Hernanes diz viver auge graças a fórmula: “Eu não era feliz comigo mesmo”

Qual Hernanes é mais feliz? Aquele bicampeão brasileiro, eleito o melhor da competição, ídolo na Itália e jogador de Copa do Mundo? Ou esse que deixou a China por não ser escalado na posição preferida e voltou ao São Paulo para lutar bravamente contra um inédito e temido rebaixamento?

Ponto para você que respondeu “esse Hernanes”. O de 2017 é mais feliz, e sua explicação é simples – se é que algo pode ser simples em sua mente tão peculiar: ele agora sabe o que precisa para jogar em alto nível. Graças ao método de treinamentos que ele mesmo criou, o Profeta garante estar no melhor momento de sua carreira.

– Eu não era feliz comigo mesmo, queria jogar num certo nível, mas não conseguia. Hoje estou mais feliz porque encontrei essas respostas – revelou.

Hernanes durante entrevista no CT da Barra Funda (Foto: Diogo Venturelli)

Hernanes durante entrevista no CT da Barra Funda (Foto: Diogo Venturelli)

Ainda na Itália, Hernanes começou a cursar Engenharia Civil, motivado pelo amor pelas grandes construções. O convívio com fórmulas intensificou sua busca pelo treino ideal e o tornou experiente para analisar situações como essa atual do São Paulo, uma obra ainda inacabada em 2017.

– Tem de haver uma construção, montar um alicerce, os pilares, os andares, não podemos querer construir logo a cobertura. Aprendi que o principal é a matéria-prima. Sem qualidade não dá certo. Acredito que temos boa matéria-prima e estamos colocando os alicerces. Eles estão quase prontos.

Nessa entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com, o meia, autor de cinco gols em cinco jogos neste Brasileirão, pela primeira vez abre a possibilidade de virar técnico, relata como se tornou um jogador mais completo, avalia a situação do Tricolor, fala sobre seleção brasileira e profetiza sobre Rogério Ceni, Neymar, e, claro, o clássico deste domingo, diante do Palmeiras:

– Vai ter surpresas.

Leia a íntegra da entrevista:

GLOBOESPORTE.COM: Depois da vitória sobre o Cruzeiro, você disse que havia mudado sua percepção inicial sobre o futebol brasileiro. O que mudou?
Hernanes: – Eu havia analisado alguns dados, agora jogamos com GPS e temos como mapear o quanto corremos, em que velocidade. Vi diferença nos números. Na Europa se corre um quilômetro a mais por jogo, em média. Isso me chamou atenção. No meu primeiro jogo, o Botafogo vinha de uma sequência muito forte, eles estavam um pouco cansados. A estratégia de marcação, na Europa a pressão começa muito mais alta, naquele jogo os caras deixavam jogar, minha primeira impressão foi que se corria menos e havia mais espaço. Depois percebi, vendo os jogos e jogando em sequência, que essa diferença de correr menos seja, talvez, porque aqui o tempo de bola rolando é menor.

– Nesse primeiro mês, eu gostei do que vi do futebol brasileiro. É competitivo, com equipes de sistema defensivo forte, difícil de entrar. E sempre com bom contra-ataque, dois ou três jogadores na frente que complicam. Eu acreditava que seria um pouco mais simples a nossa reação, nossa retomada na competição. Acreditava também que nosso time já estava preparado naquele momento para dar essa retomada.

Você falou em sistemas defensivos fortes e bom contra-ataque. Na Itália é parecido?
 Na Itália se corre um pouco mais. É parecido, mas é mais intenso, você tem menos espaço. Lá você é quase obrigado a jogar em dois toques, quando pega na bola já tem um em cima, se demorar chega outro. Na média, a pressão é mais alta.

