqui a gente sabia que a torcida do São Paulo estava eufórica com esse momento, todo mundo estava muito ansiosos. Como a gente tinha pouco contato com o Brasil, os dias de treinamentos eram muito intensos, como sempre, essa equipe era muito determinada todos os dias, muito responsável, mas vai chegando o dia do jogo e você percebe que a imprensa começa aumentar, algumas notícias acabavam chegando pra gente de dentro do hotel. Eu fiquei com o Toninho Cerezo no quarto. Ali foi algo muito especial porque o Toninho é um cara muito experiente, muito especial, de todas as maneiras e acabava oferecendo muitas informações, não só para mim, mas para todo mundo, todos daquela equipe. Foi um ponto de equilíbrio muito especial. Mas eu confesso que não dormia. Foi difícil de dormir, de comer. Eu pelo menos tinha dificuldade porque eu sabia, tinha claridade, certeza que era o momento da minha vida. Era o jogo mais importante da minha vida. Era o dia mais importante da minha vida. Dali, as coisas poderiam mudar, não só da minha vida, mas a vida da minha família, dos meus amigos. Então, foi muito especial.

Momento no hotel

O Barcelona chegou dois dias antes do jogo, e eles não quiseram ficar no mesmo hotel que a gente, porque o Barcelona era maior, era o Dream Team do momento, tinha acabado de ser campeão da Champions. Aquilo marcou muito pra gente. Nós ficamos pensando “Perai, são tão diferentes da gente? São Melhores do que a gente?”, e a todo o momento, dentro do hotel, a gente ficava falando sobre isso. A gente tomava o café, o lanche, e começávamos a falar “Pô, cadê os caras? Cadê esse time? Cadê o Barcelona?”, então foi um dias muito intenso pra gente. No dia anterior, e no dia do jogo, nós falamos muito sobre o adversário. Então, isso ficou muito marcado para mim.

Ronaldão, Pintado, Macedo, Dinho São Paulo Mundial 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

Ronaldão, Pintado, Macedo, Dinho São Paulo Mundial 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

Chegada ao estádio

Nós saímos do hotel e o ônibus totalmente em silêncio. Todo mundo muito concentrado, muito atento, ansioso pro jogo. É engraçado que quando chegamos no estádio, tinha pouca gente, o estádio estava vazio, não tinha ninguém. Nós chegamos 1h30 antes do jogo e subimos para aquecer meia hora antes, e no estádio não tinha ninguém, pouca gente, e a gente ficou “Poxa, será que não vem ninguém no jogo? Esses japoneses não sabem o que está acontecendo?” tinham mais são-paulinos do que japoneses no estádio. Nós voltamos do aquecimento pro vestiário, e então a gente entrou em campo e percebemos que o estádio estava lotado, e isso marcou muito para mim.

Preleção do Telê

Na verdade o Telê estava falando todo o dia com a gente sobre isso. A gente vinha discutindo muito sobre isso, nós tivemos dois dias antes nós assistimos ao jogo do Barcelona quando foi campeão da Champions League. O Telê posicionou muito bem a nossa equipe, todo mundo sabia o que ia acontecer, nós conhecíamos bem o time do Barcelona, com jogadores de alto nível, e que a gente não podia cometer nenhum erro. A gente não podia errar, era um jogo que a gente tinha que jogar acima do nosso limite para poder vencer. Na preleção o Telê comentou “Nós não chegamos aqui por acaso. Essa não é uma equipe normal. Nós somos uma equipe que já mostramos que temos força. Nós podemos ganhar o jogo. Temos que enfrentar de homem para homem, de gigante para gigante. É possível a gente ganhar esse título, sim. É o momento da nossa vida e nós temos que fazer o nosso melhor”. Foi curto e grosso.

