Flávio Marques

Endividamento do São Paulo Futebol Clube em 2020

Foram publicados oficialmente pelo Clube em 28 de abril de 2021 os demonstrativos financeiros relativos ao exercício fiscal 2020, encerrado em 31/12/2020. Com a divulgação dos documentos oficiais podemos registrar o valor total da dívida do clube a analisar cada um dos componentes que mais impactaram para que o Clube chegasse a essa situação. O resultado do exercício foi um novo prejuízo, desta vez de R$ 130 milhões e, sem recursos para suportar essas perdas, o clube recorreu ao aumento de endividamento para cumprir com obrigações. Vamos entender o que aconteceu nas principais contas do passivo (obrigações) do SPFC no ano de 2020.

  1. Endividamento Líquido de Curto e Longo Prazo

O clube utiliza em seus relatórios o conceito de “Endividamento Líquido”, definido pela diferença entre as obrigações (passivo, a pagar) e os direitos (ativo, a receber). O Balanço Patrimonial apresenta contas de passivo Circulante, de curto prazo, e Não Circulante, obrigações de longo prazo. Por curto prazo definem-se todas as obrigações com vencimento nos doze meses seguintes à data de encerramento do exercício fiscal. Em resumo, por dívida Circulante em 31/12/2020, entendem-se todas as dívidas com vencimento no ano de 2021.

Observamos no gráfico acima um crescimento excessivo do endividamento nos últimos dois anos, 2019 e 2020, principalmente o de curto prazo. Em 31/12/2020 o endividamento líquido chegou a R$ 575 milhões, sendo R$ 339 milhões com vencimentos de curto prazo. Foi um salto muito grande contra os R$ 270 milhões de endividamento total ao final de 2018, que incluía R$ 63 milhões na parcela Circulante (de curto prazo).

Dívidas de curto, ou mesmo curtíssimo prazo, pressionam o caixa da Instituição, e exigem medidas de caráter urgente. Para fazer frente à essas obrigações a administração incluiu na previsão orçamentária para 2021 a captação de R$ 190 milhões em novos empréstimos,  visando alongar o perfil da dívida. Essa solução, ainda que aparentemente necessária, me preocupa pois o endividamento bancário gera altos custos financeiros. Do prejuízo de R$ 130 milhões apurado em 2020, R$ 72 milhões foram provenientes de encargos financeiros.

  • Intermediações e Participação de Terceiros em Direitos Econômicos

Parcela muito significativa do crescimento do endividamento do Tricolor é devida ao aumento de valores a pagar em razão da participação de terceiros em direitos econômicos de atletas negociados pelo Clube, além de comissões pagas a intermediários em operações de venda ou de aquisição de direitos federativos de atletas profissionais. No final do ano de 2020 o SPFC tinha dívidas de R$ 66 milhões com terceiros detentores de parte de direitos e econômicos de atletas e com intermediários que atuaram na venda de direitos federativos. Surpreende porém, são os valores a pagar, no montante de R$ 40 milhões, a intermediários que atuaram na aquisição de direitos federativos de atletas pelo São Paulo. Do total dessa conta de passivo de R$ 106 milhões, R$ 75 milhões estão contabilizados como de curto prazo, vencendo em 2021.

O senso comum nos negócios é de que comissões são pagas aos intermediários pelo vendedor, aquele que recebe pela venda. Este caso do São Paulo Futebol Clube pagar altas somas a intermediários na aquisição de atletas mereceria uma análise mais profunda dos administradores.

A nossa dívida com terceiros e intermediários chega ao absurdo de ser maior do que o valor total que temos a receber de outras entidades esportivas, conforme mostrado no comparativo abaixo.

O valor a receber de entidades esportivas era de R$ 84 milhões em 31/12/2020, enquanto os valores a pagar a terceiros e intermediários chegaram a R$ 106 milhões.

É fundamental que a administração atual discipline e regularize o relacionamento com intermediários. O parecer do Conselho Fiscal nas demonstrações financeiras referentes a 2018 já alertava quanto à falta de parâmetros objetivos e claros no que se refere ao pagamento de intermediação na compra e venda de atletas.

Em um ano em que o SPFC apresentou vendas brutas de R$ 160 milhões em direitos federativos, e investiu R$ 25 milhões em aquisições de atletas profissionais, em um total de R$ 185 milhões em transações, é surpreendente um aumento da dívida com intermediários da ordem de R$ 38 milhões, ou quase 25% do total do movimento somado de entradas e saídas de jogadores.

