Flávio Marques

Meu jogo inesquecível

Nesta sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022, comemoramos os 35 anos de um dos jogos mais emocionantes da história do futebol, o segundo jogo da final do Campeonato Brasileiro de 1986, que foi realizado apenas em fevereiro de 1987, entre Guarani e São Paulo Futebol Clube.

Desculpem-me os defensores dos pontos corridos, mas o campeonato brasileiro com final em duas partidas tinha muito mais emoção, ainda mais quando a decisão chegava à disputa de pênaltis. Foi assim conosco no campeonato de 1977 e repetiu-se naquela final de 1986. Minha memória nos leva de volta ao mês de fevereiro de 1987 – sim, o campeonato de 1986 terminou apenas no ano seguinte – quando São Paulo e Guarani fizeram a grande final em dois jogos.

Após derrotar nas quartas de final o forte time do Fluminense, e na semifinal o surpreendente América RJ, o Tricolor chega à final para enfrentar o Guarani. Por ter melhor campanha, o time de Campinas teve direito a mandar o segundo jogo em sua casa. No primeiro jogo, disputado Domingo dia 22 no Morumbi, as traves salvaram o Bugre de uma derrota, e a partida terminou empatada em 1 x 1. São Paulo e Guarani iriam para a decisão no Brinco de Ouro em igualdade de condições. Um empate no tempo normal levaria à prorrogação e, se necessário, decisão por pênaltis.

Com meus amigos e companheiros de arquibancada Renato e Fernando havia assistido naquela temporada a todos os jogos no Morumbi e alguns em cidades próximas, porém a disputa pelas poucas entradas para a final seria muito concorrida. Já estava conformado em assistir à finalíssima na televisão quando recebi um telefonema na Segunda Feira à noite. O Renato tinha conseguido comprar os ingressos para o jogo. Iríamos os três para Campinas acompanhar o Tricolor naquela Quarta Feira, 25 de fevereiro de 1987.

O meu Corcel azul era até econômico em termos de consumo de combustível, mas queimava meio litro de óleo a cada cem quilômetros percorridos. Não podia abastecer mais do que meio tanque, ou a gasolina vazava para dentro do porta-malas. Tinha que dirigir de forma suave e olhando os ponteiros da temperatura e do nível de combustível. Às cinco da tarde saímos de São Paulo, seguindo pela Rodovia dos Bandeirantes, o motor desgastado fumando e batendo biela. Estacionamos em uma rua ao lado do estádio da Ponte Preta, a menos de um quilômetro da casa do rival.

Faltavam ainda três horas para começar o jogo quando entramos no estádio. A torcida do São Paulo foi acomodada nas arquibancadas atrás do gol de entrada do Brinco de Ouro, onde aconteceriam as cobranças de pênalti. À medida que o jogo se aproximava o setor ia ficando mais lotado, até que não cabia mais ninguém. Todos em pé por mais de seis horas, sem água, sem comida, sem banheiro – ninguém queria arriscar perder o lugar.

Não existe um grande jogo sem um grande adversário. O bom time do Guarani começava com um goleiro seguro – Sérgio Neri – tinha um gigante na zaga – Ricardo Rocha – meio campo de qualidade com Tite – hoje técnico da Seleção Brasileira – e Marco Antônio Boiadeiro. No ataque o jovem Evair disputava a artilharia do campeonato com Careca, e João Paulo talvez tenha sido o último grande ponta esquerda de ofício atuando no futebol brasileiro.

O jogo começa e logo de cara nossa defesa se atrapalha e marca contra. Vimos bem de perto a bola entrando em nosso gol. O Tricolor tinha um ótimo time, muito ofensivo, com os “Menudos” Silas, Müller e Sidnei atingindo a maturidade, Pita em grande fase, os experientes Careca e Dario Pereyra dando equilíbrio e qualidade, bons coadjuvantes como Bernardo, Nelsinho e Wagner Basílio. Zé Teodoro não pôde jogar a final e foi substituído por Fonseca, polivalente reserva para a lateral ou zaga do time. O grande Oscar Bernardi também ficou de fora da final, por opção do treinador. Gilmar era um goleiro que crescia de produção nos jogos decisivos. O técnico era Pepe, o “Canhão da Vila”. Naquela noite entraram durante o jogo Manu e Rômulo.

Partindo para cima o São Paulo logo empatou em uma espetacular cabeçada de Bernardo após cobrança de escanteio. O jogo seguiu em ritmo frenético e muitas chances foram perdidas, incluindo uma bola que Müller mandou na trave – mais uma vez a baliza salvou o Guarani. Apesar de todo o esforço do Tricolor o jogo terminou mais uma vez empatado em 1 x 1. Começa a prorrogação e dessa vez fomos nós que marcamos um gol relâmpago. Pita faz seu gol no primeiro minuto do tempo extra. Valente equipe de Campinas empata pouco depois. Cumpridos os primeiros quinze minutos os times mudam de campo, o São Paulo passa a atacar para o nosso lado, mas o Guarani vira antes dos 5 minutos. Os São Paulinos ali presentes e os milhões acompanhando pela televisão entenderam naquela noite o quanto o tempo pode ser relativo. Em uma fração de segundo dez minutos se passaram e estávamos perto do fim da prorrogação.

Somos o Clube da Fé e acreditamos até o fim. Quando a torcida Bugrina já comemorava o título Wagner Basílio recebe de Gilmar, caminha alguns passos com a bola e manda um bico para a frente. A bola atravessa todo o campo, o baixinho Pita ganha a disputa de cabeça e manda a bola para a área. Um quique, Careca chega, de primeira acerta com o peito do pé. Nesse momento cada décimo de segundo parecia uma eternidade – novamente a relatividade do tempo – e o silêncio foi total. Ouvimos o barulho da bola estufando as redes do Guarani “schrrrrrrruuuuuuuuuuu”. Careca empatou o jogo. Vamos para os pênaltis.

O Guarani começa batendo. Gilmar defende o chute de Boiadeiro. Pepe escala nosso craque para o primeiro tiro: Careca bate colocado e perde o seu pênalti. Na sequência o Guarani marca, e Dario Pereyra manda uma bomba indefensável. Tudo igual. João Paulo manda por cima do gol. Era então a hora de nossos coadjuvantes. Rômulo cobra bem e abre vantagem em 2 x 1, zagueiro do Guarani cobra forte e marca. Fonseca converte e deixa o SPFC novamente à frente. Evair bate com muita categoria e empata em 3 x 3, mas o alviverde campineiro já havia cobrado suas cinco penalidades. O São Paulo tinha uma chance para liquidar a disputa.

Wagner Basílio vem atravessando o campo lentamente em nossa direção. Chega, ajeita a bola, toma distância e olha para o goleiro. Bate rasteiro, no canto, mas à meia força. Sergio Neri salta e toca na bola com sua luva amortecendo o chute. A bola passa por baixo da mão dele e entra mansamente no canto direito do goleiro, raspando na lateral da rede e morrendo devagarinho no fundo do gol.

São Paulo F.C. Bicampeão Brasileiro. Só quem estava lá ou acompanhou ao vivo pode saber da emoção desse momento.

Salve O Tricolor Paulista!