Eder Jofre celebra ‘redescobrimento’ nos 50 anos do 1º título mundial do Brasil

18 de novembro é um dia de festa para um senhor de 74 anos. Usar o termo “senhor”, porém, é uma heresia para Eder Jofre, um homem que, apesar de cabelos brancos e rugas, não parece aparenta as mais de sete décadas que viveu. Físico impecável e jeito vivaz, alegre, sempre com uma piada na ponta da língua para descontrair o clima. A memória já não é a mesma, mas, quando Eder desata a falar sobre essa data, não faltam histórias. Essas mesmas histórias, aliás, foram sucesso nos anos 1960 e 1970, mas acabaram ficando esquecidas, guardadas de canto. Até agora.

Nesta quinta-feira, o Brasil – ao lado de Eder, claro – comemora 50 anos de seu primeiro título mundial de boxe. Com apenas 1,64 m de altura e pouco mais de 50 kg, o Galo de Ouro comprovou ser um gigante dos ringues ao derrotar o mexicano Eloy Sanchez no sexto assalto, em Los Angeles, nos Estados Unidos. No centro de uma torcida hostil, usou os notáveis punhos para derrubar o rival em menos de 20 minutos de ação, no sexto assalto. “Essa luta foi molezinha”, gosta de se vangloriar. Era o primeiro de oito títulos do Brasil, dois de Eder (este como peso galo e um como peso pena), quatro de Popó, um de Miguel de Oliveira e um de Sertão.

Um feito. Não à toa, 20 mil brasileiros o receberam no aeroporto após a conquista. Festa São Paulo a dentro, até sua casa, no Parque Peruche. No século 21, porém, são poucos os que sabem realmente quem foi Eder Jofre, um dos grandes esportistas das antigas no Brasil, ao lado dos também lendários Emerson Fittipaldi, Maria Esther Bueno e Adhemar Ferreira da Silva.

Para muitos indiscutivelmente o melhor pugilista do país na história, nunca foi visto pela maioria da nova geração de fãs do esporte. Diferentemente dos gols de Pelé, os vídeos de seus feitos não atravessaram o tempo e poucas vezes foram mostrados na TV. Em 1960, o mais comum era ouvir os feitos do herói pelo rádio – ou aguardar pelas exibições no cinema.

“Hoje, quando eu saio na rua, de 500 pessoas umas duas ou três me reconhecem. Mas já fui muito assediado”, conta Eder, que deixava restaurantes pelos fundos para evitar os populares e era presença certa nos jornais da época a cada passo que dava, dos treinos ao casamento com a esposa Cidinha, com quem vive até hoje em São Paulo, em apartamento próximo à avenida Paulista.

“Mas fui muito recompensado, até hoje me conhecem. É pouca gente, mas às vezes ouço: ‘ô campeão!’. Ainda tem gente que vem tirar foto”. Antes mesmo do título mundial Eder já era festejado. Cria da família mais tradicional do boxe brasileiro, era o “novo Zumbano”, filho do técnico Aristides “Kid” Jofre e Angelina Zumbano. Seus passos foram acompanhados desde as primeiras lutas. Em muitas delas, saiu carregado do ginásio com seus nocautes avassaladores.

Eder Jofre admite que os tempos de lutas fazem falta. Ele vive de renda, do aluguel de alguns imóveis. “Do que tenho saudade? Ah, dos tempos em que eu lutava. Dá saudade, sim. É gostoso, envaidece. Se você está fisicamente e tecnicamente bem, é muito bom lutar. Você entra no ringue e não está nem aí com o Zé Mané que vai entrar do outro lado”, conta ele, que derrotou “Zé Manés” 72 vezes na carreira, com quatro empates e apenas duas derrotas, para o japonês Fighting Harada.

É por conta dessas saudades e também para manter a saúde em dia que Eder Jofre não se esquece do pugilismo. Três vezes por semana vai a uma academia próxima de seu prédio. Bate corda, faz alongamento, salta, bate no saco de areia, treina no punching ball… Tudo o que o pai e técnico Kid Jofre ensinou em quase quatro décadas de parceria nos ringues, encerrada só com a morte do pai, de câncer.

“Teria mil palavras para enaltecer meu pai. Ele me passou a competência dele, os ensinamentos e como seu filho eu pude felizmente assimilar tudo e ser bicampeão mundial. Infelizmente ele pegou câncer de tanto fumar”, lembra, emocionado, o Galo de Ouro.

Jofre pode estar “velhinho”, mas manteve a coragem e a ousadia dos tempos de garoto. Recentemente, foi desafiado por um grandalhão de 1,80 m. Resolveu levar o duelo para a academia.

