“Malandragem” do Flamengo inspira Leco em futuro estatuto do São Paulo

Carlos Augusto de Barros e Silva foi eleito presidente do São Paulo no dia 27 de outubro de 2015, dois dias após Carlos Miguel Aidar renunciar ao cargo. Além da instabilidade política, o clube vivia uma crise financeira, tanto que os jogadores conviviam constantemente com o atraso de salários. Onze meses depois, é inegável que, por um lado, a situação melhorou fora das quatro linhas. O clube diminuiu suas dívidas e os pagamentos estão em dia.

Mas, por outro, o futebol acumulou mais uma temporada sem títulos: desde 2009, são oito anos e uma conquista (Sul-Americana de 2012) – “muito pouco”, segundo Leco. E os problemas políticos não diminuem. O último foi causado pela saída do vice-presidente do clube, Roberto Natel, quepediu para deixar o cargo na semana passada com a intenção de ser candidato à presidência na eleição de abril de 2017.

Carlos Augusto de Barros e Silva Leco São Paulo (Foto: Sergio Gandolphi)No foco: Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, é presidente do São Paulo desde outubro (Foto: Sergio Gandolphi)

Para isso, Natel terá que vencer a disputa contra o próprio Leco, que disse ser candidato. O ex-vice, no entanto, afirmou que só concorreria com o mandatário em uma espécie de prévia da situação ou se a oposição não lançar um nome. Tudo para, segundo ele, não enfraquecer os grupos políticos da situação.

A saída do vice poderia causar um movimento de desligamento de outros diretores do “Legenda”, partido de Natel, mas, em reunião do grupo na última terça-feira, eles não cogitaram essa hipótese e vão seguir na cúpula.

Leco acredita que Natel se precipitou ao sair neste momento. Ele se diz pronto para continuar na presidência por mais um mandato e preferiu enaltecer as melhorias feitas na sua gestão. O dirigente também falou sobre a expectativa pela criação do novo estatuto que, segundo ele, “vai guiar o clube pelos próximos 50 anos.”

O documento está sendo elaborado, com aprovação prevista para dezembro. Leco tem conversado com dirigentes de outros clube para discutir modelos. O do Flamengo caiu no gosto do presidente tricolor, principalmente por causa da recuperação financeira:

– Um clube que nunca pagou nada e, de repente, começou a cumprir. A malandragem certa é fazer as coisas em ordem. E olha como tem um time forte, competitivo, que está brigando pelo título – explicou. Leia a entrevista:

Leco presidente São Paulo (Foto: Marcos Ribolli)Presidente pode tentar a reeleição no pleito de abril do próximo ano (Foto: Marcos Ribolli)

GloboEsporte.com – Há um ano, o senhor tinha noção do problema que seria assumir a presidência do São Paulo?
Carlos Augusto de Barros e Silva – Tinha. No momento em que assumi, o São Paulo estava numa situação difícil, usou-se muito a expressão terra arrasada e não é equivocada. Mas não imaginei que se desdobrasse tanto no dia a dia. A verdade é que, em 11 meses de gestão, nós transformamos o clube daquela situação crítica, ruim em que se encontrava, para uma situação diferente, de recuperação financeira, de recuperação de conceito, de recuperação de crédito, de recuperação de imagem e até com a recuperação do orgulho do torcedor são-paulino que, durante a Libertadores, abraçou o time.

Você fez parte de administrações anteriores no clube. Desde quando percebeu que as coisas estavam erradas?
– Deu para perceber especialmente a partir do momento do terceiro mandato do Juvenal que as coisas não estavam bem como o desejável e como a história do São Paulo sempre mostrou. O terceiro mandato foi um equívoco contra o qual me coloquei, embora depois tenha admitido e prosseguido com o Juvenal na função de vice-presidente geral e diretor de orçamento e controle.