Há anos você busca elementos fora do futebol para potencializar seu rendimento. Na ciência, na engenharia. Qual é sua busca neste momento?
– Há sete, oito anos, eu tentava encontrar fórmulas, o que fazer para melhorar. Hoje eu sei o que preciso fazer, sei como me preparar. Eu não era feliz comigo mesmo, queria jogar num certo nível, mas não conseguia. Hoje estou mais feliz porque encontrei essas respostas. Consegui materializar tudo isso, criar meu método de preparação, meus treinos. Antes eu estava buscando, hoje encontrei, estou feliz com isso, mas não paro. Sempre tento adaptar de outros esportes ou modalidades da vida humana coisas que as pessoas estão fazendo para aumentar a performance. Eu achava que não era tão forte nem tão rápido quanto eu queria ser. Mas descobri que não era falta de força nem de velocidade. Claro, eu não sou veloz, mas era somente falta de treinar da maneira correta. Agora meu trabalho é aplicar essas respostas que eu encontrei.

Numa entrevista recente, você disse que não detalharia seu método de treinos para não entregar o ouro aos adversários. Mas você consegue aplicar isso no São Paulo ou aqui treina igual aos outros 30 jogadores?
– Eu consigo fazer porque os treinos do Dorival têm sido muito bem colocados, aproveitados. Eu tenho feito pouca coisa porque temos treinado bastante, para não exceder. Então, em dias específicos, faço a minha preparação, que eu gosto e estou acostumado.

Pensa em aplicar isso no futuro sendo treinador ou especialista na área, para poder compartilhar essas suas descobertas?
– Eu nunca tinha pensado em ser treinador porque nossa vida é muito corrida e estressante, são viagens e mais viagens. Mas agora comecei a mudar um pouco, justamente por isso. Se eu consegui me treinar para jogar no nível em que eu gostaria, talvez eu dê conta também de treinar outros. Comecei a pensar nisso, mas ainda é cedo. Agora, compartilhar conhecimento com certeza. Tenho a ideia de escrever um livro contando essa busca para encontrar meu caminho.

Um livro baseado numa fórmula ou em experiências que você viveu?
– Baseado na fórmula que explicou a experiência. Havia certos treinos que eu fazia e sentia que eram bons, certos. Mas, em certos times, eu pedia ao preparador físico para me deixar fazer tal treino e ele dizia que não precisava. Depois que encontrei essa fórmula, minha sensação passou a ser apoiada num dado científico, preciso, exato. Se ele não deixasse, eu fazia por minha conta.

Outra coisa que li numa entrevista recente sua foi sobre a motivação de ter começado a cursar Engenharia Civil à distância. Você disse amar construções. Esse time do São Paulo ainda está em construção?
– Com certeza. Porque talvez tenha sido um recorde, mais de 15 jogadores foram embora, mais de 15 chegaram, não tem como as coisas se encaixarem assim. Tem de haver uma construção, montar um alicerce, os pilares, os andares, não podemos querer construir logo a cobertura. Temos de começar pelas coisas básicas, e estou contente por isso, vendo que estamos nesse caminho.

Seu aprendizado na área aponta que essa construção pode resultar numa obra bonita? Em quanto tempo?
– Aprendi que o principal é a matéria-prima. Sem qualidade não dá certo. Acredito que temos uma boa matéria-prima e estamos colocando os alicerces. Eles estão quase prontos. Nesse campeonato ainda vai haver surpresas. Vejo um campeonato muito equilibrado, acredito que nosso elenco dará uma construção bacana. Vejo comprometimento e dedicação de todos.

A faixa de capitão interfere de que forma no seu dia-a-dia no São Paulo?
– Eu sou a mesma pessoa aqui contigo, onde eu estiver. Não mudo meu comportamento. Talvez, a única coisa é que com a faixa eu passei a expressar mais quem eu sou. Quando você faz as coisas corretas, sabe o que está fazendo, que aquilo é proveitoso e vai gerar benefícios, tem coragem e autoridade para dizer às pessoas: “Faz assim porque vai dar certo, esse é o caminho”. Porque você já viveu, já atestou que é daquela maneira. A faixa te dá autoridade para falar: “É assim”. Talvez as pessoas aceitem mais. É como o guarda de trânsito, se ele não estiver de uniforme, vai levantar a mão e ninguém vai parar. São esses detalhes de ter autoridade para expressar ou apontar isso ou aquilo.