Sobre o Barcelona

A estrutura é muito grande, é maior do que a do São Paulo. Realmente era o Dream Team do momento, era o time a ser batido. Todo mundo falava do Barcelona no mundo inteiro. Então é muita gente. O staff, as pessoas que trabalham para o Barcelona dentro de uma partida, são muitas. E todo mundo uniformizado. Você percebe que realmente está enfrentando um dos maiores do mundo, um gigante. E a gente percebia, no aquecimento, que a roupa era diferente, porque eles estavam acostumados com o frio, e era muito intenso, o frio de neve. É diferente pra todos nós, e o Barcelona acostumado, aquela roupa bonita, imponente, a gente começava a olhar do outro lado aqueles caras que você tinha acabado de ver na televisão sendo campeão da Champions, você fala, pô, realmente hoje a luta vai ser grande.

Frio na barriga

Isso já vinha, e só aumentou no dia do jogo. Nós tivemos praticamente dois meses de ansiedade muito grande. Pra comer era difícil, pra dormir era difícil. A gente falava de qualquer outro assunto, mas a gente voltava e falava do jogo, tocava no assunto dessa partida, foi muito complicado. A ansiedade, esse frio na barriga aumentou muito no dia do jogo.

Admiração

Algumas coisas como o Barcelona não querer fica no hotel da gente, jogadores perguntando quem era o São Paulo. Algumas coisas, talvez não por maldade ou por soberba, mas realmente por falta de informação pois naquela época era mais difícil porque não existia Internet nem nada, e eles não conheciam o São Paulo. Tinham informações, algumas coisas, já sabiam porque nós tínhamos ido pro torneio Teresa Herrera (vencido pelo São Paulo, em jogo contra o Barcelona, por 4 a1), eles já sabiam, mais ou menos, como era o São Paulo, mas não tinham tanta informação. Acho que isso levou pro jogo um clima mais especial.

O jogo

Os primeiros 15 minutos foram muito difíceis pra gente. O Barcelona realmente era uma equipe muito consciente, taticamente muito bem posicionada. O treinador do Barcelona, o Cruyff, era um cara que sabia como fazer uma equipe jogar e jogar bem, nem precisa falar muito, né? Johan Cruyff, só dizer quem é, e nos deixou nos primeiros 15 minutos com muita dificuldade, tanto é que o Barcelona abriu o marcador rapidinho. Mas acho que a gente foi se equilibrando dentro do jogo. Isso era algo muito importante, uma característica da nossa equipe, que era se adaptar aos jogos difíceis, e acho que a gente conseguiu isso de uma maneira rápida e muito forte.

Após tomar o gol

Na verdade, nós estávamos preparados para isso. Claro que você se prepara, você se cuida, estuda, você treina, mas você não imagina que com 12 minutos de decisão você sai perdendo, contra um adversário tão grande e tão forte como o Barcelona. Mas eu repito, a característica dessa grande equipe do São Paulo, era se adaptar a grande jogos, era saber enfrentar grandes equipes. Acho que a partir do gol, alguns jogadores realmente acenderam, acordaram pro jogo, o eu foi fundamental e importante pro jogo.

Conversa em campo

Era muito legal dentro de campo, a cobrança da gente. Ali nós cobrávamos como uma equipe, não como amigos. Aquela equipe, além de ser uma equipe amiga, era unida, e isso fez muita diferença, acho que isso o que levou a gente a conquistar um título importante.

Primeiro gol

A gente esperava sempre isso do Muller, Raí, Palhinha, Toninho Cerezo, Cafú, esses caras eram gênios, realmente craques. A gente sabia que a qualquer momento eles poderiam decidir. E naquele jogo, mais do que nunca, nós contamos com a genialidade do Muller, que foi um craque acima da média. Depois desse gol nós tínhamos a certeza de que o título viria pra gente, aumentou a nossa autoconfiança dentro do jogo e o Barcelona sofreu.

Vestiário intervalo

Eu lembro bem que o Telê fez apenas alguns ajustes, falando pro Cafú pressionar um pouco mais o lado direito do Barcelona. Pra nossa marcação se aproximar um pouco mais dos atacantes, pressionar mais a bola. Esses ajustes foram muito rápidos no vestiário. O resto foi motivação, foi entre a gente falando “vamos lá, vamos que dá, vamos lá que é nosso! 45 pra gente ser campeão do mundo. Momentos que vão ficar pra sempre nas nossas vidas”, então aí foi decisivo esse intervalo para a gente. Foi muito importante para sermos campeão.

