O Endividamento do São Paulo em 2022

No dia 8 de janeiro deste ano, o presidente Julio Casares, em entrevista para a TV Gazeta, deu a seguinte declaração:

– A dívida era aproximada de R$ 700 milhões quando assumimos e, se tudo der certo, cai para R$ 590 e 600 milhões no próximo balanço no mês de abril…

O dirigente falou de improviso, sem ter os dados à mão, e foi impreciso nos números. Agora, com a publicação dos Demonstrativos Financeiros do SPFC, não há mais especulações sobre o tema. Todos os valores apresentados neste artigo são oficiais, os saldos são os registrados em 31 de dezembro dos anos de referência e, exceto onde explicitamente indicado, mostrados em milhões de reais.

  1. O Endividamento Líquido

O São Paulo Futebol Clube utiliza em seus relatórios o conceito de Endividamento Líquido, que  corresponde ao valor total das Obrigações a Pagar (Endividamento Efetivo) menos o total dos Direitos a Receber.  Estes são os valores apurados:

Portanto, a herança recebida pela atual gestão do Tricolor foi de um Endividamento Líquido de R$ 575 milhões, com uma parcela de curto prazo (Circulante) de R$ 339 milhões.

Após dois anos de gestão Casares, apesar do aumento considerável nas receitas do clube, que serão analisadas nos próximos artigos, o Endividamento Líquido chegou a R$ 587 milhões, isto é, R$ 12 milhões maior do que a recebida de Leco. O São Paulo abriu o ano de 2023 ainda com uma dívida líquida de curto prazo (Circulante) de R$ 323 milhões, muito alta, o que explica a necessidade de tomadas de empréstimos de valor próximo a R$ 50 milhões já no primeiro trimestre do ano.

Mesmo em comparação com o ano 2021, a redução do Endividamento Líquido de R$ 57 milhões é inferior aos R$ 68 milhões em Direitos que o SPFC ainda tem a receber em consequência das transferências de Antony (solidariedade e mais valia) e Casimiro para o Manchester United.

Apesar do aumento de receitas, os administradores do São Paulo não priorizaram a redução do endividamento. O indicador de Endividamento Líquido, como consta nos relatórios do Clube, é falho pois não considera os prazos de recebimento dos Direitos, que podem estar defasados dos prazos de pagamento das Obrigações. Em minhas análises eu prefiro utilizar o valor do Endividamento Efetivo, correspondente ao total das dívidas que o SPFC tem que efetivamente pagar.

  1. Endividamento Efetivo

Estes são os valores, em 31 de dezembro de cada ano de referência, do Endividamento Efetivo do SPFC.

O discurso de austeridade na administração não é confirmado pelos números do Endividamento Efetivo apurados na atual gestão. O total de dívidas de R$ 724 milhões é R$ 131 milhões maior (pior) do que o valor no final da gestão anterior. De positivo neste gráfico, apenas a redução da pressão das dívidas de curto prazo (circulante), redução esta, porém obtida por meio de rolagem da dívida, tomando novos empréstimos com prazos mais longos para pagar as parcelas devidas de Obrigações antigas.

Casares e sua diretoria aumentaram, em dois anos de mandato, a dívida efetiva em 22%, mesmo com um crescimento de receita total do Clube de 82% em comparação com o ano de 2020. Isso mostra que não houve prioridade na redução do endividamento do São Paulo. Os recursos adicionais foram canalizados para outras necessidades da Instituição.

Na sequência vamos analisar todos os componentes da dívida do Tricolor.

  1. Estratificação do Endividamento Efetivo

Os dados do gráfico acima estão contidos na tabela abaixo:

Um olhar atento para o gráfico e tabela acima nos faz perceber que, entre 2020 e 2022, a dívida do SPFC cresceu em cinco dos sete grupos em que classificamos os Passivos do Tricolor. Apenas os valores referentes às dívidas com Entidades Esportivas e Obrigações Trabalhistas e Direitos de Imagem foram reduzidos em comparação com a dívida recebida pela atual administração.

Os aumentos mais expressivos foram nas classes de dívidas com Instituições Financeiras e Terceiros, Tributárias e Acordos Trabalhistas e Cíveis. Cada um desses componentes da dívida será analisado separadamente a seguir.

  1. Instituições Financeiras e Terceiros

A gestão Casares recebeu uma sufocante dívida de curto prazo de R$ 155 milhões quando assumiu o comando do SPFC. Ao final do primeiro ano do mandato, por meio de renegociações, essa parcela caiu para R$ 92 milhões, mas a dívida circulante com Entidades Financeiras e Terceiros atingiu R$ 129 milhões em 31 de dezembro de 2022. O valor total dessa dívida, entretanto, foi crescendo ano após ano.

