Flávio Marques 15.05

Receitas decrescentes ameaçam o SPFC, versão 2021

Seguindo com os artigos que analisam os resultados financeiros do São Paulo Futebol Clube no ano de 2020, hoje faremos o comparativo das receitas do futebol dos quatorze clubes de maior expressão no Brasil, os quatro grandes Paulistas, os quatro Cariocas, os dois de Minas e a dupla Gre-Nal, além do Bahia e do Athlético Paranaense. Neste comparativo estão excluídas receitas que não sejam do futebol profissional ou de base de cada agremiação. Não aparecem aqui receitas de Clube Social, Esportes Olímpicos, administrativas, financeiras ou de venda de ativos.

Iniciamos com a comparação entre as receitas obtidas por cada clube em 2015 e 2020:

Mesmo com os efeitos da pandemia em 2020 vemos um aumento significativo da receita no período para os clubes apresentados mais à esquerda no gráfico, que são os de melhor receita no último ano. O Flamengo praticamente dobrou o valor de seus rendimentos, de R$ 309 milhões para R$ 615 milhões, o Palmeiras cresceu 66% e o Corinthians 63%. O Grêmio mais do que dobrou, chegando a R$ 385 milhões de receitas em 2020, desempenho equivalente ao alcançado pelo Athlético PR. Em uma faixa de receitas menores o Santos teve boa evolução, crescendo 59%, enquanto o Bahia o Botafogo aumentaram sua renda em 54%. A inflação medida pelo IPCA no período – de dezembro de 2015 a dezembro de 2020 – foi de 52%.

A receita do Tricolor em 2015 foi de R$ 275 milhões, e o clube chegou aos R$ 323 milhões em 2020, crescendo 17% no período. O crescimento nominal inferior até à inflação do período mostra que o SPFC está perdendo poder financeiro. Visualmente no gráfico acima vemos que o São Paulo se afastou dos líderes em receitas – Flamengo, Palmeiras e Corinthians – e foi ultrapassado nos últimos dois anos por Grêmio e Athlético PR.

Internacional e Vasco apresentaram pequena retração, -5% e -8% respectivamente, e o Fluminense cresceu 14% sobre uma base pequena. Chama a atenção no lado direito do gráfico acima, onde estão os times de menor arrecadação em 2020, a forte decadência dos dois maiores times de Minas Gerais.

Evolução ano a ano das receitas dos clubes de maior arrecadação total no período:

Acima vemos claramente que em 2015 Flamengo, Palmeiras, Corinthians, Internacional e São Paulo estavam em um nível muito próximo de receitas, todos ao redor de R$ 300 milhões por ano. Grêmio e Athlético estavam abaixo de R$ 200 milhões anuais. Observando as tendências vemos que o São Paulo vem apresentando receitas decrescentes desde 2017, indo na direção contrária dos demais clubes que tiveram seus melhores resultados entre 2018 e 2019. O ano de 2020 foi marcado pela crise da COVID-19, que impactou a todos principalmente nas receitas de bilheteria e programas de sócio torcedor.

Direitos de Transmissão

Tipicamente os direitos de transmissão são a maior fonte de renda para os clubes de futebol.

O Tricolor está com essa renda estagnada desde 2016, ano em que houve uma valorização geral dos contratos. Desde 2017 o São Paulo vem recebendo cotas de TV inferiores às do Grêmio, e muito próximas do que fatura o Fluminense. Um clube que está baseado no principal mercado consumidor do país e que tem ainda a terceira maior torcida segundo os levantamentos recentes, não poderia receber menos do que clubes de menor torcida e radicados em outros estados. A nova diretoria tem que estar atenta para renegociar esses contratos em termos mais favoráveis ao SPFC.

Outro ponto a se prestar atenção é no aumento da importância de novos meios digitais, como os serviços de streaming, na composição dos “pacotes” de direitos de transmissão. A TV aberta continuará sendo um grande canal para comunicação com a maioria da torcida, mas existem oportunidades para se explorar nichos de mercado entre torcedores ou fanáticos por esportes que exigem maior qualidade de informação e análise nas transmissões e programas esportivos. A torcida Tricolor responde com elevado nível de engajamento nas redes sociais, e os canais oficiais do Clube nas diversas plataformas somam quase 17 milhões de seguidores.

