Osorio ‘sofre’ com idioma e diz: ‘Nenhum país vive o futebol como aqui’

Diante de problemas internos e a perda de jogadores importantes, as esperanças do São Paulo por dias melhores resistem na figura de um professor.

Claro, Juan Carlos Osorio é quem tem a responsabilidade de recolocar o Tricolor nos trilhos… Mas o próprio colombiano elege seu maior trunfo: o professor de português contratado para lhe dar aulas particulares e acabar com as dificuldades de transmitir suas ideias para os jogadores são-paulinos.

– Muito difícil, já atrapalhou muito. Impede uma mensagem genuína e pessoal de como vejo o futebol, como treino e do que espero dos jogadores. É muito importante e muito difícil falar português apropriadamente. Aperfeiçoar meu trabalho passa por isso. A didática e a pedagogia são muito importantes. E minha mensagem, obviamente, depende da claridade com que posso falar. E até agora tem sido difícil – desabafou.

A confissão de Osorio foi feita ao LANCE! no início da tarde de sexta, logo após a penúltima etapa da preparação para o jogo contra o Sport, às 16h deste domingo. Na Arena Pernambuco, o treinador completará sua nona partida à frente do São Paulo e, mesmo sem a perfeição da língua portuguesa, sabe que precisa terminar a 14ª rodada do Campeonato Brasileiro com vitória. Só assim, vencendo, o Lorde crê que haverá tempo para a sonhada adaptação ao nosso idioma.

– Só não tenho tempo para isso (risos). E assumo essa responsabilidade. Não me atrapalha em nada, é minha responsabilidade. Futebol brasileiro, como argentino e o colombiano, é de resultados já! Imediatos! Não há tempo para processos e adaptação – assumiu o comandante.

Diante daquele que chamam de maior desafio da carreira, Osorio, o estudioso do futebol, e Juan Carlos, pai e filho cheio de saudade, tentam de todas as formas se manter firmes. Atletas importantes deixam o Morumbi, a pressão pelo resultado ganha força e casos de indisciplina no elenco geram mal-estar: elementos que poderiam abalar o professor. Mas, como o técnico prefere dizer, servem mesmo para fortalecê-lo.

A vontade de vencer no Brasil supera esses problemas?
“Supera. Tive a oportunidade de trabalhar na Europa, nos Estados Unidos e no México. E nenhum país vive o futebol como aqui. Vejo minha situação como uma grande oportunidade de melhorar e evoluir. É o mais difícil e maior desafio da carreira. Estou feliz e orgulhoso, pois sempre admirei o futebol brasileiro”.

O cidadão brasileiro
“Não entendi ainda. Todavia, me surpreendo com as reações dos colombianos ainda, mesmo sendo um deles. Acho que, ao final, o ser humano, o jogador de futebol, é o mesmo na Inglaterra, nos Estados Unidos e América do Sul. Há bons profissionais e outros que não são muito bons, há pessoas boas e outras que não são. Trato de entender e ser justo. O brasileiro é muito emotivo e isso não é negativo, é diferente, é único. E é minha obrigação tratar de entender melhor e me adaptar à cultura”.

Experiência internacional
“Na Inglaterra e nos Estados Unidos, aprendi a estruturar cada sessão de trabalho, cada treino, com uma progressão lógica, acadêmica e pedagógica. Começo com jogos táticos menores e avanço ao futebol com o campo inteiro, 11 contra 11. Também aprendi a ser pontual. Na Europa, é 1h20, 1h30, 1h15 de treino, mas a intensidade é sempre alta. No Brasil e na América do Sul, no dia anterior ao jogo trabalha-se muito pouco. Acredita-se que é perigoso. Na Europa e nos Estados Unidos não, trabalha-se com alta intensidade”.

Métodos assertivos
“Você utilizou a palavra correta: assertiva. A grande diferença é como passo a responsabilidade para o jogador. Ele é quem toma as decisões. Eu sou quem treina o time para melhorar essas decisões. Os jogadores são os mais importantes. No mundo em geral, o futebol é o mesmo. As pessoas não são assertivas e pró-ativas. Passamos a responsabilidade para os seguintes e não assumimos os nossos compromissos. Explicar o jogo, um lance é muito importante. Preciso mostrar as possíveis soluções, repeti-las e vivenciá-las”.

