Flávio Marques 22.05

Entre os anos de 2016 e 2020, inclusive, o São Paulo Futebol Clube não conquistou nenhum título no futebol profissional. Colecionou fracassos e vexames no período, como eliminações para equipes de menor investimento, e permitiu que nossos adversários diretos nos ultrapassassem em quantidade de títulos nacionais e se aproximassem em conquistas internacionais. Quem conhece a situação financeira difícil e alto endividamento do clube poderia pensar que o baixo desempenho foi devido à falta de recursos para montar uma equipe competitiva. Nas próximas páginas mostraremos que a falta de conquistas nos últimos anos não tem nenhuma relação com falta de investimento no time. Não faltou dinheiro. Faltou gestão.

Adotamos como critério de seleção para participar do comparativo ter disputado o Campeonato Brasileiro da Série A em todos os anos entre 2016 e 2020, sem ter sido rebaixado em 2020. Esse filtro permite que comparemos equipes com nível equivalente de competitividade ao longo do período de análise. A principal métrica de comparação entre os times em cada ano é a pontuação no Campeonato Brasileiro da Série A, competição que ocupa oito meses do nosso calendário e que exige de todos os participantes uma boa administração de elenco e de todas as variáveis que influenciam no resultado esportivo ao longo de uma temporada. Vamos também listar as conquistas em torneios de menor duração como os Estaduais, Regionais, Copas do Brasil, Sul Americana e Libertadores, competições que acontecem como uma forma de pré temporada, no caso dos Estaduais ou Regionais, ou concomitantes com a disputa do Brasileirão.

Na tabela abaixo vemos o quanto cada clube gastou com seu futebol profissional e de base nos anos de 2016 a 2020.

O São Paulo Futebol Clube gastou no período o total de UM BILHÃO, SEISCENTOS E OITENTA E SEIS MILHÕES DE REAIS, tendo sido o quarto clube que mais investiu no futebol brasileiro. Apenas Palmeiras, Flamengo e Corinthians gastaram mais o que o SPFC nesses cinco anos.

Aqui estão computadas todos as despesas listadas pelo clubes em seus demonstrativos financeiros. Folha salarial, encargos trabalhistas, benefícios, direitos de imagem, despesas com jogos, arbitragem, viagens, federações, amortização de direitos econômicos, comissões a agentes, acordos judiciais e despesas gerais.

O desempenho dos clubes em termos de classificação no Campeonato Brasileiro não acompanhou o valor dispendido por cada agremiação. Veja abaixo as classificações.

Aqui vemos que em um hipotético ranking das classificações, obtido pela soma das posições dos clubes no Campeonato Brasileiro a cada ano, o SPFC seria apenas o sétimo classificado, mesmo tendo sido o quarto que mais gastou no intervalo de tempo considerado.

Em todo os anos deste estudo o Tricolor esteve entre os quatro que mais gastaram dinheiro com futebol, mas o time terminou classificado entre as quatro primeiras posições apenas uma vez, na temporada 2020.

Flamengo e Palmeiras estiveram no G4 em quatro das cinco temporadas consideradas, Grêmio e Santos por três vezes cada um e o Atlético MG por duas vezes terminaram entre os quatro melhor classificados do Brasileirão. A melhor classificação do São Paulo foi o quarto lugar da temporada 2020. O Corinthians esteve também apena uma vez entre os quatro primeiros, em 2017 quando ganhou o campeonato. Athlético PR e Fluminense tiveram como melhor classificação no intervalo um quinto lugar cada um, respectivamente em 2019 e 2020.

Em termos de pontos conquistados ao longo das temporadas este é o quadro.

O São Paulo somou menos pontos que Santos e Grêmio, e ficou tecnicamente empatado com o Atlético MG. Ao longo dos anos deste estudo, o SPFC bateu apenas o Fluminense em pontuação em cada uma das temporadas.

Resumindo as informações que vimos até aqui.

