Sócio Torcedor e os ingressos para a final da Copa do Brasil.

Esta semana muito se falou sobre o desafio de se comprar ingressos para a partida final da Copa do Brasil, que será jogada no Morumbi no próximo dia 24 de setembro.

Em poucos minutos após a abertura das vendas pelo sistema on-line da empresa Total Acesso, as entradas se esgotaram. Mesmo Sócios Torcedores assinantes do Plano Diamante, o de maior prioridade, fracassaram na tentativa de compra. A reclamação geral recaiu sobre a empresa que executa a venda dos ingressos, mas a causa básica do problema é um programa de Sócio Torcedor muito mal estruturado. Nos parágrafos a seguir vamos detalhar a análise.

Figura 1- Sócios Torcedores do SPFC, às 12h19min do dia 11/09/2023

Quando comecei a escrever e coletei as informações para este artigo, às 12h19min do dia 11 de setembro de 2023, o programa Sócio Torcedor tinha exatos 63.660 membros. Este artigo está baseado nos dados oficiais disponibilizados pelo SPFC naquela data e horário.

Em meu artigo abordando as receitas do São Paulo Futebol Clube, preparado na segunda semana de junho deste ano, eu registrei que o SPFC possuía naquele momento um total de 36.494 Sócios Torcedores. O efeito imediato da presença na semifinal contra o Corinthians e a classificação para as finais da Copa do Brasil foi, portanto, um crescimento de 27.166 associados ao programa (incremento de 74% no número de associados). Grande parte desses novos associados optou pelo Plano Diamante, o mais caro, mas que assegura a maior antecedência na compra de ingressos.

Os associados do Plano Diamante pagam uma mensalidade de R$ 199,99 e, por esse valor, tem direito à prioridade 1 na compra de ingressos, podem adquirir um bilhete para praticamente qualquer setor do estádio pelo preço simbólico de R$ 0,30 (trinta centavos) e tem a opção ainda de comprar até 4 entradas para convidados pagando o preço cheio de bilheteria, sem descontos.

Aqui vemos dois problemas graves do programa, o primeiro, sem dúvida, é o fato do único critério para definição de prioridade de compra ser o valor da mensalidade paga. Um programa de sócio torcedor tem, mais do que o objetivo imediato de gerar receita pelas mensalidades, que servir como catalizador na fidelização de seus consumidores (torcedores). Os planos mais caros trazem receita imediata para o Clube, mas os mais populares permitem o acesso de uma parcela muito maior da população. Associados dos planos Vermelho, Branco e Preto, mais básicos, deveriam ter retribuído o seu esforço em contribuir, às vezes por anos e com elevada frequência no Morumbi, com a possibilidade de comprar ingressos nos jogos de maior interesse.

Não existe uma única fórmula correta para valorizar o torcedor (cliente) que comparece com assiduidade e há muito tempo para apoiar o time. Nossos rivais da capital adotam soluções muito diferentes, mas em ambos os casos privilegiam a presença no estádio como principal critério para definir a prioridade de compra. O “Fiel Torcedor”, do SC Corinthians Paulista, adota um sistema de pontuação que considera todo o histórico de ingressos comprados pelo associado. Já o “Avanti”, da SE Palmeiras, estabelece um ranking de estrelas diretamente proporcional à presença do sócio nos últimos 10 jogos de mando da equipe. Um ponto muito interessante do plano Palmeirense é que quando o sócio compra o ingresso mas não comparece é penalizado. A presença tem peso decisivo na prioridade em ambos os casos.

Raio-X da distribuição dos Sócios Torcedores do SPFC por tipo de plano:

Figura 2 – Sócios Torcedores por tipo de plano assinado (11/09/2023 às 12h19min)

No programa Sócio Torcedor do São Paulo Futebol Clube, a prioridade exclusivamente atrelada ao valor da mensalidade turbinou de forma artificial o número de associados do Plano Diamante.

