Nelson Rodrigues inspira São Paulo de Osorio no Maracanã

A inspiração de Juan Carlos Osorio para levar o São Paulo à vitoria contra o Flamengo, às 16h, no Maracanã, vem de um 23 de agosto como este domingo. É a data de nascimento de Nelson Rodrigues, consagrado autor que completaria 103 anos se estivesse vivo – morreu em 1980. Há pouco mais de dois meses no Brasil, o técnico colombiano ainda tenta entender a cultura e o povo locais, de onde surgiu o interesse pelo autor de “A vida como ela é”.

Juan Carlos Osorio passou a tomar nota de Nelson ao saber que o escritor desnudou como poucos a essência do cidadão brasileiro, além de sua vasta produção sobre futebol. O técnico tem procurado uma edição de “A Pátria em chuteiras“, coletânea de crônicas rodrigueanas sobre o esporte, objeto de graúdo valor.

Em uma rápida pesquisa  na internet nos sites das principais livrarias de São Paulo, o resultado mostra que o livro está esgotado. Mas a mesma internet é rica de conteúdo sobre o “Anjo Pornográfico“, título da biografia do autor escrita pelo jornalista e flamenguista Ruy Castro.

As dificuldades de Osorio em seu início de trabalho no Brasil vão além dos resultados, passam pela comunicação e o entendimento de quem joga bola para montar seu escrete, para usar um termo rodrigueano.

O treinador recebeu críticas após os dois últimos jogos, derrota de 3 a 0 para o Goiás e 2 a 1 para o Ceará. Sem abrir mão de suas convicções, como a aplicação do rodízio, tenta vencer o jogo hoje para evitar que o torcedor do São Paulo passe a viver uma espécie de complexo de vira-lata.

O termo foi criado e consagrado por Nelson Rodrigues, para falar do trauma da perda da Copa do Mundo de 1950, e se estende além do futebol. No mesmo Maracanã da tragédia, é inspiração para o Tricolor crescer para cima do Flamengo.

“Por complexo de vira-lata entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”, disse Nelson, para explicar sua criação.

Osorio pode não ter lido o autor ainda, mas já tocou na mesma questão para motivar os jogadores.

– Falei para eles: se jogarmos como cada um pode, temos possibilidade contra qualquer time. Mas se não assumirmos o jogo com responsabilidade, comprometimento, fica muito difícil – disse o técnico, em entrevista coletiva recentemente.

Osorio parece bom aluno. Ficará ainda melhor se voltar com a vitória, que certamente deixaria Nelson Rodrigues feliz. Afinal, o escritor era torcedor fanático do Fluminense.

VIDA E OBRA DE NELSON RODRIGUES

Nelson Falcão Rodrigues foi o quinto filho de uma família de catorze. Os Rodrigues mudaram-se para o Rio de Janeiro quando Nelson tinha três anos e foi lá que ele tornou-se um dos maiores nomes da dramaturgia e literatura brasileira. Iniciou a carreira jornalística com 13 anos, no jornal do pai, “A Manhã”. Mário Filho, um de seus irmãos, foi um ícone do jornalismo esportivo, e dá nome ao Maracanã. Suas obras, literárias ou teatrais, ganharam várias adaptações para o cinema ou televisão. Sexo, traição, vingança e morte são alguns dos temas que permeiam suas criações. O maior símbolo de toda essa inspiração artística talvez esteja em “A vida como ela é“, em que o autor se debruça sobre o universo passional do ser humano, com observações colhidas no cotidiano carioca. Se auto-intitulava um reacionário, mesmo que seus textos tivessem forte cunho social, e passou a vida batendo forte no comunismo. Escreveu “A pátria emCHUTEIRAS“, coletânea de crônicas esportivas, escritas entre as décadas de 1950 e 70. Começa com Nelson contando como o brasileiro superou o complexo de vira-latas. Morreu no dia 21 de dezembro de 1980, após ser operado três vezes por conta de um aneurisma na aorta. Sua saúde sempre foi debilitada.

TRECHOS DO LIVRO “A PÁTRIA EMCHUTEIRAS

“Eu sei que o brasileiro e o Satã têm algo em comum. Como se sabe, o abominável Pai da Mentira é um impotente do sentimento. Não há, em toda sua biografia, um único e escasso momento de ternura”, Trecho da crônica “o escrete precisa de amor”.

“A História informa que o cinismo é próprio dos grandes povos. A vitória inglesa foi, assim, um crime quase perfeito. Digo “quase“, porque teve o defeito do descaro.”, Trecho da crônica “A cara da derrota”, em que Nelson acusa a Inglaterra de ter vencido a Copa de 1966, em casa, por meios ilícitos

“Eis o mistério do escrete e do Brasil. O time ou o país que tem um Mané é imbatível. Hoje, sabemos que o problema de cada um de nós é ser ou não ser Garrincha. Deslumbrante país seria este, maior que a Rússia, maior que os Estados Unidos, se fôssemos 75 milhões de Garrinchas”, Trecho da crônica “Garrincha, passarinho apedrejado“, exaltando o Mané após ele arrebentar na Copa de 1962, no Chile

“O que nós chamamos de realiza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: – a de se sentir rei, da cabeça aos pés”, trecho da crônica “A realeza de Pelé”, exigindo o Rei como titular na Copa de 1958

Fonte: Lance

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