O Flamengo gastou DOIS BILHÕES E SETENTA E SEIS MILHÕES DE REAIS nas cinco temporadas consideradas, 23% a mais do que o gasto do Tricolor, para somar 360 pontos, 22% a mais. O custo médio por ponto do rubro-negro foi de R$ 5,8 milhões, próximo ao do SPFC, mas os cariocas nesse período ganharam dois Brasileiros, três Estaduais, e a Libertadores 2019.

Entre os “primos ricos”, o Palmeiras foi o que mais investiu em seu futebol, com um total de DOIS BILHÕES, DUZENTOS E SETENTA E SETE MILHÕES DE REAIS, 35% a mais do que o São Paulo Futebol Clube. Somou 355 pontos em Brasileiros (21% a mais do que o SPFC), com um custo médio de R$ 6,4 milhões por ponto conquistado, tendo sido duas vezes campeão no intervalo. Como bônus o Palestra ainda levou um Estadual, uma Copa do Brasil e a Libertadores 2020.

O Santos Futebol Clube, com sérias limitações financeiras, alto endividamento, instabilidade política na Instituição e constantes substituições no comando do time, gastou UM BILHÃO E OITENTA E OITO MILHÕES DE REAIS, 35% a menos do que o São Paulo, para somar 312 pontos (6% a mais). O custo médio de cada ponto conquistado pelo Peixe foi de R$ 3,5 milhões, 39% menor do que o custo médio do Tricolor. Mesmo com todas as dificuldades o Santos ainda conquistou um Estadual, esteve melhor classificado que o São Paulo em três dos cinco anos de cobertura desta análise – incluindo dois vice campeonatos Brasileiros – e chegou à final da Libertadores 2020. O Santos está entre os times mais eficientes na aplicação de recursos.

Grêmio e Atlético MG tiveram gastos parecidos e soma próxima de pontos entre si no Campeonato Brasileiro.

Os gaúchos gastaram 22% a menos do que o São Paulo, somando 4% a mais de pontos, com custo médio de R$ 4,3 milhões por ponto (25% inferior à do SPFC). O Grêmio terminou à frente do São Paulo em quatro das cinco edições do Brasileiro do período, é o atual tricampeão de seu Estado, ganhou a Copa do Brasil em 2016 e a Libertadores 2017. Sabendo que não tinham recursos financeiros para disputar de igual para igual com os times de São Paulo e o Flamengo, a diretoria gremista fez uma clara opção pelas Copas, deixando de lado em alguns momentos o Campeonato Brasileiro, e mesmo assim chegaram à frente do SPFC em quatro dos cinco anos aqui considerados. Em 2020 o Grêmio chegou à final da Copa do Brasil, eliminando o São Paulo na semifinal.

O Galo investiu 24% menos do que o Tricolor, para alcançar praticamente a mesma pontuação na soma das cinco temporadas (291 x 294 pontos). O custo médio dos pontos dos mineiros foi de R$ 4,4 milhões, 23% menor do que o do São Paulo. O Atlético terminou à frente do SPFC em três dos cinco anos desta amostra, nesse intervalo venceu por duas vezes seu Estadual e foi finalista da Copa do Brasil em 2016.

O Athlético Paranaense gastou NOVECENTOS E SESSENTA E TRÊS MILHÕES DE REAIS, 43% a menos que o São Paulo, obtendo pontuação apenas 4% inferior na soma das cinco temporadas. O custo médio dos pontos do Athlético PR foi de R$ 3,4 milhões, 40% abaixo (melhor) do que o custo do SPFC. Jogando o Campeonato Paranaense com o seu time Sub 23, o Furacão conquistou por quatro vezes o seu Estadual no período. Espelhado no modelo do Grêmio, o Athlético priorizou as Copas e venceu uma Sul Americana (2018) e uma Copa do Brasil (2019). O Athlético PR apresentou portanto a melhor relação custo x benefício deste estudo, pois sem ter investido grandes recursos alcançou resultados esportivos significativos.

