Oito anos separam Muricy Ramalho e Jorge José de Amorim Campos. A idade, porém, é apenas uma das muitas diferenças entre os dois. Unidos pelo futebol e vencedores por natureza, os treinadores que iniciam nesta quarta-feira a disputa por um lugar na decisão da Sul-Americana usam trajetórias próprias para escrever a história cada um à sua maneira. Muricy busca a redenção com o São Paulo, clube que marcou sua vida esportiva. Jorginho tenta levar a Ponte Preta, uma paixão recente, ao inédito lugar mais alto do pódio. O caminho de cada para alcançar esse objetivo, porém, foi bem diferente.

Enquanto Muricy teve uma carreira curta como jogador, apesar do reconhecido talento com a bola nos pés, Jorginho se destacou pela longevidade de quase 20 anos como profissional, por clubes do Brasil, Alemanha e Japão. No banco de reservas, porém, a situação se inverteu completamente: o tricolor coleciona títulos e recordes à beira do campo, enquanto o pontepretano – apesar da passagem pela Seleção como assistente de Dunga, entre 2006 e 2010, – ainda busca um lugar de destaque entre os treinadores emergentes.
Confira a trajetória de cada um em destaque abaixo.
Os estilos se contrapõem na semifinal brasileira da Sul-Americana. Muricy e Jorginho iniciam nesta quarta-feira, no Morumbi, a briga para ver quem enfrentará Lanús ou Libertad na final do segundo torneio mais importante do continente. Quando a bola rolar, o respeito e a admiração são deixados de lado.
– O Muricy é um dos melhores do Brasil. Ao lado de Vanderlei Luxemburgo, tem um dos currículos mais vitoriosos como técnico. Com o jeitão dele, é um cara autêntico, transparente. Gosto disso nele. O São Paulo melhorou muito em suas mãos. Os resultados e estilo dele fazem os jogadores respeitarem suas orientações. Isso é fundamental para um treinador ter sucesso – elogia Jorginho, o aprendiz na disputa.
Muricy Ramalho | Jorge José de Amorim Campos |
30 de novembro de 1955 (57 anos) | 17 de agosto de 1964 (49 anos) |
Natural de São Paulo (SP) | Natural do Rio de Janeiro (RJ) |
Como jogador: São Paulo (1973 a 1979) e Puebla-MEX (1979 a 1985) |
Como jogador: América-RJ (1983-84), Flamengo (84-89), Bayer Leverkusen-ALE (89-92), Bayern de Munique-ALE (92-95), Kashima Antlers-JAP (95-98), São Paulo (99), Vasco (2000-01) e Fluminense (2001) |
Como técnico: Puebla-MEX (93), São Paulo (94-96, 2006-09 e a partir de 2013), Guarani (97), Shanghai Shenhua (98), Ituano (98), Botafogo-SP (99), Portuguesa Santista (2000), Náutico (2001-02), Santa Cruz (2001), Figueirense (2002), Internacional (2003, 2004-05), São Caetano (2004), Palmeiras (2009-10), Fluminense (2010-11) e Santos (2011-13). |
Como técnico: América-RJ (2005-06), Seleção Brasileira (2006-10), Goiás (2010), Figueirense (2011), Kashima Antlers-JAP (2012), Flamengo (2013) e Ponte Preta (2013). |

começo pelo São Paulo (Foto: Gazeta Press)
Jogadores: rebelde x bom moço
Muricy despontou nas categorias de base do São Paulo nos anos 70 como um grande candidato a craque e novo ídolo tricolor. Meio-campista extremamente habilidoso, de cabelos longos e estilo bad-boy, virou estrela antes mesmo de chegar ao time profissional, levando grandes públicos para acompanhá-lo em jogos dos aspirantes (categoria anterior à profissional na época). Era rápido e logo ganhou espaço na equipe de cima do Morumbi, apesar dos entreveros com alguns técnicos – o argentino José Poy, especialmente.
Seu melhor momento foi no Campeonato Paulista de 1975, quando foi considerado a revelação do torneio e ajudou a conduzir o time ao título. O futuro brilhante, porém, esbarrou nas lesões, sobretudo nos joelhos. Por conta disso, ficou fora de toda a campanha do título brasileiro de 77 e perdeu as chances que tinha de disputar a Copa do Mundo do ano seguinte, a grande frustração de sua carreira de atleta. Em seguida, atuou e encerrou a carreira no Puebla, do México, em 1985.
Dois anos antes, a outra metade do duelo desta quarta iniciava a carreira. Lateral-direito dotado de extrema técnica, Jorginho não seguiu os passos rebeldes do colega Muricy. Cabelos discretos, religiosidade e muito foco eram a sua marca desde o início, no América-RJ. De lá, mudou-se para o Flamengo, onde herdou a camisa 2 de Leandro. Aliás, não só no rubro-negro, sua casa por cinco anos, mas também na Seleção Brasileira.
Daí para o sucesso foi um passo. Campeão carioca pelo Fla, chamou atenção do Bayer Leverkusen, por quem venceu uma Copa da Alemanha e a Bundesliga de 1994. Neste mesmo ano, alcançou a maior glória de sua carreira: o tetracampeonato mundial pelo Brasil, como titular absoluto da lateral, aos 29 anos. Jorginho ainda teve bons momentos com as camisas de Bayern de Munique, Kashima Antlers, São Paulo e Vasco. Foram 30 títulos como atleta.