Quem se adapta a quem?
“Eu! Comecei com exercícios mais básicos, sensíveis, e progressivos. Na Europa, começava mais de cima, aqui tenho penso mais básico. Por exemplo, uma atividade 11 contra 11 precisa dar lugar a uma   contra sete, pois consigo explicar melhor com menos jogadores. Acho importante deixar claro também que há coisas muito boas nos brasileiros. Em outros países, tinha que exigir quatro toques de bola. Aqui, posso deixar com apenas dois, porque a qualidade técnica dos brasileiros é muito acima, de alto nível”.

Cultura de vaias
“Na Inglaterra, a torcida aplaude quem sai, quem entra e, se quer bem o treinador, também. O mais importante é o jogador que entra, pois é quem pode mudar o jogo. Não creio que eu possa mudar o comportamento de um povo. Se pudesse mudar alguém, trataria de fazer com meus filhos ou os jogadores que quisessem. Não pretendo forçar ou mudar alguém. O que posso fazer é me adaptar a essa cultura. Escuto, respeito, aprecio o apoio aos jogadores… E quando os jogadores têm reações negativas, não entro em conflitos”.

Casos de indisciplina
“Sou muito respeitoso, valorizo muito a liberdade de expressão. Não há segredo no meu trabalho, na minha forma de ser. Sou claro, transparente, trabalhador, muito dedicado, apaixonado… Cada um pode dar sua opinião sobre mim, respeito. E nesses casos, dei minha opinião. Sou um homem, gosto de falar olho no olho. Fui assim com Anelka, Schmeichel, McManaman, Wanchope, Claudio Reyna, Lottar Mathaus… Isso me abalar? Jamais, é fácil! Estou preocupado mesmo é por não estar com meu filho em seu aniversário”.

Família
“Essa situação (cultura de demissão no Brasil) me faz ser mais cauteloso, mas minha família virá para cá. Chegam no fim do mês. Meus filhos vão estudar no Brasil, vão aprender a cultura daqui. Eles têm 12 e 15, que o maior completou hoje (ontem). Falei duas vezes com ele (largo sorriso) e gravei um vídeo também para desejar parabéns. Ele chama Sergio e o mais novo chama Juan Sebastián. Minha esposa é Juliet… E eu sou Romeu (risos)… Estou brincando!”

Outras paixões
“Sou apaixonado por tudo o que faço! Escuto música e a escuto com gosto, como salsa, canções românticas. Aqui gosto de Raimundo Fágner, Roberto Carlos… Tenho muita paixão pelo trabalho, pela família… Só não sou romântico (risos). São 25 anos de relação com minha mulher, ela entende isso. Sobre comida, na Colômbia também comemos feijoada. Tudo é parecido. Mas sou muito básico. Todo dia como salada, arroz, frango ou carne… Gosto de atum, batata… Gosto de caipirinha! Gosto, gosto… Mas só um trago. É o que minha mulher deixa (risos)”.

Quem é Juan Carlos?
“Como criança fui muito normal, como qualquer menino, jogando futebol na rua e pensando em ser profissional. Aos 22 anos decidi ir aos Estados Unidos estudar e ganhei uma bolsa de estudos para ficar quatro anos estudando fisiologia do exercício e do rendimento humano. Trabalhei por um ano e meio na construção civil, e passava muito frio, operava uma britadeira. Fiz isso porque precisava de dinheiro para ajudar meus pais e poder me sustentar enquanto estudava”.

Vida e obra
“A ideia de um livro sobre meus métodos foi de um jornalista colombiano, Jorge Bermúdez. Ele tem seguido minha carreira profissional há dez anos. Várias pessoas falavam para escrever um livro sobre minha vida, mas não quero. Este livro, porque fala de métodos, didática, modelo de jogo, princípios. Não acho que seja importante contar minha vida, sou uma pessoa normal. Normal e que lê muito. Leio obras de autoridades em liderança, como John C. Maxwell, Phill Jackson… Acho que é muito importante tratar de entender o ser humano para poder liderar jogadores. Leio muito sobre managers como Alex Ferguson, gente que é líder em lidar com profissionais”.

Fonte: Lance

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