Autor de videocurso tático, Ney tenta vencer desconfiança na prática

Em 2000, já campeão de uma série de torneios juvenis pelo Cruzeiro, o professor Ney Franco foi convidado a desenvolver um videocurso, com DVD e apostila, sobre os sistemas táticos 3-5-2 e 4-4-2. É possível encontrá-lo à venda até hoje em alguns sites, mas o agora treinador profissional, que mal lucrou com aquele projeto, não pensa mais nisso. Doze anos depois, o que ele busca é acabar, na prática, com as últimas desconfianças em relação a seu trabalho.

Com três títulos estaduais (mineiro, carioca e paranaense), uma Copa do Brasil pelo Flamengo e duas conquistas pela Seleção Brasileira sub-20 (Sul-americano e Mundial), o mineiro de Vargem Alegre, ex-volante amador e licenciado em Educação Física, vê necessidade de superar novas barreiras. Por isso aceitou o desafio de recolocar o São Paulo, no mínimo, na próxima edição da Copa Libertadores.

 Vídeo: Técnico do São Paulo acredita em vaga com título da Sul-americana

“No futebol brasileiro, vai terminar qualquer tipo de dúvida em relação a mim se minha carreira for coroada com título nacional ou internacional em São Paulo”, diz o treinador, em entrevista exclusiva concedida à Gazeta Esportiva.net antes da vitória de domingo, sobre o Cruzeiro, a qual reaproximou a equipe da zona de classificação para o principal torneio continental.

Sergio Barzaghi/Gazeta Press

Treinador são-paulino quer acabar com dúvidas que ainda existem com relação a seu trabalho no futebol

A vaga na Libertadores pode ser alcançada tanto pelo G-4 do Campeonato Brasileiro quanto com título da Sul-americana. O segundo jeito, por razão óbvia, atrai mais o comandante são-paulino, convicto de que seu time encontrará estabilidade suficiente para seguir vivo nas duas competições até o fim da temporada. Seja no 3-5-2, no 4-4-2 ou em qualquer outro esquema.

 

GE.net: Você está com 46 anos, correto?
Ney Franco: Quarenta e seis.

GE.net: Depois de ser campeão mineiro (no primeiro trabalho como treinador profissional, no Ipatinga, em 2005), conquistou outros títulos, incluindo uma Copa do Brasil pelo Flamengo (em 2006) e uma Série B pelo Coritiba (em 2010). Acredita que, aos 46 anos, já está com o nome consolidado dentro do futebol brasileiro? 
Ney Franco: Como treinador, sim. Já entrei num ciclo em que acho que sempre vou estar empregado. Temos 20 equipes em Série A e 20 equipes em Série B. O mercado está aberto. Tem um longo caminho a ser percorrido para colocar mais títulos no meu currículo. Mas entendo que, pelo pouco tempo de treinador, é muito satisfatório o número de títulos que tenho. Disputei seis competições estaduais, tive três títulos (mineiro, carioca e paranaense) e três vices. Aliado a isso, os títulos de seleção de base também contam muito. Fui campeão mundial e sul-americano. São sete anos como profissional, com um número de títulos interessante. Se continuar nessa projeção, com 20 ou 30 anos de carreira, a projeção é de ter muito mais. Sei que o currículo do treinador se faz dessa forma. Espero continuar nessa caminhada para, a cada temporada, consolidar meu nome e não terem dúvida em relação a mim, porque entendo que até hoje tenham, pelos mercados novos pelos quais eu passo. Meu nome é consolidado no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no Paraná.

GE.net: O que falta para não terem mais dúvida então? 
Ney Franco: Talvez falte uma passagem boa aqui em São Paulo, estou tendo oportunidade agora. Tendo uma carreira vitoriosa também por aqui, ela abrangeria todo território nacional. Já tenho uma semente plantada fora do País, pelas conquistas de base com a Seleção. Meu nome já é conhecido internacionalmente. Tanto que recebo ligações da imprensa de Portugal, Espanha e agora da França para comentar mudanças de treinador ou de jogador para o futebol europeu. Mostra que meu nome, aos poucos, está sendo conhecido. No futebol brasileiro, vai terminar qualquer tipo de dúvida em relação a mim se minha carreira for coroada com título nacional ou internacional em São Paulo.

GE.net: Imagino que tenha chegado ao São Paulo pensando em título já neste ano. Terminar o ano só – “só” entre aspas – com vaga na Libertadores seria um bom começo de trabalho? 
Ney Franco: Com a vaga, sim. Fecharia a temporada bem. Mas acredito ainda no título. A gente tem duas competições. Pegar uma equipe no meio da temporada é mais difícil. Mas acredito muito ainda principalmente na campanha da Sul-americana. Conseguir a vaga via Sul-americana significaria ter título. Se tiver algum imprevisto em termos de conquistas, mas conseguindo colocar o time na Libertadores, a gente fecha o ano bem pelas circunstâncias como o pegamos. Para o planejamento de 2013, vejo a equipe com força maior. Até porque aumenta o leque de competições. Além de Libertadores e Brasileiro, vai ter Copa do Brasil mesmo disputando Libertadores, além do Estadual. Aumenta a possibilidade de ser campeão no ano que vem. Mas ainda acredito muito em título neste ano, principalmente na Sul-americana.