Abaixo como evoluíram os valores considerando os times que mais recebem por esse direito:

Publicidade e Patrocínio

Aqui a prova incontestável do fracasso da estratégia adotada pela gestão Leco com relação aos contratos de Patrocínio. Ao lotear o uniforme criando diversas propriedades ocupadas por patrocinadores de menor porte, chegamos a ter nove marcas estampadas simultaneamente, o resultado foi a desvalorização do todo. Nossas receitas em 2018 e 2019 já foram muito abaixo do que se deveria esperar em função do tamanho da nossa torcida. Patrocinadores de menor porte sofreram mais na crise do COVID, e com isso a diferença do SPFC para seus adversários foi ainda mais amplificada. O Palmeiras recebeu de sua mecenas o valor de R$ 115 milhões em 2020, equivalente a sete vezes os R$ 16 milhões recebidos pelo SPFC de seus patrocinadores. O Flamengo teve receita seis vezes maior (R$ 95 milhões), o Corinthians mais de quatro vezes, enquanto Grêmio e Internacional faturaram o dobro do que o Tricolor Paulista em patrocínios em 2020. O Cruzeiro (R$ 33 milhões), jogando série B, Atlético MG (R$ 21 milhões) e até o Vasco (R$ 17 milhões) receberam mais a título de patrocínios em 2020 do que o São Paulo.

A situação em 2021 até o momento é preocupante. O patrocinador master não renovou o contrato vencido em Fevereiro, e já estamos no terceiro mês jogando com a “camisa limpa”. Por outro lado a diretoria comemorou a renovação com a Betsul, uma casa de apostas, com aumento de 90% no valor. Segundo o “canal do Nicola”, a Betsul pagava R$ 700 mil por ano para expor sua marca no calção, e o novo acordo foi de R$ 1,3 milhão anuais. A minha opinião é que ainda se trata de um valor muito baixo para uma empresa associar sua marca ao SPFC. Se não houver uma decisão firme de evitar esses pequenos patrocínios será muito difícil de conquistar um grande patrocinador. Que o foco da direção seja o de valorizar nosso patrimônio e conquistar um patrocínio condizente com nossa importância no futebol Brasileiro.

Negociação de Atestados Liberatórios de Atletas

O São Paulo se mantém entre os maiores vendedores de direitos econômicos de atletas no futebol Brasileiro. Do total de receitas do SPFC nos últimos 5 anos, 40% do valor é proveniente da negociação de atestados liberatórios. Apenas o Santos, com 37% do total de sua receita, se aproxima do Tricolor nessa proporção. Flamengo, Corinthians e Grêmio tem entre 25% e 30% da sua receita total gerada pela “venda de atletas”, e no caso do Palmeiras essa participação é de 20%.

O São Paulo Futebol Clube se tornou um clube dependente da venda de seus atletas mais promissores para poder equilibrar as contas no final do ano. O Tricolor vende jogadores jovens, com pouco tempo de experiência entre os profissionais, e nos últimos anos contratou muitos veteranos caros e já longe de suas melhores condições físicas e técnicas. Os fracassos desportivos do time na gestão Leco desvalorizam nossos jogadores, tornando mais difícil se obter uma boa negociação com clubes do exterior. A destacar ainda no caso do São Paulo as excessivas comissões pagas a empresários, reduzindo a nossa receita líquida de transferências.

As vendas realizadas pelo Palmeiras em 2018, e pelo Flamengo nos dois últimos anos foram predominantemente de atletas experientes e vitoriosos, resultando em maiores valores de transferência e maiores ganhos ao clube.

Arrecadação de Jogos e Sócio Torcedor

As restrições de público em função da pandemia do Corona Vírus impactaram as receitas de todos os clubes, mas alguns sofreram menos do que outros. Flamengo e Internacional conseguiram manter suas receitas de projeto Sócio Torcedor acima dos R$ 60 milhões anuais mesmo com a crise, aliviando os efeitos financeiros da pandemia. Os sócios de Athlético PR e Cruzeiro também mantiveram seus aportes ao clube mesmo sem a possibilidade de acompanhar os jogos no estádio. Corinthians e Grêmio não divulgam separadamente os resultados de seus programas de sócio torcedor, e por isso estão fora do gráfico acima.