O Corinthians sabidamente não é exemplo de administração. O alvinegro da zona leste da Capital gastou UM BILHÃO, NOVECENTOS E DEZESSEIS MILHÕES DE REAIS, 14% a mais do que o  São Paulo e foi o terceiro clube que mais investiu no futebol entre 2016 e 2020. Os pontos somados no Campeonato Brasileiro das últimas cinco temporadas chegaram a 278, 5% a menos que a soma do Tricolor. O custo médio por ponto somado do Corinthians foi o mais alto (pior) deste comparativo, atingindo R$ 6,9 milhões. Apesar da baixa eficiência na aplicação dos recursos, o Corinthians venceu o Brasileiro 2017 e teve supremacia no Campeonato Paulista, com três títulos conquistados.

Fecho este comparativo com os dados do Fluminense. O Tricolor das Laranjeiras gastou 51% a menos do que o SPFC, para somar 86% dos pontos nos Brasileiros. O custo médio de R$ 3,3 milhões por ponto é equivalente ao de Santos e Athlético PR, e 42% inferior (melhor) do que o do SPFC. O Fluminense é o único time deste comparativo que obteve classificação pior do que a do São Paulo em cada um dos anos do intervalo de análise. O Fluminense, porém, teve uma conquista no período, ao contrário do São Paulo que seguiu no jejum de títulos. O Fluminense venceu em 2016 a “Primeira Liga”, campeonato Regional que contava com a participação da dupla Fla-Flu, os grandes de Minas e Rio Grande do Sul, a dupla Athle-Tiba entre outros. Foi um torneio oficial, de nível técnico superior ao da maioria dos Estaduais.

Resumo e conclusões

O gráfico abaixo resume tudo o que apresentamos até agora.

Vimos que a ausência de conquistas não tem relação direta com uma falta de investimento do São Paulo Futebol Clube, pelo contrário, equipes que investiram muito menos alcançaram resultados esportivos relevantes. A seguir listo aquelas que são, em minha opinião, as principais causas de nosso fracasso.

Péssimas contratações:

Entre 2016 e 2020 o Tricolor contratou sessenta jogadores, investindo mais de R$ 409 milhões em contratações. A enorme maioria foi de fracassos esportivos e financeiros. Casos como o de Jucilei, que chegou ao Morumbi com um alto salário e cinco anos de contrato, e que teve o vínculo rescindido após dois anos, mas com o custo total a ser pago pelo São Paulo nos próximos anos, ou de Everton Felipe, que custou R$ 6 milhões (só em direitos econômicos) em 2018 e que emprestamos ano passado sem custo ao Atlético de Goiás e ainda pagando parte do salário.

Como evitar a repetição dos erros: critérios técnicos objetivos na seleção de atletas, assim coo de treinadores, para contratação. Priorizar a promoção de atletas da base para a reposição natural de elenco, e contratar jogadores “prontos” para efetivamente reforçar a equipe quando necessário. Estabelecer critérios para pagamento de comissões de intermediários. Hoje o SPFC deve mais de R$ 100 milhões apenas a agentes que atuaram na intermediação de venda ou compra de direitos econômicos.

Falhas na gestão de pessoas (vestiário):

Diego Souza chegou ao SPFC em janeiro de 2018 como jogador de nível de seleção Brasileira, e seu “passe” nos custou R$ 10  milhões pagos ao Sport Recife mais R$ 3 milhões entre comissões de agente e luvas. Após fracasso na reta final do Brasileirão 2018, conflitos internos vieram á público e Diego Souza foi acusado de prejudicar o ambiente. Emprestado sem custo ao Botafogo em 2019, não teve proposta para renovação de seu contrato. O mesmo jogador, aos 35 anos e sob comando de Renato Portalupi no Grêmio, foi o artilheiro da temporada 2020 no Brasil com 28 gols marcados, inclusive o que eliminou o SPFC na semifinal da Copa do Brasil. Claramente problemas internos que poderiam ter sido melhor administrados resultaram em prejuízo esportivo e financeiro para o Clube.

Como evitar a repetição dos erros: contratar um Diretor Executivo de Futebol com competência reconhecida no mercado, e dar respaldo a esse profissional para administrar todas as questões, exceto as de competência da Comissão Técnica. Aqui é importante que não ocorram interferências externas no trabalho de profissional da área.

