‘Em certo momento eu me senti fritado’, diz ex-gerente de futebol

“Em guerra que não faz sentido, a gente fraqueja”. Foi com a discrição que marcou sua trajetória no São Paulo que Gustavo Vieira de Oliveira pôs fim à sua passagem como gerente executivo de futebol do São Paulo. Coincidência ou não, tão logo ele saiu e o elenco começou a ser desmanchado pela diretoria sob a alegação de crise financeira.

Considerado um dos maiores (e únicos) acertos da última gestão de Juvenal Juvêncio, Gustavo demorou pouco mais de três meses para romper o silêncio e, em entrevista ao LANCE!, admitir que tinha conhecimento do processo de fritura interno que sofria apesar de contar com o apoio irrestrito do vice de futebol, Ataíde Gil Guerreiro, que o considerava seu braço direito na condução do departamento.

– É natural que algumas pessoas gostem mais ou menos, ou até não gostem do seu trabalho. O problema é quando isso se dá de forma desleal – afirmou o dirigente, que recebeu uma série de convites para assumir outros clubes e agora se prepara para voltar ao mercado, o que pode inclusive levá-lo à Europa.

Na entrevista abaixo, Gustavo também fala sobre o fato do São Paulo ter se tornado exposto demais, diz que não se arrepende de ter mantido certa distância dos microfones e torce por uma maior profissionalização no esporte, algo que parece muito longe dada à forma como ele mesmo precisou interromper seu trabalho.

LANCE!: Por que você saiu exatamente? E o São Paulo já saiu de você?
Gustavo Vieira de Oliveira:
O São Paulo talvez nunca vá sair de mim. São pessoas, histórias de vida. Experiências valiosíssimas, que carrego pra sempre. A saída se deu por mudança de rota, estratégica, o discurso pouco palpável, e depois se colocou exatamente o que eu quis colocar na saída. Foi por não acreditar, e você tem que acreditar.

O que foi passado a você?
Que haveria limitação de autonomia. O desdobramento disso não faria sentido, diante de características pessoais, métodos de trabalho, algumas coisas de valores que ficaram claro o que representaria.

Seria limitado a quê?
Não foi colocado, mas quando se faz com lealdade, com cumplicidade e propósitos semelhantes, você é pressionado de lado a lado, mas acaba chegando em algum lugar.

No futebol isso é chamado de fritura. Foi isso que aconteceu?
É natural que algumas pessoas gostem mais ou menos, ou até não gostem do seu trabalho. O problema é quando isso se dá de forma desleal. Se isso chama-se fritura, em algum momento fui, sim. Me senti um pouco (fritado), mas para quem está no futebol é parte do jogo. A estrutura de clube no Brasil permite muitas visões e interesses antagônicos no trabalho, cria um ambiente muito politizado, não vertical de competência.

Um dos argumentos para sua saída foi que você não tinha o controle do vestiário, mas muitos jogadores saíram em sua defesa. Como relaciona isso?
Equipe de futebol depende de algumas atividades. Além de ter relação com os atletas, eu me propunha e acho que com qualidade, tomar decisões estratégicas. É de comunicação, mudar elenco, de mercado, base. O comando exige certo distanciamento, para você tirá-lo da zona do conforto. Se você é amigo, janta com atleta, trocando figurinhas, qual é a legitimidade que se tem disso. Ter a voz de comando pressupõe uma certa relação que não é de amizade.

A figura que circula ajuda ou atrapalha?
Faz parte, tem que ter essa figura, e não era eu. Estava numa figura estratégica, perfil de contratação, de técnico, chamar responsabilidade, tirar da zona de conforto. E apesar disso, eu ainda tinha relação com os atletas, fazia reuniões semanais, pelo menos uma vez por mês todos conversavam comigo.

Até que ponto ter sido contratado pelo Juvenal colaborou na sua fritura?
Não sei dizer. Não mesmo. Agora se foi por isso é uma coisa tão pequena. A postura do Gustavo como gerente foi defender os interesses da instituição. Meus atos eram sustentados de ponto de vista estratégico. A alta gestão sempre participava. Não excluo essa possibilidade. Se essas decisões foram tomadas com esses valores, acho que não são os mais adequados.

Quando eles (Aidar e Juvenal) romperam, Aidar mudou a forma de lidar com você?
O tratamento pessoal, não. Você tem leituras pessoais e algumas informações. Mas acho que não.

Como foi nestas duas janelas a discussão sobre orçamento para contratações. Até para entendermos a situação econômica do clube?
Uma iniciativa interessante de 2014 foi formatar o orçamento para 2015. Esse orçamento é organizado pela diretoria financeira do clube e a gente dá nossa opinião, recursos para trazer atletas, pagamento de salário. E depois volta com as orientações da diretoria, do presidente. E no São Paulo a gente sempre preservou o orçamento, dos gastos, e o que estava para receber, planejando, também foi preservado. O volume de interesses foi preparado por mim, lógico que depois foram decididos, preparava e depois tomavas decisões econômicas.

O que estava previsto? Teriam que vender jogadores?
O número eu não lembro. Estava definido. É um processo natural. Nenhum clube brasileiro trabalha com receitas ordinárias zeradas. Aí você vê a forma que você vai fazer, se tomadas de ponto de vista mais estratégico, ou fatiada. Aí é decisão de execução.

Tinha que vender alguém bem para não comprometer?
A gente tinha um campeonato principal que era a Libertadores. Então, antecipamos os investimentos para janeiro, a janela principal, e postergamos as saídas para o meio do ano. Isso já estava previsto. Quantos sairiam dependia do mercado.