Cobertura no Zubizarreta

Para você ver a inspiração, a confiança. Eu jamais tentaria uma jogada dessa num outro jogo, mas nesse momento a confiança era tão grande que eu arrisquei um lance como esse. E isso o adversário também sente “poxa, mas espera aí, os caras tão tentando”. Esse momento pra mim foi mágico, o jogo todo teve momentos muito marcantes.

Raí falta São Paulo Mundial 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

Raí falta São Paulo Mundial 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

A falta e conversa com Raí

Na verdade, essa falta, nós treinamos o ano todo. Era eu que pisava na bola para o Raí bater, e nesse momento o Cafú encostou e foi ele que pisou pro Raí bater. São situações que só quem está dentro de campo sabe e sente o porquê disso. E todos os detalhes foram muito treinados. O Raí fez gol de bicicleta, de calcanhar, de cabeça, de barriga, de tudo. Foi artilheiro do campeonato no ano, e só não conseguiu fazer um gol, até aquele momento, de falta, que a gente vinha treinando muito. E o gol do título vem num gol de falta do Raí. E tem um momento que eu chego pra ele e falo “faz o gol, que é o gol do título”. É muito marcante, é muito mágico porque tem uma foto desse momento, da veia do meu pescoço, eu gritando com ele. E ele, com aquela frieza que todo o craque tem, falou “calma, me deixa concentrar”. E eu falando “faz o gol que é o do título”. E isso foi algo muito especial.

Após o gol

Eu olhei pro Ronaldão e falei “acabou, parceiro, acabou. Nós vamos ser campeão, esse título é nosso, ninguém mais vai tirar da gente. Faltam 15 minutos? O tempo que faltar, esse jogo é nosso, esse campeonato é nosso, o título do mundo vai ser nosso”.

Apito final

Vem um sentimento muito especial porque cada um tem uma história, cada um seguiu um caminho pra chegar até aquele momento. E o meu foi muito difícil, saí do Bragantino, um clube do interior, pra ser campeão do mundo com um gigante do futebol mundial que é o São Paulo. Eu sabia que aquele momento era muito importante para mim. Eu acho que a hora que acaba o jogo, cai a ficha, você sabe que você conquistou algo grande, mas você não tem ideia da dimensão disso ainda, porque você está longe do Brasil, fora de tudo. Mas ali sai um peso muito grande das costas de todos e para mim foi muito especial.

Comemoração

Raí, Gilmar, Valdir de Morais São Paulo Mundial 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

Raí, Gilmar, Valdir de Morais São Paulo Mundial 1992 — Foto: Arquivo Histórico SPFC

Engraçado porque nós não conseguimos comemorar. A gente não tinha ideia. Comemoramos no vestiário. O Toninho Cerezo até ficou bravo porque não tinha Champanhe lá dentro e brigou com um diretor, falou “não tem champanhe aqui porque vocês não acreditavam que a gente seria campeão, por isso que não tem champanhe. Alguém tem que comprar”. Eu não sei como, mas apareceu uma champanhe dentro do vestiário e a gente acabou comemorando entre a gente ali. Alguns nem tinham percebido que a gente tinha ganho um título de campeão do mundo. Foi cair a nossa ficha da importância dessa conquista quando nós voltamos para o Brasil e chegamos em São Paulo.

Importância de Cerezo

Ele foi muito importante. Não pra mim, mas pra toda a equipe. Pra mim, foi a diferença de jogar bem ou jogar mal. De ganhar ou de perder, na minha análise. Mas para a equipe, você percebia que o Toninho, que já era o jogador mais veterano, o mais velho da equipe, mas como uma criança, como um jovem que não tinha conquistado nada na vida, claro que ele já tinha passado por grandes momentos, mas aquele momento para ele era muito especial. Ele viveu intensamente e transmitiu isso pra gente. E ter um cara desse ao meu lado, talvez seja o meu maior prêmio, ter o Cerezo como amigo e ter história para contar juntos.

