Lugano vê Uruguai sem pressão pós-50: ‘Peso nenhum nas costas’

Enquanto dividia os afazeres de um garoto do campo na chácara da família, estudava e ainda batia bola, Diego Lugano sequer sonhava se tornar jogador de futebol. Viveu essa cansativa rotina até os 19 anos. Hoje, mais maduro e renomado, aos 33, enfim se permite sonhar. O zagueiro garante que o faz todas madrugadas até se despertar e entender que ainda há muito caminho pela frente. Lugano sonha em ser o primeiro uruguaio a realmente cumprir o gesto de levantar uma Copa do Mundo.

lugano uruguai copa entrevista especial (Foto: Lucas Rizzatti/GloboEsporte.com)Lugano acredita em título para o Uruguai na Copa no Brasil (Foto: Lucas Rizzatti/GloboEsporte.com)

A inquietação foi revelada em conversa com a TV Globo e o GloboEsporte.com na tarde de quinta-feira, no aconchego do “Complejo Celeste”, local de concentração e treinos da seleção de Óscar Tabárez em solo charrua antes do Mundial. Até porque o capitão do Maracanazo de 1950, o mítico Obdulio Varela, mal conseguira segurar o troféu, dado sem cerimônias pelo então presidente da Fifa, Jules Rimet, que estava certo de que o entregaria ao Brasil.

– Desta vez, esperamos uma cerimônia mais neutra, não? – brincou Lugano, em conversa de 30 minutos.

Porém, apesar de visar e sonhar com a taça, ele lembra que o Maracanazo está na história e de forma alguma será repetido.

– Temos muito orgulho da nossa história, saber quem somos, de onde vêm, para saber o que queremos. Mas aquilo (Maracanazo) não se repetirá mais. Primeiro, pela qualidade daquele time. Depois, pelo nível social. Vamos agora ao Brasil com otimismo e fome de vitórias, mas sem nenhum peso nas costas.

No entanto, por pouco o filho ilustre de Canelones, a cerca de 50 quilômetros da capital, não viu a Copa pela TV. A campanha irregular nas Eliminatórias foi salva no fim e precisou de repescagem, além de uma ajuda-extra: a união do grupo, amplificada com a criação de um grupo virtual no aplicativo de mensagens via celular Whatsapp.

O zagueiro casca-grossa admite que foi seu momento de maior drama com a camisa azul que já envergara vezes. E pensar que ele começou como meia goleador no Libertad, de sua cidade, com direito a gol de título inédito no torneio amador. Que não esquece as origens. Lugano também fala sobre a Fundação Celeste, criada pelos jogadores após Mundial de 2010 para ajudar crianças carentes e ainda a respeito de um possível retorno ao São Paulo – no momento, está sem clube após passagem por West Bromwich Albion, da Inglaterra.

Clubes, no entanto, não estão na pauta atual de Lugano. Sabedor de que este será seu último Mundial, curte ao máximo cada momento com a Celeste. Tanto que, mesmo liberado de treinos por um turno, circula faceiro pelos corredores do centro de treinamento.

– Estou 100% vivendo com intensidade esse momento especial para mim – resumiu.

> Confira trechos da entrevista:

GloboEsporte.com – Como tudo começou no futebol?
Lugano – Era meia e goleador. Foi começo atípico para o futebol de hoje. Com 18, 19 anos, eu morava na minha cidade, estudava, trabalhava e só jogava bola no final de semana, num clube amador, só por paixão, prazer. Não tinha expectativa de virar jogador profissional. Até os 19 anos, nunca treinei todo o dia. Eu estudava, trabalhava, jogava uma vez por semana no Libertad. Só depois, quando cheguei ao Nacional, comecei a fazer a vida de um atleta profissional. Depois, tudo foi muito rápido.

É verdade que o seu pai (Alfredo) jogava melhor do que você?
Até hoje, todo mundo de Canelones fala isso. Ele nunca me falou que sim nem que não (risos). Mas era outra época. Ele teve muitas oportunidades de virar profissional, mas o trabalho seguro era mais importante para a família do que a aventura de ser jogador. Futebol não dava dinheiro.