Entre receitas de Sócio Torcedor e arrecadação de jogos (bilheteria) o São Paulo não alcançou em nenhum ano a marca de R$ 50 milhões em receitas. O Palmeiras, com exceção de 2020, esteve sempre acima de R$ 100 milhões por ano nessas fontes de recursos, e o Internacional mesmo na crise chegou a R$ 70 milhões. Graficamente se observa que as receitas do SPFC estão niveladas a times de menor torcida como Athlético PR e Cruzeiro, mesmo com os mineiros jogando a série B

Sem atrativos além do desconto e prioridade na compra de ingressos, o projeto Sócio Torcedor do SPFC gerou apenas R$ 7,2 milhões de receita em 2020. Fazendo a comparação direta, o Cruzeiro arrecadou R$ 12 milhões, o Atlético MG R$ 10 milhões e o Fluminense chegou a R$ 11 milhões. O São Paulo assinou contrato recentemente com uma empresa que estará trabalhando na reestruturação do Sócio Torcedor, visando ampliar a base de associados e as receitas do programa. Um novo programa precisa oferecer incentivos também aos torcedores que não frequentam os jogos – a grande maioria dos apoiadores de todos os times.

Uma característica comum dos programas de sócio torcedor de maior sucesso – Internacional, Grêmio, Athlético PR, Bahia e Fluminense – é a possibilidade do associado, dependendo da categoria do plano e cumprido um tempo mínimo de associação, poder votar para presidente da Instituição. Numa crise como a do COVID os sócios torcedores desses clubes listados não cancelam seus planos, pois querem manter o direito de votar nas próximas eleições. Os relatórios financeiros desses clubes mostraram que as receitas de sócio torcedor desses times em 2020 se mantiveram muito próximas ou até cresceram em relação aos números pré-pandemia. A diretoria do SPFC precisa olhar com muita atenção para essa possibilidade, que pode efetivamente revolucionar o programa e aumentar em muito a geração de receitas para o Clube. Essa possibilidade exigiria alteração no Estatuto do Clube, e teria que ser aprovada pela maioria no Conselho Deliberativo e ratificada pela Assembleia Geral.

Conclusão

Uma análise mais precisa tem que considerar o valor das receitas relativamente ao número de torcedores que um time tem. O tamanho de cada torcida foi estimado pela empresa Pluri Stochos Pesquisas e Licenciamento Esportivo, por meio de pesquisa divulgada em janeiro de 2020. Um conceito importante é o de receita recorrente, que é a soma de todas as receitas geradas pelos clubes exceto a venda de atestados liberatórios de atletas. A negociação de direitos econômicos não deveria ser por princípio um dos objetivos dos maiores times do Brasil.

Para suavizar as flutuações entre um ano e outro, e relativizar o impacto da pandemia, somamos para cada clube o total das receitas recorrentes entre os anos de 2016 e 2020 (inclusive), e calculamos a média anual de contribuição por torcedor de cada equipe. Os resultados estão na tabela abaixo:

Antes de analisar os dados financeiros, vale a pena comentar que a pesquisa indica que aproximadamente 20% da população, um em cada cinco habitantes, já não se interessa pelo futebol. Os novos hábitos e alternativas de lazer da população tornam o futebol, e o esporte em geral, menos relevantes para os indivíduos. Os dirigentes esportivos, de clubes, federações e confederações tem que pensar em como promover seu “produto”, evitando uma perda acelerada de consumidores nas próximas décadas.

A tabela acima está organizada por número de torcedores, do maior para o menor, e nos mostra que os times de maior torcida são os menos eficientes em angariar fundos junto a seus torcedores. Flamengo, Corinthians, São Paulo e Vasco, times de massa,  arrecadam em média menos de R$ 20,00 por torcedor por ano de atividade. A exceção nessa grupo das cinco maiores torcidas  é o Palmeiras, que chega na casa de R$ 30,00 por torcedor, mas esse número é artificialmente inflado pela contribuição multimilionária de uma torcedora em particular.

Nos anos da gestão Carlos Augusto de Barros e Silva, 2016  a 2020, o Tricolor arrecadou pouco mais de  R$ 12,00 por torcedor por ano, ou R$ 1,00 por torcedor por mês. O São Paulo, apesar da terceira maior torcida, foi apenas o sexto classificado na ordem de maiores receitas recorrentes, tendo faturado um pouco mais de R$ 1 bilhão nos cinco anos deste estudo, metade do que foi arrecadado por Flamengo e Palmeiras, 30% abaixo do Corinthians e 15% menos do que Grêmio e Internacional.