  • Obrigações Trabalhistas e Direito de Imagem

Outra parcela que contribuiu muito com o aumento da dívida do SPFC é relativa a valores de obrigações trabalhistas e direitos de imagem. O aumento foi de R$ 45 milhões em 2020.

Surpreendidos, como todos os habitantes do planeta, pela pandemia do COVID-19, os gestores do São Paulo repactuaram com os atletas do time profissional o pagamento parcial dos salários e direitos de imagem. A expectativa era de que a crise seria passageira, e o acordo foi de pagar os saldos de salários e direitos de imagem em parcelas mensais iniciando em março de 2021.

Com essa renegociação o valor a pagar de obrigações trabalhistas, que já era muito alto no final de 2019, chegou a R$ 87 milhões. Não é possível afirmar com certeza, mas eu não descarto que essa alta dívida com os atletas tenha impactado negativamente o desempenho do time na reta final do Campeonato Brasileiro, quando perdemos um título que esteve muito próximo do Morumbi. O preocupante nessa situação é que o clube segue sem receitas de bilheteria, sem patrocinador master e sem perspectivas de aumentos de receitas em curto prazo que possam cobrir essa despesa extraordinária de quitação dos salários e direitos de imagem este ano. Se o Clube falhar em cumprir o combinado, muito provavelmente o moral do elenco será afetado.

  • Acordos Trabalhistas e Cíveis

Equívocos de gestões passadas assombram o Tricolor. Novos acordos e sentenças judiciais firmados em 2020 aumentaram em R$ 21 milhões a dívida do São Paulo.

Em 2019 o Clube sofreu uma série de condenações, grande parte delas referente a disputas sobre o valor de direito de arena pago a menor no início dos anos 2000, e também uma condenação no caso CET (R$ 25 milhões) , chegando a um montante de R$ 51 milhões a pagar em sentenças e acordos judiciais.

Em 2020 o saldo dessa conta de passivo foi impactado por R$ 9,5 milhões em acordos de rescisão contratual com jogadores do elenco profissional – Jucilei (R$ 7 milhões), Anderson Martins (R$ 1,4 milhão) e Alexandre Pato (R$ 1,1 milhão) – além do débito de R$ 14 milhões com a empresa Marshield Crédito e Participações, uma das envolvidas no “caso Ricardinho”. O valor total de R$ 72 milhões se constitui em uma das principais obrigações do Tricolor, sendo o montante de R$ 20 milhões com vencimentos de curto prazo.

Contratações equivocadas como a de Jucilei, que chegou ao Morumbi fora de seu melhor condicionamento físico, com altos salários e contrato de prazo longo, causam prejuízos técnicos e financeiros ao Clube. Que a administração atual seja mais conservadora ao utilizar o dinheiro do São Paulo, evitando a má aplicação dos escassos recursos disponíveis.

  • Dívida bancária e com terceiros

Ainda que tenha ocorrido uma pequena redução no saldo dessa conta no ano 2020, este é um dos principais componentes da dívida, e tem influência direta no resultado financeiro da Instituição devido à incidência de juros. A prioridade de qualquer administração do SPFC teia que ser uma redução expressiva desses valores devidos principalmente a bancos e entidades financeiras.

Em 31/12/2020 o São Paulo devia R$ 154 milhões a bancos, dos quais R$ 126 milhões com vencimentos no ano 2021, portanto de curto prazo. A dívida com terceiros, pessoas físicas ou entidades não financeiras continua na casa de R$ 30 milhões, com pequena redução em comparação a 2019. O SPFC tem como credores, entre outros, os agentes André Cury (R$ 16 milhões) e Carlos Leite (R$ 5 milhões).

Empréstimos de agentes de jogadores podem criar situações de conflito de interesses, e deveriam ser evitados. Em 2019 André Cury, como pessoa física, emprestou ao São Paulo um valor próximo a R$ 14 milhões, para que o Tricolor pagasse o Cruzeiro à vista pela compra do atacante Raniel. Raniel, que ficou pouco tempo no Morumbi e depois foi para o Santos, é representado pela empresa Link Assessoria, de propriedade de André Cury. Essa mesma empresa Link Assessoria, de André Cury, tem um saldo a receber do SPFC de R$ 4 milhões por atuar na intermediação de aquisição de direitos federativos (não identificados nos demonstrativos) , e ainda R$ 7,4 milhões de crédito a receber pela atuação nas vendas de Paulo Henrique Ganso (R$ 4 milhões) e Lucas Pratto (R$ 3,4 milhões).