A Fundação Celeste é uma forma de voltar às origens?
É comum os jogadores de países aqui da América do Sul querer retribuir as suas origens. No Mundial, passávamos de fase e o bicho ia aumentando… Pensamos em ajudar alguma instituição. Mas uma doação poderia soar fria. Por isso, criamos a Fundação Celeste. A gente aprende muito e não é fácil conciliar. Mas o pouquinho que fazemos já nos deixa muito orgulhosos. Vamos no interior, bairros carentes, aprendemos sobre estatísticas, como veem a nossa imagem. É um jeito bom de retribuir ao povo tanto carinho. Não é só dinheiro. Tem que dedicar o tempo também.

E a resposta dos meninos do projeto?

Tem muitos garotos que veem nos jogadores um espelho de superação. É uma responsabilidade muito mais forte do que entrar num Mundial e bater um pênalti. Temos que passar a eles otimismo, esperança. Até porque todo mundo aqui na seleção superou seus problemas na infância. Ninguém nasceu em berço de ouro. Foi à base de esforço e ajuda de pessoas importantes. Quando um garoto se supera, nos deixa orgulhoso e dá vontade de continuar.

lugano uruguai copa entrevista especial (Foto: Lucas Rizzatti/GloboEsporte.com)Lugano fala por 30 minutos e diz que não pensa em clubes no momento (Foto: Lucas Rizzatti/GloboEsporte.com)

Impressiona o tempo de convivência desse elenco do Uruguai. Qual a receita?
A união das pessoas no Uruguai é diferente, somos um país menor, entre duas potências como o Brasil e a Argentina. Essa é a identidade do uruguaio e também dessa seleção. Representa o que o uruguaio é, uma sociedade amigável, orgulhosa. A gente simplesmente tenta em cada jogo retribuir o carinho e o respeito que o povo tem com a Celeste. Futebol tem muito azar, você perde, ganha… Mas o caráter não se negocia. Isso aqui é proibido. A gente se permite errar dentro do campo. Mas fora, não. Representamos muito para a nossa sociedade, para as crianças.

O entrosamento vem com o tempo. Você considera justa a ideia de que o grupo do Uruguai está envelhecendo, não está se renovando?
Pela primeira vez, em 110 anos de futebol, o Uruguai entendeu que para você se manter e competir em nível internacional tem que ter um plano de trabalho e não mexer com a estrutura com a mínima derrota. O professor Tabárez foi isso, a estabilidade que permitiu uma geração de jogadores inferior a gerações anteriores ter trabalho sério, treinos, jogos em sequência. E o Uruguai voltou a ser uma potência de futebol. Em termos organizacionais, ainda está longe. Mas a cultura é muito forte. E isso não se cria. Se nasce e se respira no ar. Somos privilegiados por isso. E voltamos a ser protagonistas. Por aí passa o segredo. Aprendemos depois de todo mundo, mas conseguimos. Mas não é fácil. Uruguaio é menor. Você sabe, povo pequeno, inferno grande, muitos interesses…

Você quem pediu para o filme “Maracanã” fosse exibido na concentração?
A gente viu antes do jogo com a Eslovênia (2 a 0). Eu pedi para trazer. É importante ter a consciência do que a camisa celeste representa. Temos muito orgulho da nossa história, saber quem somos, de onde vêm, para saber o que queremos. Mas aquilo (Maracanazo) não se repetirá mais. Primeiro, pela qualidade daquele time. Depois, pelo nível social. Vamos agora ao Brasil com otimismo e fome de vitórias, mas sem nenhum peso nas costas. Temos uma história que nos empurra e nos obriga a fazer o máximo possível. E um pouquinho mais.

Óscar Tabárez não costuma gostar de tocar em 1950. 
Nós, jogadores, baixamos um pouco a bola sobre esse assunto. Se aqueles nossos heróis jamais falaram daquela vitória, jamais bateram no peito que foram campeões e venceram o Brasil, por que a gente vai fazer? Seria uma falta de respeito. E não entender por que eles foram grandes. Temos time e trabalho para ser protagonista. E sonhar. Todo mundo tem o direito de sonhar, inclusive o Uruguai. De chegar ao Brasil e ficar com a taça.

