PCC lavou dinheiro com agentes de jogadores de grandes clubes

Promotores do Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo têm em mãos mensagens, contratos e o depoimento do empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, de 38 anos, que acusa dirigentes ligados a empresas que cuidam da carreira de jogadores de futebol de lavar dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC). Os crimes investigados por enquanto não têm relação com atletas, cartolas e clubes, mas o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) apura se a origem dos recursos para a negociação de atletas foi o tráfico de drogas.

No acordo de delação, Gritzbach trata da atuação do empresário de futebol Danilo Lima de Oliveira, o Tripa, da Lion Soccer Sports. Ele ainda teria participação na UJ Football Talent. Outro empresário apontado pelo delator como relacionado à lavagem de dinheiro do PCC é Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC, que teria participado do cotidiano das decisões da FFP Agency Ltda, do empresário Felipe D’Emílio Paiva, até ser assassinado no ano passado. Procuradas, a FFP disse não ter conhecimento da delação e a Lion não foi localizada.

As três empresas investigadas são nomes de porte nesse segmento que agenciam ou já agenciaram jogadores como Emerson Royal (atualmente no Milan), Eder Militão, (Real Madrid), Du Queiroz (ex-Corinthians e agora no Grêmio) e Igor Formiga (também ex-Corinthians e agora defendendo o Novorizontino). São citados ainda na investigação do MPE Gustavo Scarpa (Atlético-MG), Felipe Negrucci e Caio Matheus (ambos da base do São Paulo), Marcio Bambu (aposentado), Guilherme Biro (Corinthians) e Murillo (ex-zagueiro do time do Parque São Jorge e hoje no Nottingham Forest, da Inglaterra). Todos eles aparecem nas páginas oficiais das duas empresas investigadas como sendo clientes ou ex-clientes.

Gritzbach, o empresário delator, está no centro de uma das maiores investigações feitas até hoje sobre a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas em São Paulo, envolvendo os negócios da facção paulista na região do Tatuapé, bairro da zona leste paulistana. Acusado pelo PCC de ter dado um desfalque de R$ 100 milhões em bitcoins nas finanças da facção, Gritzbach resolveu apresentar sua versão sobre os negócios do crime organizado no futebol ao assinar um acordo de delação premiada com o Gaeco. Um de seus anexos é o chamado PCC Futebol Clube. A delação foi proposta pela defesa em setembro de 2023. O Gaeco concordou com a delação e o acordo homologado pela Justiça em abril de 2024.

Segundo a delação de Gritzbach, o empresário Danilo Lima de Oliveira, o Tripa, da Lion Soccer Sports, colocaria parte de seus jogadores na agência UJ Football Talent, que “não teria lastro financeiro, se enquadra no Simples e possui vários jogadores”. Segundo o delator, Tripa não é dono da empresa, mas tem participação. O sócio é o ex-atleta Ulisses Jorge.

A UJ Football se define como uma “assessoria esportiva com expertise internacional em promover sonhos de atletas desde 2010″. O principal cliente é Éder Militão, zagueiro revelado pelo São Paulo e que hoje defende o Real Madrid e a seleção brasileira.

O delator diz que Danilo agenciou outros jogadores, como Emerson Royal, Marcio Bambu, Guilherme Biro, Du Queiroz e Murillo. O empresário Ulisses Jorge não foi localizado pela reportagem.

Já a FFP Agency Ltda., a outra empresa apontada pelo delator como relacionada aos acusados de lavar de dinheiro do PCC, agencia, segundo os dados do acordo de delação com o Ministério Público, os jogadores Caio Matheus, Felipe Negrucci, Du Queiroz e Igor Formiga. Como prova da ligação da empresa com integrantes do PCC, o delator entregou cópias de conversas de WhatsApp do empresário Felipe D’Emílio Paiva com Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC, um dos homens fortes da facção, encontrado morto na garagem de um prédio no Tatuapé em 2023. Gritzbach afirmou que conheceu Maeda como piloto de fórmula HB20 e vendedor de carros.

Ao Estadão, A FFP disse que “não tem conhecimento da alegada delação” e que “todas as transações realizadas são pautadas na transparência e na legalidade”.