É importante aqui destacar as dívidas bancárias dos empréstimos feitos por terceiros:

O maior credor pessoa física do SPFC, hoje, é o empresário André Cury Marduy, agente de jogadores, para quem o Tricolor deve aproximadamente R$ 15 milhões do total de R$ 19 milhões de dívidas com Terceiros. Essa dívida com Terceiros está sujeita a aplicação de juros a uma taxa média de 1,25% a.m. segundo os auditores independentes que revisaram as contas do Tricolor.

A dívida com Entidades Financeiras ao final de 2022 chegou a R$ 205 milhões, dos quais R$ 119 milhões venciam ainda dentro do ano 2023. Esse valor representa um aumento de R$ 51 milhões em comparação à gestão Leco, uma dívida 33% maior do que a herança recebida.

Abaixo a lista dos credores do SPFC, entre as Instituições Financeiras, em 31 de dezembro de 2020, 2021 e 2022, ordenada do maior para o menor no último período apurado:

Observamos que houve um crescimento importante da carteira de empréstimos dos bancos Daycoval, Bradesco, Tricury e BTG Pactual, enquanto saíram de cena os fundos Star Football e BHP Asset Management, duas operações “offshore” com sede no paraíso fiscal de Luxemburgo.

De acordo com os auditores da empresa RSM Brasil, responsável por auditar as Demonstrações Financeiras do SPFC em 2022:

– Os empréstimos contratados junto a instituições financeiras foram destinados substancialmente para capital de giro, tendo como garantia os contratos de cessão de direitos de transmissão em televisão, licenciamento de marca, recebíveis de atletas e cessão de espaços firmados com terceiros e contribuições associativas. Os contratos estão sujeitos a atualização monetária a uma taxa média de 1,67 % a.m.

Esta parcela da dívida total é sempre preocupante pela incidência de juros, aumentando o custo financeiro do Clube. Segundo o Demonstrativo de Resultado do Exercício, em 2022 o São Paulo gastou R$ 62 milhões em “despesas financeiras”, linha que engloba os juros de empréstimos e outras dívidas, e a variação cambial negativa em contratos internacionais.

  • Obrigações Tributárias

Aqui observamos, em dois anos da atual gestão, um salto de R$ 119 milhões no saldo de obrigações Tributárias.

Em dezembro de 2021, o Clube aderiu ao PERSE – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, refinanciamento de débitos tributários que beneficia entidades que tiveram seu negócio afetado pela pandemia da COVID-19. Em 2021 o Clube parcelou R$ 82 milhões em débitos, sendo R$ 20 milhões deles de natureza previdenciária. Em 2022 o SPFC parcelou R$ 15 milhões em débitos previdenciários, e R$ 41 milhões em dívidas tributárias de outras naturezas, num total de R$ 56 milhões no ano, obtendo os descontos de juros, multas e encargos legais previstos no programa.

Um valor de R$ 57 milhões referente ao parcelamento do PROFUT, está em fase de homologação por parte da autoridade fiscal.

  • Intermediações e participação de terceiros em direitos econômicos

O SPFC continuou pagando generosas comissões, principalmente na aquisição de direitos e na renovação de contratos. O valor da dívida com Intermediários em 2022 aumentou R$ 3 milhões em comparação com a base do final de 2020, e a parcela de curto prazo (circulante) corresponde a 76% do valor devido:

Desse valor, chama a atenção o aumento expressivo da dívida com Intermediários na aquisição e renovação de contratos, de R$ 40 milhões para R$ 50 milhões.

Aqui os maiores credores do SPFC são as empresas Bertolucci Assessoria – R$ 35 milhões a receber, e Link Assessoria – R$ 17 milhões a receber. Como curiosidade, a empresa Link Assessoria pertence a André Cury Marduy, o maior credor pessoa física do SPFC.

  • Acordos Trabalhistas e Cíveis

Observamos que em 2022 o saldo total da conta permaneceu muito próximo ao valor de 2021, porém, com R$ 10 milhões a mais de vencimentos no curto prazo (circulante). Em 2022 o SPFC amortizou R$ 31 milhões em acordos judiciais, mas foi condenado ao pagamento de R$ 29 milhões em novos processos ou encargos de parcelamentos anteriores.

Nesta linha observamos que entre os maiores credores do SPFC ao final de 2022 estavam: CET (R$ 24,3 milhões), Daniel Alves (R$ 20,4 milhões), Richarlyson (R$ 7,2 milhões), Federação dos Atletas Profissionais (R$ 5,2 milhões), JuanFran (R$ 5,1 milhões), Eder Martins (R$ 3,6 milhões), Jucilei (R$ 2,7 milhões) e Volpi (R$ 2,5 milhões).

Podemos concluir desses dados que as más contratações dos últimos anos acabam gerando, além dos prejuízos esportivos, enormes prejuízos financeiros a médio prazo.