GE.net: Com um eventual tropeço no Brasileiro, o foco vai todo para a Sul-americana (o time joga nesta quarta-feira contra a Liga Deportiva Universitaria de Loja, no Equador, pela ida das oitavas de final)? 
Ney Franco: Acho que a gente tem que viver cada competição. Até o jogo contra o Cruzeiro, o foco é Brasileiro. Depois, a gente já tem que respirar Sul-americana. Temos que ir fortes nas duas competições, porque, até o momento, o calendário tem nos propiciado essa possibilidade. Tem como entrarmos com força máxima na Sul-americana, voltar do Equador e fazer o jogo contra o Coritiba, porque em seguida temos mais uma semana sem jogo. Mas logicamente que estamos mobilizando o grupo para chegar até a final da Sul-americana.

GE.net: Mas e se, em algum momento, perceberem que não dá mais para conseguir a vaga no Brasileiro? 
Ney Franco: Se chegar a um ponto e perceber ‘opa, não tem como’, aí tem que mobilizar na Sul-americana. Mas nossa perspectiva e o nosso planejamento aqui é que a gente disputa o Brasileiro até a última rodada com condição de chegar à Libertadores pelo Brasileiro. E também na Sul-americana. Estamos desenvolvendo projeto para seguir nas duas competições. É esse o pensamento.

GE.net: Então o time vai ter que deslanchar de vez no Brasileiro, porque tem sido instável. 
Ney Franco: Sem dúvida, o desempenho nosso tem que ser melhor do que foi até agora. Mas a quarta equipe não está tão distante da gente. Você estuda casos de algumas equipes que estão procurando objetivos estando oito pontos atrás de determinada equipe. Vejo que, em 13 rodadas, até nove pontos você consegue tirar. Nove, 12 pontos… Esse é o pensamento. A gente já bateu na trave do G-4 em alguns momentos, não tendo competência por várias circunstâncias. Mas não vamos desistir desse sonho. Não é fácil, o campeonato é competitivo. O líder perde para o lanterna… Têm esses nuances, e você tem que saber passar por eles.

GE.net: Você usou três esquemas táticos até agora no São Paulo, corrija-me se eu estiver errado: 4-4-2, 3-5-2 e, contra a Portuguesa, o 4-2-3-1. 
Ney Franco: Usamos muito o 4-2-3-1 antes também. Lembrando que, em alguns momentos, isso é muito mal interpretado. Já teve jogo que comecei no 3-5-2 e terminei num 4-3-3 ou 4-4-2. É um assunto sobre o qual penso muito. Equipes bem treinadas têm suas variações. Vi de perto um jogo do Barcelona, no Camp Nou, em que eles jogaram no 4-3-3 e no 3-5-2, com Daniel Alves batendo lá em cima, com proteção de um terceiro zagueiro. Quando você tem jogadores de qualidade, dá para fazer isso. Em alguns momentos, você muda a forma de jogar de acordo com o adversário ou de acordo com o próprio campo em que está jogando. Gosto de fazer essas mudanças.

GE.net: Você tende a usar mais o 4-2-3-1? 
Ney Franco: Na realidade, a gente tem atuado no 4-3-3, porque usei um volante apenas (Denilson), com Maicon na meia direita, e o Jadson na outra meia. Com esses mesmos jogadores, posso fazer um 4-2-3-1, trazendo o Maicon para trás e deixando o Jadson de meia centralizado, com o Lucas pela direita, e o Osvaldo pela esquerda. Um só jogador muda seu sistema de jogo. A tendência é de, quando jogar em casa, usar o 4-3-3, mas com variação se precisar.

GE.net: No seu site, consta que você tem uma obra de 2000, apostila e vídeo sobre os esquemas 4-4-2 e 3-5-2. Como ela é exatamente? 
Ney Franco: Foi feita na época em que eu era treinador do juvenil do Cruzeiro. Uma empresa fez contato comigo porque achava interessante meu trabalho e queria um material didático sobre os dois sistemas. Foi um trabalho encomendado para que eu explicasse como funcionam os dois sistemas de jogo, como é a disposição dos jogadores dentro de campo. Fiz muito em função não do que penso do futebol ou de como gosto de armar minha equipe, mas em função de como se joga uma equipe nesses sistemas mesmo. Ou seja, como é a disposição com a posse de bola, sem a posse de bola, como marcar com pressão, como trazer a marcação para trás e explorar o contra-ataque…

GE.net: Não significa que, naquela época, você só usasse os dois esquemas, por exemplo. 
Ney Franco: Não. É um trabalho didático sob encomenda.