Vem à tona, neste caso, o segundo problema sério de concepção do plano. Se o “Sócio Diamante” pode comprar até 4 ingressos para convidados, ainda que pagando o preço integral, além do seu próprio a preço simbólico, e hoje existem mais de 16.000 associados nessa modalidade, seriam necessários 80.000 assentos no estádio apenas para atender a esse público. Em uma grande decisão, talvez o jogo mais esperado dos últimos 18 anos, depois da final da Libertadores em 2005, não tem sentido privilegiar convidados em detrimento dos Sócios Torcedores que sustentam o programa e geram receitas há anos.

Uma outra consequência desse péssimo critério é o incentivo ao “cambismo”. Com o desembolso de uma única mensalidade de R$ 199,99, um cambista pôde comprar 5 ingressos de arquibancada leste (azul), ao custo de R$ 2.000,30 (4 x R$ 500,00 + R$ 0,30) para o jogo do dia 24/09/2023 contra o Flamengo. O gasto inicial foi, portanto, de R$ 2.200,29 (dois mil e duzentos reais e vinte e nove centavos). Devido à elevada demanda por essa partida, os ingressos serão revendidos a R$ 1.000,00 por unidade. A receita apurada nessa operação será de R$ 5.000,00 e o lucro de R$ 2.799,71 apenas na final. As mensalidades dos meses seguintes serão subsidiadas pela margem apurada apenas na venda dos ingressos de R$ 0,30 nos próximos doze meses de fidelidade. Se o SPFC joga em média 36 partidas em casa no ano, e o ticket médio é de R$ 50,00, o cambista pode gerar, sem muito esforço, um lucro de R$ 1.789,20 mesmo sem que tenhamos jogos de grande apelo. Resumindo, com um gasto total de R$ 4.410,98, o cambista gera, sem esforço, uma receita de R$ 6.800,00 em doze meses, com lucro de R$ 2.389,02, ou um retorno sobre o investimento de 54,2% a.a. Vejamos esses dados explícitos em uma tabela:

Figura 3 – Análise de Investimento do Cambista – Plano Diamante

A ideia do Sócio Torcedor poder levar convidados para compartilhar a experiência de um jogo no estádio, e com isso incentivar novas adesões, é boa. A execução é que é ruim. Os ingressos para convidados, a título de “degustação”, poderiam ser limitados a jogos pré-estabelecidos na temporada regular, ou ainda, a sua venda liberada apenas após atendidas todas as categorias de sócios torcedores.

Logo no início da atual administração, o São Paulo contratou os serviços de uma empresa especializada no ramo, a FENG, com o objetivo de reestruturar o programa Sócio Torcedor. Os resultados até agora, entretanto, são decepcionantes. A receita do programa sócio torcedor em 2022 esteve muito aquém das expectativas, e muito abaixo do que faturam equipes de menor torcida. Agora em 2023, devido às circunstâncias, a arrecadação vai crescer bastante, quase triplicar, mas o teste de fogo em um jogo decisivo mostrou enormes falhas na gestão do programa.

O presidente do SPFC, que se autoelogia como grande gestor, poderia começar a arrumar a casa olhando para o maior patrimônio de um clube popular, a sua torcida. O programa Sócio Torcedor do São Paulo Futebol Clube necessita de uma ampla e profunda remodelação, urgente.

Flavio Marques                13/09/2023

ANEXO I – Detalhes dos diferentes planos do ST do SPFC.

Figura 4 – Características dos Planos do Sócio Torcedor                                       

                                                             

ANEXO II – Atualização do número de Sócios Torcedores

Enquanto eu escrevia este artigo, em um intervalo de aproximadamente 48 horas, um total de 300 pessoas cancelaram a associação ao ST.

Figura 5 – Sócios Torcedores do SPFC às 15h51min do dia 13/09/2023

5 comentários em “Sócio Torcedor e os ingressos para a final da Copa do Brasil.

  1. Mais uma brilhante coluna do Flavio Marques, esse modelo atual é de sócio-cambismo. Posso até concordar que quem pague mais tenha a prioridade de compra, mas apenas para o seu CPF. É um modelo mal planejado e que gera o amadorismo, um menino médio de 10 anos faria melhor.

  2. Ave Edson Lapolla! Ave Flávio Marques! Como bem diz o Lapolla, as Diretorias de Planejamento e de Marketing INEXISTEM na Instituição São Paulo FC!!!

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