Armando Nogueira: ‘Rogério Ceni, o Pássaro Liberto’

Cinco dias após o São Paulo conquistar o tricampeonato da Copa Libertadores da América, o LANCE! publicou em sua contracapa uma crônica do então colunista Armando Nogueira (1927 – 2010) sobre os feitos de Rogério Ceni na campanha histórica. Saboreie o texto abaixo!

“Em toda equipe campeã, há um jogador que encarna sua conquista, sua glória. Didi simbolizou a Seleção de 58. A imprensa europeia o chamou de Napoleão Negro do futebol. O Mundial do Chile, em 62, canonizou Garrincha. Em 70, Pelé saiu do México coroado Rei do Futebol.

Na vida dos clubes não tem sido diferente. Há sempre alguém que retrata um time inesquecível. Zico, no Flamengo, Rivellino, no Corinthians, Ademir da Guia, no Palmeiras, Tostão, no Cruzeiro, Ademir Menezes, no Vasco. Falcão, no Inter, Nilton Santos, no Botafogo.

A lista de arquétipos é interminável, sobretudo, se a lembrança atravessar fronteiras: Maradona, no Boca; Di Stéfano, no Real Madrid; Beckenbauer, no Bayern; Puskas, no Honved; Cruyff, no Ajax. E por aí vai a nossa corte.

Chegamos a Rogério Ceni, jogador encarnação da equipe do São Paulo, campeã da Libertadores, na noite recente de 14 de julho. Na qualidade de “capitão”, o cerimonial conferiu-lhe o privilégio de erguer a taça da vitória. Mas é bom que se diga que Rogério transcende a mera regalia que passou a ser, hoje em dia, aquela braçadeira de saudosa relevância.

A Rogério Ceni o futebol deve a transfiguração do goleiro. O que era um elemento marginal da equipe, com ele, pasou a ser um termo essencial na equação do jogo. Antes dele, o goleiro vivia confinado à servidão da pequena área. Quase um estranho recolhido, em seu ninho. Quem não conhece o velho preceito britânico, segundo o qual, “um time é formado de dez jogadores e um goleiro…”. Sempre foi assim. Na pelada, o goleiro nunca deixou de ser o último do par-ou-ímpar. Ao garoto epreba, que não seja o dono da bola, só resta a provação de penar no gol. Nos primóridos do profissionalismo, a torcida duvidava da masculinidade de quem fosse goleiro.

Rogério Ceni sepulta, de vez, a tradição do goleirofilho punico, do goleiro não-me-toques. Aquele ser que não superou seu ciclo edipiano. A noiva da pequena área. Indiferente aos preconceitos, ele meteu os pés pelas mãos, no sentido mais positivo da expressão. Rogério joga tão bem com os pés quanto com as mãos. Fecha o gol e sai tocando a bola no vasto horizonte dos melhores líberos. Esplêndido cobrador de faltas. Libertador do pássaro cativo.

Rogério Ceni é o goleiro mais completo do futebol mundial. É um herói, cujo pioneirismo só mais adiante será reconhecido por todos, Parreira, inclusive.

Afinal, pioneiro é aquele pássaro que primeiro cantou “na árvore dos cantos virgens”.

 

Fonte: Lance

Um comentário em “Armando Nogueira: ‘Rogério Ceni, o Pássaro Liberto’

  1. A poesia que transcende da crônica do saudoso Armando Nogueira é um presente do céu para todos que admiramos o desempenho de Rogério Ceni, profissional exemplar que vai deixar saudades não apenas aos simpatizantes do São Paulo, mas a todos os amantes do Futebol. Parabéns a você, uma prece ao poeta.

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