Algum momento você sentiu que estava tirando dinheiro de onde não tinha?
Não. Os investimentos que fizemos foram a grande maioria com zero investimento. A janela de janeiro de 2014, foram cinco atletas (Pabon, Alvaro Pereira, Luis Ricardo, Souza e Pato) sem tirar dinheiro do caixa. Até salário sem tirar muito. Só o Luis Ricardo foi mais baixo. No meio do ano veio Alan Kardec, esse sim com investimento. Depois Kaká e Michel Bastos, sem qualquer investimento. E na virada do ano a gente teve aumento de receita de Libertadores e se permitiu fazer algum investimento. Thiago Mendes, Bruno, Carlinhos, alguns com os contratos rescindidos.

A situação financeira do São Paulo hoje surpreende?
Difícil, porque no futebol a gente não tem informação do todo. Agora, tenho a nítida impressão que a longo do tempo, você tem que administrar seus investimentos, isso não cabia ao futebol. Nós recebemos a informação de quando tínhamos disponível e, a partir daí, nos virávamos com aquilo.

Qual foi a sua participação na escolha do Osorio?
Foi um processo um pouco conturbado. Muito exposto, foi quase um big-brother, e não é correto. O diagnóstico que eu tinha, que fizemos, a gente tem atletas e um corpo técnico muito preparados para receber um treinador, alguém com uma liderança humana muito predominante. E ao longo do caminho fomos encontrado nomes, depois que se consolidou o Osorio, conversei com ele algumas vezes, e isso ficou muito presente essas características.

O São Paulo virou um clube muito aberto?
Tenho convicção de que sim. Comunicação pública é uma ferramenta de gestão importante no futebol, você pauta expectativas internas, trabalha com o torcedor. O São Paulo perdeu um pouco o controle disso, existem muitos interlocutores para muitos assuntos.

Qual o perfil do elenco do São Paulo? O elogiado do ano passado ou o desse ano, de muitos problemas?
Para administrar um grupo de atletas, a gente tem que entender os egos, o talento, que entra em campo e os projetos individuais. É isso no futebol. Administrar o futebol é criar um encanto, magia coletiva, que dê sentido único aos objetos pessoais. Quando você não dá isso em campo, ao grupo, isso propicia que algumas insatisfações individualistas. Antes disso, eles querem ser campeões, competitivos. Se você consegue dar esse rumo competitivo, aí vira uma maravilha. Projetos individuais é o cara que quer ir para a Europa, sustentar a família. Todos eles têm.

Muricy reclamou publicamente da diretoria algumas vezes. Ele também foi fritado?
Aí é perspectiva pessoal. Com certeza ele tinha elementos que o levavam a essa leitura. Ele é muito transparente. Era uma conversa frequente nossa. E a gente tinha muito essa percepção. Quem manda não fofoca. Se fofoca é porque está sem comando. Quando você dá margem para que as pessoas fiquem pensando da alta cúpula, há uma má condução.

De quem o Muricy reclamava?
Isso era uma conversa privada. Conversa nossa… (risos)

Fica uma frustração pela forma como você deixou o clube?
Tem a interrupção do trabalho; tinha plena convicção de que seríamos campeão em 2016. Havia muitas condições de ser campeão agora, o início do campeonato foi muito claro. Teve essa frustração de não conseguir um título, mas também muito orgulho de ter construído coisas que não seja muito visíveis. Estratégias, métodos de trabalho. Tenho certeza de que se não fosse interrompido, teríamos título.

Como você se define como dirigente esportivo?
Primeiro, o profissional tem de ser leal, com os atletas e os demais. Tem de ter estratégia, visão, saber para onde caminhar e trabalhar sempre pra instituição, sem instituição forte não se faz nada no país. Não consigo olhar meu lado individual, e não consigo aceitar que as pessoas olhem seu lado pessoal em detrimento da instituição. Ou estou com esses valores pessoais, ou não estou. Se o futebol for preparado para receber tais características, tenho maior prazer.

Tem recebido convites?
Estou feliz com a resposta que tenho recebido. Tive mais de um convite, de clubes importantes, talvez num momento em que ainda precise descansar um pouco e porque tem coisas sendo amadurecidas fora do país, Europa. Estou feliz por isso.

Você teve pouco contato com a torcida, o que pode dizer sobre seu trabalho para ela?
Temos a cultura no Brasil de quem faz é quem dá entrevista. A minha proposição ao São Paulo, na gestão anterior e nessa, era que eu trabalho, entrego os resultados. E gerir egos é também gerir dos meus superiores. Esse era o combinado, eu falava ‘vocês dão entrevistas e me deixam trabalhar para que todos tenham coisas boas a dizer’. E foi isso, houve trabalho, com paixão, dedicação e muito carinho. Por mais que não tenham percebido isso pela imprensa, com certeza perceberam de forma indireta depois.

Não se arrepende de ter adotado essa postura?
Do lado pessoal, talvez tenha faltado falar um pouco mais. Mas meus valores são assim. Quando entrei, falei que ia dar entrevista depois do resultado. No futebol você já lida com muitos personagens. Não me arrependo, foi a proposta que fiz. E eu tinha pessoas que defendiam o trabalho. O São Paulo estava defendido por essas pessoas. Se elas não fizessem, faria eu.

Por fim: quem se deu melhor na troca entre Pato e Jadson?
Acho que o negócio, por si só, foi um fato futebolístico interessantíssimo. Ter conseguido São Paulo e Corinthians conversarem, jogadores que eram seleção. Muito no futebol se faz com receio do negativo. Para mim é claro que o futebol premia quem é ousado, é conseguir a recompensa por ir além. Acredito que os dois jogadores ganharam. Para os quatro lados.

Fonte: Lance

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