Entre os times de 6ª a 10ª posição em número de torcedores, e que tem entre 5 e 8 milhões de apoiadores, o destaque é o Internacional. Mesmo tendo disputado um ano de série B, o Colorado gerou receita média de quase R$ 40,00 por ano por torcedor, com um total de R$ 1,26 Bilhão em receitas recorrentes entre 2016 e 2020, o quinto lugar em valor absoluto com a oitava maior torcida. O Grêmio está tecnicamente empatado em receitas com seu rival gaúcho, quarta maior receita tendo a sexta maior torcida, mas vem aumentando essa média ano a ano, enquanto o Santos apresenta estabilidade. Cruzeiro e Atlético MG por sua vez estão em franca decadência.

Entre os times que fecham a lista acima o destaque é o Athlético PR. O Furacão, com pouco mais de 1 milhão de adeptos, gerou em cinco anos uma receita recorrente equivalente à de Santos e Fluminense, tradicionais equipes que tem respectivamente 5 e 3 milhões de torcedores. Os Paranaenses tem média de R$ 123 / torcedor / ano, dez vezes o apurado pelo Tricolor Paulista, e estão com suas receitas crescentes. Um bom plano de sócio torcedor, incluindo o direito de voto para a presidência entre outros benefícios, que atrai e fideliza os adeptos do clube, é o principal “segredo” do Clube Athlético Paranaense para manter-se com alta arrecadação mesmo na crise.

Este artigo analisa o passado, mas com o pensamento voltado para o futuro. Fica claro na leitura cuidadosa do texto que o novo programa de Sócio Torcedor a ser lançado terá um papel muito importante nas receitas futuras do SPFC. Julio Casares em início de gestão, e com apoio maciço no Conselho Deliberativo, já declarou estar aberto à possibilidade do voto do Sócio Torcedor, com regras que disciplinem o tema. Que o assunto seja discutido sem preconceitos, e visando o bem maior da Instituição.

A atenção às tendências de mercado e tecnológicas no que se refere aos direitos de imagem e de transmissão é outro ponto crítico. Os clubes que saírem na frente se beneficiarão das novas possibilidades, e terão maior poder de negociação com os grandes grupos de comunicação. A TV aberta não acabará, mas seu peso relativo no volume de recursos publicitários, e consequente na remuneração para os clubes, continuará sendo reduzido. Identificar os nichos de torcedores e a maneira mais eficiente de abordar cada grupo são tarefas usuais do marketing digital. O Tricolor precisa chegar ao século XXI.

O patrocínio não pode se limitar à exposição da marca de um anunciante na camisa. O São Paulo necessita de um patrocinador master que faça aportes financeiros compatíveis com a grandeza do Tricolor, mas isso só não basta. Ações conjuntas de ativação e reforço de imagem, com a criação de associação de identidades entre o patrocinador e o SPFC são a chave de um patrocínio bem sucedido e de longo prazo. Um plano bem elaborado de marketing será essencial para o Tricolor conquistar um patrocinador à altura de nossas tradições. Esses para mim são os pontos-chave de uma virada na atual situação.

5 comentários em “Flávio Marques 15.05

  1. Excelente artigo, Flávio. Incompreensível que um clube sério não aproveite trabalhos do naipe dos que você usualmente faz. É de torcedores colaboradores como você que o SPFC precisa. Parabéns!

    • Obrigado Salvador,

      O objetivo dos artigos é sempre ser analítico, crítico e propositivo.
      Espero que os dados sirvam de alerta para atual gestão.

      Flavio Marques

  2. Contra fatos não há argumentos.

    Os números traduzem o total fracasso da gestão de #OutLeco & patota.

    E demonstram claramente o “império” das comissões e “negociatas” enquanto nosso futebol desaparece.

    #Triste SPFC.
    Em busca de melhores dias.

    • Obrigado Paulo,

      Sim, os números não deixam dúvidas. estamos sendo mal administrados há anos.

      As primeiras atitudes da atual gestão preocupam. A redução de folha salarial prevista em 15% até o momento está em apenas 1%, segundo palavras do Belmonte. A diretoria já tomou novos empréstimos aumentando nossa dívida bancária.

      Esperemos que os erros seja corrigidos.

      Um abraço.

  3. Bom dia a todos!
    Agradeço ao Paulo Pontes pelo espaço e divulgação deste artigo.

    Convido a todos a deixarem comentários – o site é seguro – mesmo divergente. Diferenças de opinião, sempre com respeito e educação, são positivas em um ambiente democrático.

    Obrigado!

    Flavio Marques

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