Nas conversas, Maeda e Felipe tratam da contratação de jogadores e da assinatura de contratos, além de pagamentos em real e euro. Filipe Tancredi, outro sócio da FFP, menciona o desejo de ter como cliente o zagueiro Bremer, na época no Torino e hoje na Juventus. O atleta, porém, não assinou contrato com a agência. Ele é agenciado por outra empresa.

Há fotos de jogadores e de montes de dinheiro. Existem ainda menções sobre negociações de atletas com o ex-presidente do Corinthians Duílio Monteiro Alves e com o ex-técnico do sub-20 do time, o ex-jogador Danilo, a quem pediriam referência sobre atletas.

Ao Estadão, por meio de sua assessoria, Duílio afirmou que “nunca manteve relação pessoal nem comercial com Japa”. Também disse não ter trocado mensagens com Japa. O dirigente alegou que, por ter sido presidente do Corinthians, um dos maiores clubes do País, era normal que seu nome fosse citado muitas vezes em negociações de atletas.

O Corinthians disse que recebeu “com enorme surpresa a notícia da possibilidade de atletas supostamente agenciados por integrantes do crime organizado terem formalizado contratos com o clube” e ressaltou que tais contratos teriam sido celebrados anteriormente à gestão atual. O clube também afirmou que está “à disposição para fornecer quaisquer documentos que as autoridades reputem importantes e, também, prestar qualquer esclarecimento necessário à completa apuração dos fatos”.

O Estadão procurou São Paulo, Grêmio, Novorizontino e Atlético-MG. Os tricolores paulista e gaúcho afirmaram que não vão se posicionar, enquanto os outros dois clubes até as 21h15 não haviam dado retorno. Também entrou em contato com Real Madrid, Milan, Juventus e Nottingham Forest, mas devido ao fuso horário na Europa o expediente já tinha sido encerrado. Caso os clubes se manifestem sobre a delação envolvendo empresas que agenciam ou agenciaram seus atletas, as informações serão imediatamente acrescentadas à reportagem.

Por fim, Gritzbach entregou aos investigadores comprovantes de pagamentos feitos pela FFP para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para mostrar que Maeda tinha conhecimento do cotidiano da empresa. Para ter licença da Fifa e poder operar no Brasil, um agente de jogador ou dono de empresa que agencia atletas tem de pagar R$ 8 mil – uma única vez – e R$ 250 a cada atleta registrado.

Sequestro e mortes no Tatuapé
Maeda e Tripa são suspeitos de agir a mando de um dos maiores traficantes do PCC: Anselmo Bechelli Santa Fausta, o Cara Preta ou Magrelo, lavando recursos da venda de entorpecentes. Gritzbach afirma que Tripa é ligado à facção e participou ao lado de Maeda do sequestro do qual ele foi vítima, quando o PCC ameaçou matá-lo em razão justamente do assassinato de Anselmo, ocorrido em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé. Gritzbach é acusado de ser mandante do crime – ele alega inocência.

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Gritzbach teria sido levado para um imóvel do tribunal do crime. Tripa, segundo ele, obrigou o empresário a telefonar para sua família para se despedir. E pôs luvas cirúrgicas dizendo que iria esquartejá-lo, exibindo à vítima o filme em que outro acusado do crime, Noé Alves Schaum, foi esquartejado por um integrante do PCC conhecido como Klaus Barbie, uma referência ao oficial nazista que atuou na França ocupada durante a 2ª Guerra, onde se tornou o Carniceiro de Lyon..

A cabeça de Schaum foi deixada na mesma praça onde Cara Preta e seu motorista, Antonio Corona Neto, o Sem Sangue, foram executados. Já o corpo foi deixado em Suzano, na Grande São Paulo.

Solto pelo tribunal do crime da facção com o compromisso de devolver o dinheiro das bitcoins, Gritzbach acabou preso pela polícia. Atualmente, ele está em prisão domiciliar e escapou de um atentado em que um tiro de fuzil foi disparado contra a janela de seu apartamento na véspera do Natal de 2023, quando já negociava a delação premiada. Tanto Tripa quanto Maeda negaram as acusações quando foram ouvidos pela polícia em 2022.

Agora, os promotores estão ouvindo o delator para recolher mais provas sobre o suposto esquema de lavagem de dinheiro e compreender como os recursos do tráfico internacional de drogas eram esquentados no negócio de compra e venda de atletas.

 

 

Fonte: O Estado de São Paulo

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