O principal momento do dia

Após a partida, nós ficamos ainda dentro de campo, e muitos são paulinos estavam lá. O abraço do São-paulino com a gente foi tão carinhoso, tão sincero, tão forte, que a gente percebia o agradecimento desses caras, a alegria dos caras em ser campeão. Esse foi o momento mais especial, ver a torcida do São Paulo feliz e contente com um título muito importante.

Fonte: Globo Esporte

6 comentários em “Pintado relembra grito para Raí antes de gol do Mundial de 92 do São Paulo

  1. Lembro como se fosse hoje, assisti esse jogo na madrugada o São Paulo mesmo depois de ter tomado o gol não se abateu, como peculiaridade do time do mestre saudoso Telê, botou a bola no chão e foi pra cima do todo poderoso Barcelona, o final todos sabem o que deu né O MUNDO SE TORNOU TRICOLOR PELA PRIMEIRA VEZ…
    simplesmente inesquecível

  2. Só posso dizer “OBRIGADO MEU DEUS POR TUDO ISSO” tenho 54 anos e tive a felicidade de acompanhar a inauguração do Morumbi, depois o primeiro grande titulo no dia 05/03/78 Campeonato brasileiro de 77, seguido do brasileiro de 86, terceiro brasileiro em 91, Libertadores e mundial de 92/93, recopas , supercopa, conmebol, libertadores de 2005, mundial de 2005, o tri brasileiro de 06,07,08, OBRIGADO, e se ELE quiser ainda verei muito mais

  3. Incrível, lembro deste jogo claramente, tinha um show dos Guns’n’Roses no Anhembi na sexta feira e foi cancelado por causa de uma imensa tempestade que assolou a capital SP , daí o show passou para o sábado dia da final e assisti o jogo logo após chegar do show já depois da 1hora ligeiramente embriagado.
    E que jogo, após um chute do Hagi um meia romeno acertar uma bola na trave do Zetti, não pisquei o olho até o título, e que Glória, que delícia, êxtase puro, 4 horas da manhã eu e meu saudoso pai assistindo os gols pelo video cassete pois tínhamos gravado a partida , e pra falar a verdade ainda me emociono assistindo esse e a outros jogos memoráveis do SPFC.

  4. Lembro-me muito bem desse dia, especialmente que estava com meu irmão e meu pai que já se foram, infelizmente. Quebrei o lustre da sala ao comemorar o gol do Raí, dei um pulo que pegou no lustre e quebrou, mas tudo era festa, que alegria, que momento mágico ver meu time campeão do mundo e jogando um futebol de primeira, ver o Raí correndo pra abraçar o mestre Telê e o mestre, injustiçado nas copas de 82 e 86, ganhar um título mundial merecidamente com um futebol que ele gostava de aplicar.
    Não tem palavras pra explicar esse momento, só lamento ver hoje um time completamente sem alma, sem vontade, sem futebol, com aberrações e mimados que nunca ganharam nada em campo, e com uma diretoria grotesca.

    Saudades!!!

  5. Esse dia foi histórico! Poderiam passar esse reportagem para o atual elenco profissional do SPFC, para os meninos de Cotia que sobem para o time principal é já se acham o máximo. Se hoje o SPFC é um gigante do futebol mundial foi por caras como Pintado, Raí, Zetti, Cafú, Müller, Palhinha, Ronaldo Luís (o anjo tricolor), Dinho, Toninho Cerezo, Adilson, Vítor, e o principal, Telê Santana. Homens, não meninos mimados, bicudinhos, paneleiros. Esse time de 92/93 sabia que estava vestindo uma camisa pesada e respeitava a história do clube e a torcida. Por isso se tornaram gigantes. Continuo na torcida para chegarmos novamente ao topo, mas se a instituição SPFC como um todo não mudar a mentalidade e se lembrar do seu passado será muito difícil. #ReageSPFC

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