E você já se imaginou levantando a taça no Brasil?
Sonho todo o dia. Pela madrugada, quando você está mais inconsciente do que nunca. Aí acordo e penso: calma, tem muita coisa pela frente. Li esses dias que o Thiago Silva faz o mesmo. E por que você não pode sonhar? Ninguém pode tirar o sonho de você. Eu sonho.

Obdulio Varela não conseguiu levantá-la em 1950…
Jules Rimet (então presidente da Fifa) não quis dar a taça para Obdulio, estava tudo programado para dar ao Brasil. Aí, ele teve que arrancar dele! Mas agora será um evento mais neutro, assim espero.

lugano uruguai copa entrevista especial (Foto: Reprodução)Lugano com os jovens da Fundação Celeste, em seus tempos de Libertad, em Canelones, e com a Celeste na Copa do Mundo de 2010 (Foto: Reprodução)

Estamos falando de Copa, mas, por pouco, o Uruguai não ficou fora. Precisou ainda da repescagem. Vocês temiam essa eliminação antes do tempo?
Nas Eliminatórias, eu passei o momento mais difícil na seleção. Começamos de forma impecável, goleando fácil, recorde de série invicta… De uma hora para outra, ficamos seis jogos sem vencer, dois pontos em 18 jogos. Ninguém entendia o que acontecia. O Brasil ficou longe! Justamente o nosso Mundial mais importante. Ficamos com muito medo de não conseguir. Principalmente pelo respeito à história do Uruguai e por não manchar o que já havíamos conquistado (quarto lugar na Copa em 2010, campeão da América em 2011). Ficamos num momento limite de verdade.

É verdade que vocês criaram um grupo no Whatsapp para ajudar?

Isso começa na amizade que nós temos. São 23 da lista, mas há mais de 40 envolvidos no projeto do Mundial. Em vez de procurarmos desculpas nos erros dos outros, nos fechamos e nos apoiamos. Criamos um grupo no whatsapp e lá se alimentava otimismo, todos se cuidando. Quando alguém fazia gol, comemorávamos, quando alguém tinha um filho, a gente dava parabéns. Um jeito de entrosar e ficar muito unidos. A gente até poderia ficar fora do Mundial, manchar a história do Uruguai. Mas juntos. Se for para morrer, que morrêssemos juntos. Tínhamos medo. De sete partidas, precisávamos vencer seis. Era impossível. Nem o Brasil de Pelé conseguiu. Mas a gente conseguiu.

Há uma ideia sobretudo nos países europeus que o futebol uruguaio é mais forte, por vezes violento? Você concorda? O que veremos disso no Mundial?
O uruguaio sempre encarou o futebol de um modo competitivo. Vou lhe dar um exemplo gráfico. Para você entender a paixão. A imagem da comemoração de gols do time uruguaio. Olhe a diferença de sentimento, de paixão. Isso nasce em nós. Antigamente, talvez houve excessos. Mas na Copa América de 2011, por exemplo, fomos fair play (equipe que mais jogou limpo). Temos muito contato físico, claro, mas má intenção jamais, que eu me lembre.

Você vai voltar para o São Paulo?
Estou 100% vivendo com intensidade esse momento especial para mim. Minha última Copa, no Brasil, capitão da minha seleção, quero aproveitar o máximo, estar aqui dentro e não me arrepender de viver tudo isso muito pouco. Mas a imagem do Brasil mexe com a gente, com a família (mora com a esposa Karina e os filhos Nicolás, Bianca e Thiago). Ver, oito anos depois, a torcida do São Paulo gritando o meu nome… é incrível. Não consigo encontrar palavra de gratidão. Tem muito respeito e carinho nisso. Mas, por enquanto, só posso falar isso. Total gratidão à torcida do São Paulo. É um orgulho saber que o time mais vencedor da história do futebol brasileiro, no qual passam muitos craques, ainda lembra o meu nome. Tem que cuidar muito disso. E o meu carinho também é infinito.

Fonte: Globo Esporte

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