Técnicos: regularidade contra lampejos
Enquanto Jorginho alçava o ponto máximo da carreira de jogador, Muricy iniciava a caminhada como técnico em grande estilo. Auxiliar de Telê Santana, comandou o Expressinho do São Paulo, formado apenas por garotos da base, na conquista da Copa Conmebol de 94. Com a isquemia sofrida pelo técnico principal, ele dirigiu o time até a contratação de Carlos Alberto Parreira, dois anos depois. Voltou após a demissão do tetracampeão, mas caiu em 97 pelo mau início no Campeonato Paulista.
O recomeço, longe do Morumbi, foi digno de um cigano, mas vitorioso com o passar dos anos. Foram passagens por Guarani, Shangai Shenhua (China), Ituano, Botafogo-SP, Portuguesa Santista, Náutico, Santa Cruz, Figueirense, São Caetano, Internacional. Em 2006, voltou ao São Paulo para brilhar com o tricampeonato brasileiro. Depois, perdeu na reta final um Brasileirão pelo Palmeiras e levou o título com o Fluminense, de onde quase assumiu a Seleção Brasileira, após a passagem da dupla Dunga e Jorginho.

A consolidação do nome de Muricy no mercado contrastou com a evolução do ex-lateral. Depois de ser vice-campeão carioca pelo América-RJ em 2006, Jorginho foi braço direito de Dunga durante o ciclo da Copa da África do Sul. Com a amarelinha que tão bem conhece, conquistou Copa América, uma Copa das Confederações e a liderança das Eliminatórias, mas sucumbiu no pior momento. No Mundial de 2010, caiu nas quartas de final para a Holanda e encerrou a passagem pela Seleção.
O abismo entre Muricy e Jorginho ficou ainda maior. Enquanto o ex-meia levou o Flu ao título brasileiro e arrebatou a primeira Libertadores da carreira no comando do Santos, o lateral do tetra sofreu com o rebaixamento do Goiás à Série B e perdeu, por muito pouco, a chance de levar o Figueirense ao primeiro torneio internacional da sua história.

Os dois só se reaproximaram em 2013. Muricy deixou o Santos em maio, mesmo caminho de Jorginho no Flamengo, em junho. Depois das férias forçadas, cada um assumiu um desafio. O experiente treinador reatou o caso de amor com o São Paulo: recuperou jogadores desacreditados, tirou a equipe da zona do rebaixamento do Brasileirão e a colocou na briga pelo bicampeonato da Copa Sul-Americana. Já o “novato” aceitou a missão de liderar a Ponte. Se o futuro no Brasileiro indica o rebaixamento, a busca pelo primeiro título da Macaca em 113 anos motiva treinador e elenco.
– Ainda é cedo para fazer uma avaliação da minha carreira. Estou no começo de uma vivência. A experiência na Seleção somou muito, mas é diferente quando você está em um clube. A única oportunidade que tive de dar sequência ao trabalho foi no Figueirense. Depois, no Goiás e no Flamengo, tive pouco tempo. Pode ser que lá na frente, as comparações entre as carreiras de jogador e técnico possam ser feitas, mas agora é complicado. Tive 18 anos como atleta profissional. Estou há apenas três anos atuando no futebol brasileiro como técnico – disse Jorginho, que espera fincar de vez o nome no mercado de técnicos, assim como fez como jogador.
– Não tenho dúvidas que ser campeão marca a carreira, eleva um nível. Só lamento muito a situação no Brasileiro. Se ganharmos a Sul-Americana e cairmos no Brasileiro, o investimento será bem inferior para disputar uma Libertadores no ano que vem, mas sem dúvida que um título, ainda mais para a história da Ponte, seria algo incrível.
Trajetórias à parte, fica claro que Muricy e Jorginho são, inegavelmente, vencedores. Mostra clara de que a ordem dos fatores não altera o produto. O caminho do sucesso é único, mesmo que os atalhos sejam diferentes.
Fonte: Globo Esporte