Ocorreram situações de desgaste, decisões erradas que foram tomadas. Começamos a ter problemas, que se desdobraram na área política. O que era uma situação de certo conforto político do Juvenal se tornou um período de contestações e que acabaram de uma certa forma provocando algumas perdas que poderiam ser evitadas.

Depois veio o mandato do Carlos Miguel Aidar….
– Daquele eu não participei em nenhum momento, afinal era presidente do Conselho Deliberativo. Aí o São Paulo teve problemas grandes, os quais não preciso ficar aqui falando que todos sabem, eles são conhecidos. Tive a oportunidade de vivenciá-los e evitei, com algumas atitudes, que eles se tornassem ainda maiores. Nós pegamos o São Paulo vivendo uma realidade que não é da sua tradição. Mas tive a fortuna de me cercar de pessoas verdadeiras, interessadas em fazer o bem pelo São Paulo. Em 11 meses, conseguimos avanços significativos, importantes.

Que exemplos pode dar para isso? O quanto as coisas melhoraram?
– Sem contar a dívida tributária, que foi resolvida através do Profut e da Timemania, nosso débito em dezembro de 2015 era de R$ 170 milhões. Em agosto de 2016, baixamos para R$ 116 milhões, uma redução de 32%. A dívida bancária, no momento em que assumimos, era de R$ 92 milhões. Em agosto, foi baixada para R$ 42 milhões, uma redução de 47%. O clube tinha zero de patrocínio, não é mentira e nem exagero. Zero! Hoje temos gerados R$ 35 milhões em acordos com seis patrocinadores.

O nosso contrato de TV fechada com a Globo nos rendeu R$ 60 milhões de bônus, num trabalho elogiável de uma figura que é tão questionada como o Ataíde Gil Guerreiro (ex-vice de futebol, atual diretor de relações institucionais). Ele continua trabalhando, está em gestões relativas a TV aberta. Além disso, por volta de junho de 2014, eu iniciei um assunto de grande importância que foi a questão do novo estatuto do clube.

Isso é muito importante para modernizar um clube que parou no tempo?
– Não sei se parou no tempo. As coisas vão se acumulando. Não que o São Paulo tenha características jurássicas, existe muita coisa boa. Mas algumas coisas precisam ser ajustadas. Entramos aí na questão modernidade. Até dezembro, teremos um novo estatuto, que será decidido pela comunidade. Isso é forte, isso é histórico para o São Paulo. É preparar o clube para os próximos 50 anos. Nesse processo, existe outro fato novo, que é a participação dos sócios no processo. Fizemos primeiro uma audiência pública e depois uma assembleia geral, onde convidamos o sócio a dizer se aceitava a mudança de estatuto ou não.

Esse documento é que vai dizer o tempo do mandato, como tem que ser, como não tem que ser, se terá reeleição. É preciso ter cuidado, não posso mexer com uma instituição de 86 anos levianamente. Só que, desgraçadamente, essa reforma não foi aceita por alguns setores da oposição, certamente porque não tinham interesse em resolver essas questões ligadas ao clube.  Uma coisa que posso afirmar com toda a certeza: essa gestão promoveu o fim da corrupção no São Paulo. O fim da obscuridade. Zero. Não tem nada do que podemos ser acusados.

Carlos Augusto de Barros e Silva Leco São Paulo (Foto: Marcelo Prado)Carlos Augusto de Barros e Silva se prepara para a eleição que será em abril de 2017 São Paulo (Foto: Marcelo Prado)

O que o senhor pode dizer sobre a reforma estatutária. Pode citar exemplos do que pode ser feito? A conversa que o senhor teve com os presidentes de Santos e Flamengo, que também fizeram essa alteração, ajudou em alguma coisa?
– Eu, por exemplo, não tenho experiências positivas para julgar interessante o modelo do Santos. O Modesto (Roma, presidente) me diz isso com todas as letras. É uma loucura. Do jeito que as coisas foram concebidas, engessa um presidente que não tenha concordância nos seus pares. Ocorre um choque. É o clube que vai sofrer.