  • Débitos Trabalhistas e Direitos de Imagem

Em 2022 o São Paulo quitou finalmente os valores do acordo feito em julho de 2020, ainda na administração de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, com os atletas do time profissional, de postergação parcial de pagamento de salários e direitos de imagem devido à pandemia da COVID-19.

A redução dos débitos trabalhistas e de direitos de imagem, entretanto, veio às custas de aumento do endividamento bancário e da utilização de receitas não recorrentes, como a negociação de atestado liberatório de atletas, e não de uma restruturação necessária no elenco de futebol profissional.

Preocupa o fato que, em março de 2023, Carlos Belmonte, Diretor de Futebol do São Paulo, reconheceu que o Tricolor estava com dois meses de atraso para pagamento do Direito de Imagem dos atletas.

Apesar de ter rescindido, ou não renovado, contratos de jogadores de altos salários como Daniel Alves, Juanfran, Volpi e Pablo, entre outros, a redução da folha salarial e direitos de imagem do time de futebol foi de apenas 5% em comparação ao ano 2021. O gasto com folha salarial e imagem de 2022, segundo ano da gestão Casares / Belmonte, se apresentou 25% superior ao gasto em 2020, último ano da gestão Leco / Raí, um aumento de R$ 47 milhões na despesa anual.

  1. Entidades Esportivas

Sob ameaça de suspensão do direito de registrar novos atletas por sansão da FIFA (transfer ban), em 2021 o SPFC lançou mão de empréstimos bancários para pagar as dívidas urgentes, e com isso reduziu o saldo a pagar a outras entidades esportivas. Em 2022, entretanto essa conta voltou a crescer. Dos R$ 52 milhões a pagar a outras entidades esportivas em 31 de dezembro de 2022, uma parte importante dos valores são referentes atletas que já não jogam no Tricolor.

A partir da tabela acima, concluímos que o pagamento ao Banfield por Giuliano Gallopo foi feito à vista, ou pelo menos com todas as parcelas pagas em 2022, pois não havia saldo a pagar no final do ano. Essa é uma contratação que precisa ser explicada pela diretoria à torcida São-paulina. Como pode, o time que está com dificuldade para honrar o pagamento dos direitos de imagem em dia, pagar à vista por uma contratação?

  • Fornecedores

A conta Fornecedores se mostra estável nos três últimos anos, sem variações significativas, o que mostra que não houve ações da diretoria no sentido de reduzir as despesas do SPFC.

  • Conclusão

Apesar do aumento de receitas do São Paulo em comparação com a gestão anterior, tema que será analisado em outro artigo, não houve prioridade da administração na redução de endividamento do Clube. O indicador de Endividamento Líquido mostra que, nos últimos dois anos, os valores a pagar (Obrigações) cresceram R$ 12 milhões mais do que os Direitos a receber pelo SPFC.

O Endividamento Efetivo, total de Obrigações a pagar pelo Clube, cresceu R$ 131 milhões nos dois primeiros anos de mandato de Julio Casares, contradizendo as declarações recentes de a dívida está sendo reduzida. Na atual situação financeira do Tricolor, é essencial reduzirmos o valor efetivo das dívidas para permitir que, a médio prazo, o SPFC possa voltar a investir de forma mais agressiva na montagem de um elenco forte para o futebol profissional.

Em dois anos transcorridos da atual gestão, o São Paulo Futebol Clube investiu R$ 131,4 milhões em contratações de atletas, para o time principal e para a base, sem conseguir montar um elenco competitivo a nível nacional ou continental. O índice de sucesso nas contratações é baixíssimo, da ordem de 15%, isto é, um acerto para cada sete atletas contratados. Esses atletas, além dos valores investidos na contratação em si, receberam salários e direitos de imagem, aumentando o prejuízo do SPFC devido aos maus negócios. A despesa anual com folha salarial, encargos sociais e direitos de imagem do Futebol Profissional em 2022 foi de R$ 232 milhões, valor 25% superior aos R$ 185 milhões gastos no último ano da gestão Leco, um aumento de R$ 47 milhões, e já sem contar nessa soma os salários de Daniel Alves, por exemplo.

Como colocar o São Paulo Futebol Clube de volta nos trilhos? A resposta é simples, embora a execução não seja fácil, e exija humildade e disciplina:

Reduzir as despesas em geral a um valor que seja suportado pelas receitas recorrentes, isto é, o total de receitas menos o apurado com negociação de atletas, e utilizar os valores obtidos com vendas de atestados liberatórios de atletas para redução da dívida, com prioridade para o endividamento bancário. Seguindo essa receita, em três a quatro anos o SPFC voltará a ter fôlego para investir e disputar os melhores jogadores com os times que hoje estão à nossa frente.

Essa é a minha colaboração para a Diretoria do Tricolor Paulista. Insisto na tese que, para ser vencedor no longo prazo, uma equipe necessita ter um equilíbrio em suas contas.

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