Herói do tri, Mineiro dispensa idolatria e constrói vida na Alemanha

O autor de um dos gols mais importantes da história do São Paulo Futebol Clube atende pelo nome de Carlos Luciano da Silva. Gaúcho de Porto Alegre no documento, Mineiro no futebol, o herói do tricampeonato mundial tricolor hoje vive feliz com sua família na Alemanha, longe de qualquer badalação, três anos depois de pendurar as chuteiras.

“Se eu não fizesse aquele gol, talvez nem lembrassem de mim”, brincou o ex-volante em contato por telefone com a Gazeta Esportiva. “Tive o privilégio, fui abençoado de fazer o gol. Foi um grande marco na minha carreira e na história do São Paulo”, continuou.

Mineiro mudou-se para a Alemanha depois de dois anos no Tricolor, onde, além de marcar o gol da vitória por 1 a 0 sobre o Liverpool no Mundial de 2005, conquistou a Libertadores e o Paulista daquele mesmo ano, e o Brasileiro de 2006. Vivendo o auge da carreira, o jogador rumou para o Hertha Berlin, da Alemanha. E, depois de uma breve passagem pelo Chelsea, voltou para o país germânico, de onde nunca mais saiu.

“Passando a primeira fase de adaptação ao clima, pudemos parar para pensar e ver que, apesar de tudo, (a Alemanha) era um país interessante, que oferecia muitas oportunidades para a família. A adaptação dos filhos foi rápida, e então decidimos esperar um pouco até que, hoje, estamos vivendo um momento muito bom, de estabilidade”, falou Mineiro.

O pequeno gigante de 1,69m também revelou que o tamanho quase barrou seu sonho de tornar-se profissional na época das categorias de base. “Não me aceitaram na base do Inter de Porto Alegre, diziam que eu não tinha altura para ser jogador profissional. Foi muito difícil eu conseguir assinar um contrato profissional”, disse o herói do tri, que teve sua primeira oportunidade da carreira no Rio Branco, de Americana (SP).

Depois de duas temporadas jogando apenas por “diversão” e com um salário simbólico de 2 mil euros mensais (o equivalente a R$ 4,8 mil na cotação de 2011) no TuS Koblenz, da quarta divisão local, o volante decidiu encerrar de vez a carreira em 2012, aos 37 anos. “Poucos clubes teriam interesse no meu futebol, então vi que era a hora de cuidar da família e construir uma estabilidade para poder ficar por aqui”, conta.

Em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva, Mineiro fala sobre o Mundial, o início de carreira, a vida na Alemanha e muito mais. Confira!

Gazeta Esportiva: Afinal, por que o apelido Mineiro?
Mineiro: Meu irmão jogou nas categorias de base do Internacional e havia um jogador no profissional chamado Cláudio Mineiro lateral esquerdo. E o pessoal começou a chamar meu irmão de Cláudio Mineiro, de brincadeira, já que eles eram parecidos. E quando eu entrei na base do Inter o pessoal começou a me chamar de Mineirinho. O apelido acabou pegando e ficou como meu nome do futebol.

GE: Você passou dificuldades no início de carreira aqui no Brasil?
Mineiro: No início de carreira, a grande dificuldade foi a parte de se profissionalizar. O pessoal achava, principalmente no Sul, na base do Internacional, que eu era muito baixo para me tornar atleta profissional. Até assinar meu primeiro contrato profissional com o Rio Branco de Americana, foram muitas dificuldades, muitas portas que se fecharam. Mas depois do Rio Branco, tive um processo diferente da maioria dos atletas de alto nível, que quando despontam com 18 ou 20 anos já têm a oportunidade de sair para a Europa, ou para um time grande. Eu despontei um pouco tarde, com 28 ou 29 anos, quando saí do São Caetano para o São Paulo. Foi o auge da minha carreira no Brasil, e daí para a frente eu fiquei mais conhecido no cenário do futebol.

GE: Quais são suas principais lembranças do tri Mundial?
Mineiro: Enquanto eu estava no Brasil, não tinha a verdadeira dimensão do que representava um Mundial. Mas hoje, vivendo aqui fora, vendo como é o investimento dos clubes, as estruturas, você tem uma noção maior do quanto representa. Acredito que éramos uma equipe forte, competitiva, mas não éramos tão badalados como o Liverpool naquela época. Éramos um time criticado, mas focado naquilo que queríamos, aguerrido. Era um time de mais garra que técnica. E conseguimos grandes conquistas naquele espaço de tempo que estivemos no São Paulo.

GE: Como autor de um dos gols mais importantes da história do São Paulo, você se sente pouco valorizado pelo clube?
Mineiro: Eu particularmente não penso dessa forma. Naquela altura, o gol foi logicamente importante e marcante, mas não vejo meu mérito maior do que o dos atletas que estavam em campo. Tive o privilégio, fui abençoado de fazer o gol. Tenho total consciência de que, se eu não fizesse aquele gol, talvez as pessoas nem lembrassem de mim hoje. Então foi um grande marco na minha carreira e na história do São Paulo, mas os méritos são divididos com todo o grupo. Se qualquer outro marcasse o gol, teria esse mesmo pensamento.