No Flamengo, a experiência me parece boa do ponto de vista financeiro porque o Eduardo (Bandeira de Mello, presidente) pautou a vida dele dentro do clube pelo prisma da correção, da honestidade. O clube deu uma melhora considerável. Conversamos no sábado sobre isso. Um clube que nunca pagou nada e, de repente, começou a cumprir. A malandragem certa é fazer as coisas em ordem. E olha como tem um time forte, competitivo, que está brigando pelo título.

Existe também a questão do mandato. Tem gente que quer quatro anos. Não me parece o melhor, acho longo. Pode ser bom para o governo, para a união. Acho que três anos com uma reeleição é um período bom. Outros defendem a formação de um grupo com profissionais remunerados que, junto com o presidente, administrariam o clube. Isso eu já faço sem diretores remunerados, mas com pessoas muito competentes em suas áreas de trabalho. A cada dia que passa, me surpreendo com o trabalho dessa gente.

Com tantos problemas que ocorreram, muitas pessoas dizem que o São Paulo se apequenou com o passar dos anos. O quanto isso incomoda?
– O apequenar-se estaria em algumas práticas, em alguns resultados. Os maus resultados do futebol de agora são diferentes daquilo que o clube viveu entre 1958 e 1970, quando estávamos construindo o estádio do Morumbi. O futebol, de 2008 para cá, só ganhou uma vez em 12 de dezembro de 2012, que foi a Sul-Americana. É muito pouco, sem dúvida. Mas os outros passaram e passam por isso. Hoje, aquele que vinha sendo o grande time paulista conquistador está num processo de certa forma reduzido. Acho que é um fenômeno mais geral.

Os atrasos de salários acabaram?
Na gestão anterior, o atraso era constante, corrente, de três meses. Chegava no terceiro mês, acertava um, driblava e a coisa ia para frente. Eles têm apenas algo de premiação que precisamos acertar, mas isso é algo de uma dinâmica constante. Falei sobre isso com eles quando ocorreu a derrota para o The Strongest. “Vocês fizeram o favor de perder para um time que nunca ganhou no Brasil. Em 32 jogos, haviam perdido 29 e empatado três. Se estão usando isso porque estou oito dias atrasado, na semana que vem, se o Conselho aprovar, e aprovou, vou botar em dia e nunca mais terá atraso.” E nunca mais atrasou.

A política do clube também provocou a saída do diretor remunerado de futebol Gustavo Vieira de Oliveira. Foi uma decisão técnica ou política?
Ele saiu porque o São Paulo quis, foi uma decisão do departamento de futebol. Porque ele sofreu, ao longo do tempo, um crescente desgaste. Ele é um profissional sério, competente, qualificado, mas que vinha sofrendo desgaste. É preciso ter sempre um bode expiatório. Enquanto o time estava bem na Libertadores, nós chegamos até a semifinal, tudo estava bem. De repente começamos a descer um pouco a escada e sempre precisa ter um culpado.

Não foi justa a campanha que se desenvolveu contra ele. E pior que foi feita por pessoas que ficam inflamando conselheiros da oposição. É uma minoria que se movimenta, principalmente nas redes sociais. É fácil ficar falando mal dos outros. Se não tem motivo, inventa. O Gustavo não se sentia mais seguro. Tenho certeza de que ele poderia ter sido agredido no dia da invasão ao CT. O problema de ganhar bem incomoda. Os profissionais iguais a ele no futebol ganham a mesma coisa ou mais.