Falta de foco:

Sabendo que não teria elenco suficiente para disputar três competições simultâneas sem colocar em risco a integridade dos atletas, o Grêmio privilegiou as Copas em diversas ocasiões.  Com isso conseguiu conquistar altos objetivos como uma Copa do Brasil e uma Libertadores. O São Paulo em nenhum momento deixou claras suas prioridades. Essa falta de foco se reflete inclusive na forma em que os jogadores encaram os jogos. Se os comandantes não deixam claro qual o objetivo em cada competição, como esperar que os atletas atuem conforme esperado?

Como evitar a repetição dos erros: a alta gestão tem que determinar as prioridades, mesmo que isso em alguns momentos represente o sacrifício de pontos em determinadas competições. A estratégia tem que vir dos níveis mais altos da Instituição, e ser colocada em prática pelos níveis executivos e pela Comissão Técnica.

Posfácio:

Ainda é cedo para avaliar se as contratações da nova gestão terão um nível de sucesso mais elevado do que as da diretoria anterior, mas pelo que vemos na imprensa os processos parecem ser mais profissionais do que se fazia na gestão Raí / Leco. O processo de seleção de Crespo, com o Clube entrevistando diversos candidatos e utilizando critérios equivalentes ao de grandes empresas para a escolha final me pareceu muito positivo. Espero que ao longo do mandato não ocorram interferências externas que façam voltar a prática de contratações por indicação, sem critérios técnicos e sem ponderação dos impactos financeiros na Instituição.

O discurso de Carlos Belmonte está alinhado com a questão de entender como crítica a gestão de pessoas. Que Rui Costa tenha o respaldo necessário para exercer bem suas funções, e que não retornemos ao ambiente de busca de culpados e lavagem de roupa suja em público.

Acompanharemos com atenção.

Hoje, 22 de maio de 2021, quando publicamos este artigo, o Tricolor está às vésperas de enfrentar o Palmeiras no segundo jogo da final do Campeonato Paulista 2021. Após o empate na primeira partida no Estádio Palestra Itália, a decisão será no Cícero Pompeu de Toledo e os times entram em igualdade de condições. Na reta final do Paulista a orientação foi clara para priorizar a conquista do título, em detrimento de lutar pelo primeiro lugar de seu grupo na Libertadores. Não se pode acusar Belmonte de não ter um foco bem definido, concordemos ou não com essa decisão. Que essa firmeza de opinião continue ao longo da gestão, e que o Diretor Institucional de Futebol não recue para atender outros interesses.

Ganhar um Campeonato Paulista pode não ser uma grande conquista, ainda mais se levarmos em conta a tradição vencedora do São Paulo, mas será o primeiro passo para colocar o Tricolor de novo no trilho das vitórias. Vamos torcer!

3 comentários em “Flávio Marques 22.05

  1. Excelente apresentação. Muito interessante suas conclusões sobre as causas e possíveis medidas corretivas. Fica claro que o clube não escolheu nos últimos anos gente capacitada para administra-lo, apenas a política prevaleceu. Os números dos últimos 5 anos são a extensão do que já vinha ocorrendo nos 5 ou 6 anteriores. Espero que esta nova gestão consiga recolocar as coisas em seu devido lugar
    Parabéns pelo trabalho
    Abraço tricolor.

  2. Obrigado Paulo Pontes pelo espaço e apoio para estas publicações.

    Obrigado aos leitores do Tricolornaweb pela atenção. Comentários e debates de ideias são muito bem vindos.

    Com o comparativo de gastos dos principais times Brasileiros nos últimos cinco anos – 2016 a 2020 – finalizamos a série deste ano com análise dos resultados das demonstrações financeiras do SPFC 2020.

    Seguem as colunas mensais no Tricolornaweb, sempre na primeira terça-feira de cada mês, abordando assuntos de atualidades do SPFC e participarei aqui com colaborações eventuais.

    Incentivo os leitores e comentaristas frequentes do portal Tricolornaweb a participar aqui deste espaço.

    Conte sua história de São-paulino, comente sobre atualidades – treinador, elenco, campeonatos – ou grandes momentos do Tricolor.

    Tenham todos um ótimo final de semana com o São Paulo campeão Paulista de 2021.

    Vamos São Paulo!

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