Você se transformou rapidamente em capitão, batedor de pênaltis, faltas, escanteios. E a torcida sente segurança em você, assim como os demais jogadores parecem sentir também. Que sentimento isso desperta em você?
– É legal depois que foi executado, mas mentalmente é perigoso quando você se sente confortável. Vai um momento profético para resumir. O ser humano comete dois erros: primeiro quando desconfia de si mesmo, e segundo quando não desconfia mais de si mesmo. Estamos num fio e temos de encontrar esse equilíbrio. A desconfiança não pode existir, mas não pode inexistir. Tenho de saber que estou num nível de concentração, foco e maturidade interessante, mas que ainda assim posso falhar. É preciso sentir o frio na barriga sempre.

O que dá esse equilíbrio?
– Acredito que seja a prática do meu estilo de vida, baseado na Bíblia, nas palavras de Jesus, de fazer a coisa certa e ter a consciência em paz. Quando você está em busca de lutar contra adversidades, contra tudo, precisa de uma referência. A minha são os ensinamentos de Jesus. Isso me dá equilíbrio. Porque eu quero muito, meus objetivos são muito altos, então minha busca é muito alta. As palavras de Jesus são um farol que acende e fala de atitude, de comportamentos que precisamos ter para se chegar aonde quer.

Você já falou sobre ciência e fé, que historicamente foram centros de inúmeros conflitos. Convive naturalmente com as duas vertentes?
– A maioria das pessoas é preconceituosa e superficial, não vai na profundidade das coisas e não consegue encontrar a unicidade das coisas. A ciência é produto da mente humana, tudo foi criado por nós. Nunca deveria ter existido conflito nenhum entre fé e ciência. Uma fé baseada em emoção, sem estudo, não é fé. É superstição. A fé tem de ser estudada, você tem de saber no que acredita.

– Na ciência, o cara tenta encontrar respostas. Por que acontece aquilo? Ele vai estudar, testa, e se aquilo se repetir ele encontrou um fato. Aquilo vai acontecer sempre, ele está convicto. A mesma coisa é a fé. Quando Jesus ensina algo é porque foi testado, verificado na prática e você pode acreditar, foi gerada uma lei. É a mesma maneira de se relacionar, por meio de gerar uma convicção. Depois que você descobre o que precisa fazer para aquele princípio ser atuante na sua vida. O que você plantar vai colher, na vida é assim.

Então sua convicção de que o São Paulo sairá dessa situação e terminará o ano melhor do que está agora vem da ciência e da fé?
– Justamente isso, dos dois lados. Porque estamos fazendo as coisas com profissionalismo, não estamos treinando por treinar. É uma preparação constante dentro e fora do campo, com alimentação, hora de dormir, descanso. Isso é ciência. E quando você planta, se dedica a fazer essas coisas. Jesus falou que quem busca, encontra, quem bate, a porta se abre, quem faz, recebe. Se você tem atitudes corretas, a recompensa vem, o resultado vem.

Falando em alimentação, há alguns anos o Juan, zagueiro que foi seu companheiro na Internazionale, disse que você comia cebola pura para elevar seu potencial. É verdade? E como você cuida de sua alimentação?
– Os três pilares da performance do atleta são alimentação, sono e treino. A alimentação tem papel importantíssimo. Não é que eu comia cebola (risos). Eu comia outros legumes, verduras, mas às vezes não dava para misturar, eu comia sem mais nada. Eu sigo uma alimentação rígida e equilibrada porque dizem, e aí entra a ciência, que o intestino é nosso segundo cérebro. Depois do cérebro, é o órgão que consome mais energia. Então, se funcionar bem, vai ter reflexos.

E o sono?
– Eu sempre tive vontade de acordar cedo, mas nunca conseguia. Acho que o fuso horário da China me ajudou. Estou conseguindo acordar mais cedo e dormir razoavelmente mais cedo. Acho que é a idade chegando (risos). Não consigo mais dormir até onze, meio-dia.

Você sempre fala em metas altas, ambiciosas, e sei que a seleção brasileira faz parte disso. De que forma? Você pensa em voltar a ser convocado, em ser protagonista?
– Sei que a chance é pequena porque desde que o Tite assumiu não me convocou, e a Seleção está muito bem. Mas ainda há alguma chance. Eu não sou feliz com o que fiz na Seleção. Mas minha busca não acabou ainda. Que eu consiga primeiro voltar e depois ter a oportunidade que gostaria. Para conquistar isso vou ter de manter a concentração que estou neste momento. Será uma consequência daquilo que eu conseguir fazer no São Paulo, no resto deste ano. Virá como resultado da minha busca, do meu foco, da minha concentração e da minha capacidade de não deixar nenhuma distração entrar no meu caminho. Não posso permitir porque a chance é pequena.