GE: Aquela dupla sua com o Josué ficou bastante marcada como a alma daquele time de 2005. Ele foi o melhor parceiro da sua carreira?
Mineiro: Tive muitos companheiros, mas com o Josué foi diferente, tivemos a oportunidade de jogar num momento muito importante da história do São Paulo. Construímos algo meio diferente das características do clube, que sempre foi mais técnico. A gente conseguiu, com as nossas características, ajudar o São Paulo a ser um time mais operário, mais trabalhador. E com esse tipo de jogo ajudamos a construir algo novo no São Paulo. O Josué foi um dos melhores companheiros que eu tive, e justamente pelo que a gente viveu dentro do São Paulo.

GE: Vocês continuaram a amizade depois desse período?
Mineiro: A gente tinha bastante contato enquanto o Josué jogou aqui na Alemanha, no Wolfsburg. Depois que ele voltou para o Brasil, acabamos perdendo um pouco o contato, mas sempre que posso procuro acompanhar o trabalho dele.

GE: Você continua acompanhando o São Paulo, fica por dentro das notícias?
Mineiro: Um pouco mais superficialmente. No dia a dia aqui estou sempre colhendo informações, vendo como está o andamento das coisas e acompanhando o máximo que eu posso.

GE: Hoje, o São Paulo vive um período de crise política. Na época que você atuou, como era a questão política?
Mineiro: Não posso falar com propriedade sobre isso, porque não acompanho de perto, então seria injusto da minha parte. Mas na época que joguei no São Paulo, sempre surgiam polêmicas, mas eram filtradas de maneira diferente. Talvez não chegassem com tanta força à imprensa. As informações eram mais trabalhadas. Mas não tem como comparar as administrações.

GE: Como foi a decisão de se mudar pra Alemanha?
Mineiro: A princípio, recebi a oferta de vir para a Alemanha, estava no São Paulo ainda. Fiquei até um pouco resistente, ainda não tinha tido uma experiência internacional. Mas talvez aquela fosse minha última oportunidade de jogar no exterior. E decidi apostar nisso, apesar de tudo, das portas abertas que tínhamos no Brasil. Os primeiros meses foram muito difíceis, até pensamos em retornar ao Brasil.

Mas passando essa primeira fase de adaptação ao clima e tudo o mais, a gente pôde pegar algumas coisas e ver que, apesar de tudo, era um país interessante, que oferecia muitas oportunidades para a família. A adaptação dos nossos filhos foi muito rápida, então a gente decidiu esperar mais um pouco e hoje estamos vivendo um momento muito legal em termos de família na Alemanha.

GE: Quais são suas atividades?
Mineiro: “Estou sempre envolvido com esporte. Tenho uma empresa que presta serviço aos atletas que vêm para cá. Damos suporte a eles para entenderem como funciona, ajudamos nos primeiros passos, de encontrar casa, escola para os filhos, como adaptar a família. É uma empresa que faz trabalho de auxílio para que os atletas possam focar em seu trabalho dentro de campo”

GE: Como foi o momento de parar de jogar?
Mineiro: Depois do Schalke, em 2010, eu já sabia que o mercado da Europa é um pouco diferente, ainda mais porque eu vim meio tarde. Eu também nunca tinha trabalhado nenhum marketing ou lobby em cima do nome do atleta Mineiro. Mas foi uma boa experiência, poucos clubes tinham interesse em me contratar com idade avançada, então decidi que era hora de cuidar da família e olhar para o futuro, se eu realmente quisesse ficar na Alemanha. Entre 2011 e 2015, pude organizar minhas coisas para ter estabilidade e ficar.

GE: E o idioma, já está fluente?
Mineiro: Meus filhos falam mais alemão do que português. Eu e minha esposa tivemos um pouco de dificuldade, é um idioma muito diferente daquele que estamos acostumados. O inglês, que eu achei que nunca ia conseguir falar, é o que eu mais uso aqui. Mas a gente tem um alemão suficiente para resolver as coisas pessoais e mais básicas para poder sobreviver.

GE: Você, que acompanhou de perto a evolução do futebol alemão, esperava o título mundial em 2014?
Mineiro: Na verdade, não é nenhuma surpresa. O trabalho que eles fazem, toda a estrutura que eles apresentam para os atletas, coroam um trabalho fenomenal, que no mínimo é digno de ser copiado. Então, era questão de tempo que desse certo. Há um trabalho de alto nível, de formação de jogadores. Foi algo planejado, que eles trabalharam. E eles são bem competentes e disciplinados naquilo que eles querem alcançar.

GE: Como foi o dia do 7 a 1 para você?
Mineiro: Eu estava no Brasil, mas não assisti ao jogo, estava no voo de Recife para Porto Alegre. O pessoal de bordo que passava para a gente o que acontecia no jogo. A reação era estranha, achávamos que estavam brincando com a gente. Toda hora alguém passava falando: ‘um a zero, dois a zero, três a zero’. Só fomos confirmar que era verdade aquilo quando aterrissamos em Porto Alegre.

GE: E as brincadeiras dos alemães?
Mineiro: Os alemães ficam até um pouco constrangidos de brincar, de modo geral, nem eles acreditam muitas vezes. Eles são bem cautelosos na hora de brincar, a não ser que você dê muita liberdade, mas normalmente, sem ter um motivo, eles não tocam no assunto.

 

Fonte: Gazeta Esportiva

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