O que você tem a dizer sobre a saída do vice-presidente Roberto Natel?
– É uma perda que eu lamento porque é um bom moço, uma pessoa são-paulina, de uma família que tem uma história fundamental aqui dentro. É legítimo que ele tenha interesses, mas acho que se equivocou. Disse isso a ele, mas não pude evitar. Houve uma indefinição entre terça e quinta, tive um gesto de solicitar que não saísse, pedi que pensasse um pouco mais. Logo em seguida, por razões que não me permite comentar, logo em seguida as coisas foram para as redes sociais por intermédio de uma pessoa que não é sócia do São Paulo, que não torce para o São Paulo, mas que tem uma movimentação pelos maus caminhos do São Paulo que impressiona. Uma pessoa, aliás, que trabalhou 15 dias comigo e moveu uma ação de R$ 1,5 milhão na Justiça(Leco aqui se refere a Alex Bourgois, ex-CEO do clube). Logo as coisas se tornaram incontroláveis.

Tem um ditado que diz o seguinte: “O segredo numa conversa só dura até o primeiro sair da sala.” Só estávamos o Natel e eu, e eu não saí porque a conversa foi na minha sala. Entendo o gesto dele, mas acho que não era hora. Agora é hora da união, da união de verdade, de pessoas que lutam pelo bem do São Paulo. Agora é hora de trabalharmos para afastarmos o São Paulo do rebaixamento, coisa que sinceramente acredito que não vá acontecer. Não é manifestação de desejo, é reflexão. Estamos mais para tentar buscar uma condição melhor na tabela, algo que condiz com a nossa grandeza.

Roberto Natel supervisiona reconstrução da sede social do São Paulo (Foto: Marcos Guerra)Roberto Natel deixou o cargo de vice-presidente geral na semana passada (Foto: Marcos Guerra)

Teme perder apoio político com a saída do Natel?
– Algum certamente porque ele é uma pessoa bem formada, qualificada, de bom caráter, que tem história no clube e que tem amigos dentro do clube. Mas não de uma maneira que me desencoraje de continuar na minha trajetória. Tenho projetos que não cabem no meio mandato. Tenho direito a ser eleito pelo atual estatuto.

Sem o Natel, mas saídas de dirigentes podem ocorrer? Você pode tirar outras pessoas do grupo político dele e que trabalham na diretoria?
– Não pretendo, até porque os diretores, mais do que ligados a ele, são pessoas que eu escolhi. Não sei se vai partir de alguém. Pode acontecer, não posso ter um diretor que não que trabalhar.

Com o sistema atual de poder do São Paulo, não atrapalha o fato de um presidente, quando é eleito, ser obrigado a ceder cargos políticos a diferentes correntes para poder ter governabilidade?
– Claro que pode dificultar. É impossível imaginar uma administração que possa juntar todos os segmentos políticos, afinal têm pessoas que são inegociáveis, você não confia. Eu trouxe para a gestão vários membros que eram oposição ferrenha e que são magníficos. Deram as mãos e trabalham para o bem do São Paulo. A administração do São Paulo é plural.

Não sou bom o suficiente para dirigir o clube sozinho. Por isso, cerco-me de pessoas competentes

Carlos Augusto de Barros e Silva

Fazer política é mais difícil que administrar o futebol?
– Sim, muito mais. Para mim, então, é mais difícil. Não é algo que goste de fazer. Fazer política para mim não é igual ao modelo tradicional. É estabelecer confiança, fazer gestos. Aquela política rasteira, surrada não é coisa que faça com competência. Eu sou cobrado por isso, mas não gosto de fazer.

Esse fato de não gostar de fazer política pode atrapalhar para a eleição em 2017?
– Para quem tem bons olhos pode representar um aspecto positivo.

Esperava mais tranquilidade da oposição?
– Certamente. Seria ingenuidade da minha parte pensar que não haveria movimentos políticos, mas é que de vez em quando eles baixam a uma condição que não é certo. Mas isso ao mesmo tempo é bom porque as pessoas acabam se revelando. Não sou bom o suficiente para dirigir o clube sozinho. Por isso, cerco-me de pessoas competentes.

 

Fonte: Globo Esporte

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