A dívida com bancos penaliza o Clube pela incidência de despesas financeiras. O resultado financeiro de 2020, despesas financeiras menos receitas financeiras, foi de R$ 72 milhões a pagar, representando mais de metade do prejuízo total apurado pela Instituição no período. Esses custos financeiros vinham sendo reduzidos entre 2016 e 2018, mas cresceram exponencialmente nos dois últimos anos, como mostrado abaixo.

  • Outras contas

As demais contas do passivo tiveram variações pequenas no período, inclusive com algumas reduções de endividamento como o do valor devido a outras entidades esportivas. Observamos que o SPFC segue amortizando suas dívidas tributárias parceladas (PROFUT), o que é essencial para que o Clube possa continuar se beneficiando do programa.

A “Provisão para Contingências”, espécie de reserva para emergências, no valor de R$ 45,6 milhões a meu ver está subdimensionada. Segundo os relatórios, essa provisão foi constituída tendo por base os processos judiciais em que nossos assessores jurídicos consideram as perdas como “prováveis”. Ainda que tenha diminuído o valor em comparação com 2019, o São Paulo tem disputas judiciais no valor de R$ 129 milhões (eram R$ 407 milhões em Dezembro de 2019), consideradas como de perda “possível” e que não tem cobertura nessa provisão.

  • Conclusão

Após três anos seguidos de redução consistente no endividamento do Clube, entre 2016 e 2018, nos dois últimos anos (2019 e 2020) observamos um descontrole na gestão financeira do SPFC. Que essas análises sirvam de alerta para a nova gestão do São Paulo Futebol Clube que está iniciando agora seus trabalhos.

Lembro que este trabalho está baseado nos números oficiais publicados pelo São Paulo, e que todos os saldos aqui apresentados tem por data base o dia 31/12/2020. Recentemente em entrevista para o programa “Estádio 97”, Carlos Belmonte, Diretor Institucional de Futebol do SPFC, declarou que a dívida no início de Abril de 2021 era da ordem de R$ 654 milhões. A previsão orçamentária aprovada pelo Conselho Deliberativo para o ano 2021 inclui a tomada de R$ 190 milhões em novos empréstimos bancários para assegurar o giro da Instituição. Vemos portanto que a dívida segue aumentando, ao menos nestes primeiros meses do ano.

O equilíbrio financeiro é essencial para o sucesso do time a longo prazo. A prioridade da atual gestão teria que ser a de equilibrar receitas e despesas e reduzir substancialmente as dívidas onerosas, aquelas com entidades financeiras, que sangram os cofres da Instituição por meio da cobrança de juros.

Que os erros da administração passada sirvam de exemplo e aprendizado para os atuais gestores do São Paulo Futebol Clube. O presidente Julio Casares não pode alegar desconhecimento da situação, uma vez que participou do Conselho de Administração, órgão de gestão do clube, durante o mandato de Carlos Augusto de Barros e Silva. Espero que os atos da nova administração não repitam os equívocos que temos observado há anos, e que o Clube recupere sua imagem de exemplo de gestão entre seus pares no futebol Brasileiro.

6 comentários em “Flávio Marques

  1. É Flávio. E a dívida só cresce e nada de novas receitas. Perdemos o troco do bondoso Rubem Menim, contratamos comissão técnica a peso de ouro, alguns jogadores sobrevalorizados em transações misteriosas( Quanto foi que o São Paulo realmente pagou pelo Benítez? Não existe na imprensa uma nota que esclareça.)

    O jeito é rezar para que o Alex e Muricy consigam elevar a qualidade dos jogadores da base. Realisticamente, só assim para sair do buraco.

  2. Bom dia Paulo Pontes e leitores do Tricolornaweb!

    Obrigado pelo espaço para a publicação de material de interesse da torcida Tricolor.

    Nos Sábados de Maio serão publicados aqui, como faço já há quatro anos, artigos analisando detalhadamente as finanças do Tricolor.

    Hoje o tema é a dívida, analisando os motivos do crescimento acelerado de nossos débitos.

    Nas próximas semanas cobriremos o déficit dos últimos exercícios, e faremos os comparativos de receitas e resultados do futebol com os demais times da Série A.

    Comentem. Se gostaram, compartilhem.

    Flavio Marques

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