“Eu vim treinar e um cara veio pedir para fazer luva comigo, desafiando. Eu não estava a fim, mas ele veio: ‘pô meu, vamos fazer aí’. Só faltou ele dizer que ia bater devagar”, conta, com cara de desdém “Então eu falei, ‘vamo lá’. O cara era maior que eu, mais pesado… Mas não sabia mais que eu (risos). No segundo round ele desistiu, eu quebrei ele. Dei umas pancadas no fígado, umas bordoadas na cara, um upper no nariz (risos). Bater em mim? Eu sou bicampeão mundial de boxe!”.

O reconhecimento ainda é um problema no Brasil, mas Eder não lamenta. Usa o aniversário do título para relembrar as histórias, reavivar a memória dos brasileiros que o conheceram e levar suas conquistas aos novos fãs do esporte.

“As pessoas que não conhecem vão ficar conhecendo por causa de vocês. Porque hoje me deram oportunidade de falar, contar minha história. Agradeço por poder falar quem eu fui, o que eu fiz”, diz, com simplicidade digna de poucos campeões. “É gratificante. Valeu a pena todo o sacrifício, toda pancada que levamos, todo supercílio que ficou aberto.”

Fittipaldi foi testemunha; Popó só ouviu falar
Quem falou sobre o tema nos últimos dias, ilustrando bem a situação dos ídolos nacionais que acabam desconhecidos do novo público foi Emerson Fittipaldi. Durante uma entrevista coletiva do evento em que pilotou sua antiga Lotus, ele lembrou do pugilista.

“Há dois anos fui ao aniversário do Michael Jackson e, conversando com Mike Tyson, ele me contou ter todos os vídeos do nosso maior pugilista. Quando pensei que ele se referia a Popó, ele disse: Eder Jofre”, contou Emerson.

Já Popó, tetracampeão mundial como peso superpena e também na categoria leve, é só elogios ao ídolo, mesmo nunca tendo visto suas lutas.

“Não fui do tempo dele, mas pelas histórias que sempre ouvi sei que foi um grande lutador, um grande campeão. Tenho uma luva autografada até hoje e para mim foi uma emoção muito grande estar ao lado do maior ídolo do boxe brasileiro”, disse o baiano.

A luta do título
Eder Jofre fez sua mais importante luta em frente de um mar de mexicanos. “Sanchez vai te derrubar. Ele vai te nocautear”, gritava a torcida no Olympic Auditorium, em Los Angeles, nos Estados Unidos, naquele 18 de novembro de 1960.

Após vencer Joe Medel em uma eliminatória para o título, Eder enfrentaria o campeão Joe Becerra, lutador de qualidades notáveis. A luta, porém, nunca saiu do papel. Eloy Sanchez nocauteou o então campeão em uma luta que nem valia título, no oitavo assalto. Foi humilhante demais para o campeão, que se aposentou e deu a chance ao rival de lutar pelo cinturão.

A National Boxing Association – entidade dos EUA -, resolveu colocar Eder e Sanchez para se enfrentarem pelo título. O brasileiro chegou com cartel muito superior: 34 vitórias e três empates, contra 25 triunfos e 12 reveses do mexicano.

A superioridade de Jofre foi maior do que a lavada no público: 500 brasileiros contra dez mil mexicanos. Henrique Matteucci, na biografia “O Galo de Ouro”, descreve o sexto e definitivo assalto, depois de Eder ter levado alguns bons golpes do rival:

“Foi quando Eder inclinou ligeiramente o corpo e atirou um gancho de esquerda no fígado, seguido por um cruzado de direita na mandíbula. Eloy caiu de bruços, definitivamente batido, e Eder afastou-se para esperar a contagem.”

O público contou em coro com o árbitro até dez: era a coroação de uma carreira construída com louvor por Kid Jofre, pai e técnico de Eder, que soube aliar seu talento para ensinar com a vocação do filho para bater.

Pai, mãe e a noiva Cidinha sofreram para parabenizar o novo astro dentro do ringue, já invadido por uma multidão, que o carregava. Mesmo os mexicanos se renderam ao brasileiro. Até hoje ele é considerado por muitos o melhor peso galo da história.

De volta ao Brasil, dois dias depois, Eder foi recebido por 20 mil pessoas no aeroporto. No total, cerca de 100 mil o parabenizaram nas ruas, no caminho de seis quilômetros até sua casa, distância percorrida em carro do Corpo de Bombeiros. A recepção só foi inferior à da seleção brasileira de futebol, campeã da Copa de 1958.

Neste caminho, muitos se surpreenderam, questionando se era possível um campeão mundial de boxe ser tão pequenino, com 1,64 m, e podendo pesar apenas 53,525 kg. Mas ficaria comprovado mais uma vez, com a unificação dos títulos dos galos e mais um título mundial, como peso pena, que naquele corpo diminuto havia um enorme campeão verde-amarelo.

Do Uol

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