GE.net: Rendeu uma grana esse trabalho? 
Ney Franco: Não (risos), não rendeu. Na época eu era treinador de juvenil. Talvez, se fosse hoje, poderia até render. Foi um trabalho mais sobre literatura mesmo, uma oportunidade de expor meu trabalho. Fico feliz que, hoje em dia, vou a algumas universidades em que alguns profissionais em início de carreira elogiam esse trabalho, que fala sobre coisas simples do futebol, mais voltado mesmo para quem está começando.

GE.net: Para alguns jogos, você não tem feito coletivos. É mais programação, por falta de tempo, ou por opção sua mesmo? 
Ney Franco: Geralmente, usamos muito trabalho de espaço reduzido, de dois toques. Em alguns momentos, quando tem que fazer ajustes táticos, vou a campo e trabalho o posicionamento. Chamo de coletivo tático. Não gosto de coletivo solto, em que você dá 45 minutos de treino, deixando a bola rolar. Sempre deixo rolar uns cinco minutos, aí paro, defino bola parada, marcação, contra-ataque. Essa é minha forma de trabalhar. Mas o grosso mesmo do meu trabalho é em espaço reduzido, dois toques. Porque aproveito para trabalhar parte técnica também, com finalização. Você cria muitas situações de finalização, da forma como é o jogo. É uma forma que está um pouco acima do que colocar os jogadores em fila, rolar bola para finalizar. Você faz tudo isso dentro de trabalho em campo reduzido, treinando também a marcação.

GE.net: Na Seleção Brasileira sub-20, você convocou jogadores que pertenciam ao São Paulo, como Lucas, Casemiro e Bruno Uvini. Você pensava em aproveitar no clube o Uvini, que foi seu capitão? 
Ney Franco: O Uvini tem um potencial enorme, para mim. Mas, desde o momento em que me sentei pela primeira vez com a diretoria do São Paulo, me foi colocado que era um jogador que já havia sido negociado, que não estava nos planos. Estudamos os nomes da época. Além do Bruno, perguntei pelo Henrique, atacante que tinha acabado de ser emprestado ao Sport. Discutimos sobre todos os jogadores, e desde o início me disseram que ele disputaria a Olimpíada, mas já estava negociado.

GE.net: E quanto ao Casemiro? Ele já está bem fisicamente de novo? 
Ney Franco: Já recuperamos o Casemiro em todos os sentidos, física e mentalmente. Entrou bem nos últimos jogos. Contra o Atlético-MG, nossa equipe mudou um pouquinho a forma de jogar porque teve jogador expulso. No jogo seguinte, contra a Portuguesa, optei por tirar um volante em detrimento de usar três atacantes. Optei por usar o Osvaldo. Mas ele (Casemiro) entrou bem também no segundo tempo. Vai contribuir muito com nosso desempenho no final da competição.

GE.net: Algo que chama atenção é que você saca alguns jogadores após receberem cartão amarelo. Tinha esse costume nos outros clubes? 
Ney Franco: Isso é muito de momento. Já tive muitos jogos que finalizei com jogadores pendurados. Contra a Portuguesa, o Rafael Toloi tomou amarelo muito cedo e ficou até o fim. Teve jogo em que o próprio Denilson tomou cartão cedo. No jogo contra o Atlético-MG, o Maicon tinha acabado de receber um amarelo, a meu ver injusto, e em seguida fez outra falta. O juiz ameaçou dar cartão e percebi que ele estaria fora com outra falta. Já ia colocar o Ademilson no lugar dele. Quando foi expulso nosso lateral direito, coloquei mais um zagueiro para recompor. Já teve casos como do Rodrigo Caio, que jogou pendurado o tempo todo e acabou expulso, contra o Vasco. No jogo seguinte, ficou pendurado e optei por tirá-lo. Acho que foi decisão acertada. Mas já teve muitos momentos que fechei jogo com jogador pendurado.

GE.net: Isso é de agora ou já fazia antes? 
Ney Franco: Não. Já fiz isso em final de Copa do Brasil contra o Vasco, no Maracanã. O Toró havia acabado de tomar amarelo no primeiro tempo, e o árbitro expulsou o Valdir Papel, do Vasco. Percebi que o juiz ia dar outro amarelo. Fiquei com medo da famosa lei da compensação, tirei o Toró e coloquei um atacante, o Obina, que fez um gol depois. Em alguns momentos, vou com o jogador até o final. Em outros, por intuição, você percebe na forma do juiz lidar com aquele jogador, você tem essa presença de espírito de trocar ou não. Contra o Vasco, agora no São Paulo, fiquei em dúvida se tirava o Rodrigo Caio ou não. Não tirei, ele recebeu o segundo cartão amarelo. Se eu tivesse seguido minha intuição, talvez a gente terminasse com um a mais.

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