Hernanes festeja um de seus dois gols marcados sobre o Cruzeiro (Foto: Marcos Ribolli)

Hernanes festeja um de seus dois gols marcados sobre o Cruzeiro (Foto: Marcos Ribolli)

Mas essa busca acaba na Copa de 2018 ou não?
 Eu falo, e quero provar para mim mesmo e para algumas pessoas que não acreditaram, que estou vivendo o melhor momento da minha carreira. Quero demonstrar isso para mim mesmo. Se eu fui (para a Seleção) no passado, não sendo feliz com minhas performances, daqui para frente eu quero viver coisas. Quero ser feliz (risos).

Quando se trabalha em equipe, admiração é algo importante para que as coisas fluam. Você já teve tempo de sentir admiração por esse grupo do São Paulo?
– Começo a ver pontos admiráveis. Em alguns técnicos, em outros de caráter, em outros de iniciativa. Mas ainda tem de se solidificar para podermos dizer que é admirável. Os resultados têm que comprovar. Se mantivermos essa pegada, vou poder pontuar, vamos poder dizer que realmente isso aqui é admirável, depois de ver na prática e no resultado.

Depois de sua estreia, a vitória sobre o Botafogo, você disse que não falava palavrão por que é um profeta. Você já falou alguns nessa má fase do São Paulo?
– Palavrão eu nunca falei. Pode ser que de vez em quando escape um. Acho que quando fiz um gol, me lembro que minha família disse: “Você falou palavrão na hora do gol ali” (risos). Mas não costumo falar.

Já que você é um profeta, posso te pedir algumas profecias?
– Vamos lá.

Sobre Neymar?
– Acredito que ele ganhará o título de melhor do mundo em até três anos. Acredito que ele fez bem em ir para o PSG. Não vou te falar o porquê, mas acredito que sim.

Seleção brasileira?
– A seleção brasileira tem grandes chances de fazer uma ótima Copa do Mundo.

Ah, Hernanes, mas essa profecia poderia valer para qualquer Copa, não? Afinal, é o Brasil.
– Mas aí é que está, esse é o pensamento que atrapalha, o pensamento superficial. Porque foi a seleção brasileira um dia, você sempre acha que vai ser aquilo. A superficialidade na análise das coisas. Não falei isso por ser a seleção brasileira, falo desta Seleção. O Tite tem feito um grande trabalho, ele se preparou para esse momento e tem boa matéria-prima, qualidade.

Seu futuro?
– Quando eu fiz 30 anos, falei que era a fase onde todas as forças psíquicas e físicas estão em seu nível máximo. E me lembrei de Jesus, que começou seu ministério aos 30 anos e, aos 33, ele transformou a história da humanidade. E falei que iria aproveitar esses três anos, não para transformar a história da humanidade porque essa já foi transformada, mas para transformar meu futuro. É nisso que estou trabalhando.

Hernanes voltou ao São Paulo com a missão de evitar o rebaixamento (Foto: Diogo Venturelli)

Hernanes voltou ao São Paulo com a missão de evitar o rebaixamento (Foto: Diogo Venturelli)

 Rogério Ceni?

– Rogério Ceni para mim é um exemplo de profissional e pessoa. De inteligência, leitura, um cara que tem farol próprio, um nível de dedicação e inteligência acima da média. Para mim, foi um cara muito importante, suas palavras sempre me marcaram, por terem sido do Rogério. Um grande atleta, um grande profissional, um mito. O que ele fez não é para qualquer um. É um cara honrável e admirável. Acredito que será um grande treinador. Ele já era antes de assumir, de fazer isso como profissão, pela visão que tinha. Será um grande treinador. Será não, é um grande treinador.

Palmeiras x São Paulo, no domingo?
– (risos) Acho que isso eu não posso falar, não. Tenho que demonstrar na prática. Mas é um clássico e estou motivado para voltar a jogar um clássico. Vai ter surpresas.

Fonte: Globo Esporte

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