Jardine explica o que deu errado no São Paulo

Eram dias de calmaria para André Jardine. Após fazer história pelo América do México ao conquistar o tricampeonato nacional, ele escolheu o litoral para relaxar. Primeiro, passou o Natal com parte da família em Santa Catarina. Depois, tinha planos de ir a Cancún, curtir o réveillon em uma praia do Caribe. Neste meio-tempo, o técnico fez uma breve escala em São Paulo, onde atendeu a reportagem do ge por mais de duas horas para o Abre Aspas .

De tão relaxado, num raro período sem jogos, Jardine esqueceu de levar calças na bagagem ao Brasil. Quando notou, no dia da gravação na Globo, fez questão de conferir se não havia problema em dar a entrevista de bermuda.

Era 26 de dezembro e o técnico não fazia ideia que a maré iria mudar. Dali a alguns dias ele receberia um telefonema de John Textor, dono da SAF do Botafogo. O convite para assumir o atual campeão brasileiro e da Libertadores agitou aquele mar que até então era calmo.

A decisão de recusar o Botafogo e seguir no América veio mais de uma semana depois da entrevista. Mas ali já era possível entender que tirá-lo do México agora não seria fácil:

– O futebol brasileiro financeiramente tem mais força do que o mexicano, então pela parte financeira não seria um empecilho. O que é difícil é a gente ter hoje no Brasil um projeto que te dê pelo menos a sensação de que vai ser respeitado, de que vai ter início, meio e fim – afirmou.

Foi com esse mesmo pensamento que Jardine deixou a seleção brasileira após o ouro olímpico e aceitou o desafio de assumir o Atlético San Luis, então lanterna do Campeonato Mexicano, em 2022. Ao Abre Aspas, o técnico comenta os rumos de sua carreira e fala sobre a necessidade de explorar novos mercados. E muito, muito mais: da passagem relâmpago no comando do profissional do São Paulo à culinária mexicana; das ideias de jogo e inspirações no futebol à nova turnê do Oasis (ele já foi vocalista de uma banda cover dos ingleses); de Guardiola a Ted Lasso. Confira abaixo a entrevista:

Vamos começar pela pergunta mais óbvia: já comprou ingresso para a turnê do Oasis?
– (Risos) Pior que ainda não, mas com certeza eu vou, a não ser que a gente não esteja no México. É um dos compromissos que eu tenho esse ano aí.

O nome do seu filho, Liam, é uma homenagem ao Liam Gallagher, vocalista do Oasis?
– É uma junção.

De uns tempos para cá muitas pessoas têm usado a expressão futebol rock and roll, principalmente depois do Klopp. Se refere a um jogo muito intenso, ativo. A tua ligação com o rock de certa forma se reflete um pouco no futebol que você acredita e busca para seus times?
– É o (ritmo musical) que eu mais escuto, né? Eu sou uma pessoa que conecta as coisas da vida, as emoções que a gente vai vivendo. Eu conecto muito com a música, sempre tentando que as músicas signifiquem momentos importantes da vida. No futebol são vários e vários, né? Então a música, ela me ajuda muito. É uma certa terapia, né? Em momentos que a gente quer um pouco de paz, ou que a gente quer se motivar, entrar num clima mais de guerra, num clima de competição. Praticamente tem uma trilha sonora pra cada momento aí.

Você acha que o ritmo dos seus times é rock and roll?
– Eu acho que tem um pouco a ver sim. A gente gosta de time intenso, né? Um time que corra por todas, que dispute todas as bolas. Mas também, ao mesmo tempo, um time inteligente, que saiba o que está fazendo. Mas tem, sim, um pouco a ver. Em alguns momentos já usei músicas de rock para motivar os jogadores, com lances da própria equipe.

Vamos antecipar uma matéria que será feita no futuro quando você regressar ao Brasil: como jogam os times do Jardine? Se tiver alguma coisa que seja a essência do futebol do Jardine, qual é?
– Eu tenho duas veias muito fortes em mim: a veia romântica do jogo bem jogado, do futebol bonito. Os meus times, sobretudo na base, jogavam todos muito bonito. Eu colocava a forma na frente dos títulos. Apesar de ter tido muito êxito, eu sempre valorizei mais as formas do que os resultados, porque entendia que eu estava trabalhando com formação e queria que os meus jogadores tivessem hábito de jogar o jogo mais exigente possível, e eu acho que o jogo bem jogado com a bola é o jogo mais exigente possível a nível cognitivo, a nível físico, a nível coletivo de forma geral. No profissional eu continuo com essa veia romântica, mas a veia competitiva vem junto, se não com um pouquinho mais de força, pelo menos uma força igual. Porque a gente, no futebol profissional, muda um pouco o foco, a gente é pago para dar resultado.

– Muitas vezes lá no América eu escuto a seguinte frase do meu chefe: “a gente quer ganhar, não importa como, a gente quer ganhar, a gente quer ser campeão”. Então, quando você entende isso, a exigência que tem e como tu és cobrado, as formas ficam em segundo plano em relação ao resultado. Eu quero continuar sendo reconhecido por um treinador que faz o time jogar bem, mas mais que isso eu quero ser campeão. Eu quero ser um treinador capaz de levar o time aos seus objetivos, custe o que custar. Hoje a nossa forma de jogar lá no México ela é muito adaptativa. Ela muitas vezes joga muito bonito, joga um jogo muito ofensivo, mas em outras você vai ver o nosso time muito defensivo. Por quê? Porque a gente entendeu que para vencer aquele jogo tinha que ir por um caminho um pouco diferente. Ainda mais quando são jogos de mata-mata, em que qualquer erro pode te custar uma eliminação.

Após o tricampeonato no México, cresceu a discussão no país se você é o maior técnico da história do América, o clube mais popular do país. Como você vê esse debate e acha que, de certa forma, esse prestígio pode ser transportado para o Brasil?
– Foi bem surpreendente. Esses números, alguns recordes que a gente foi quebrando muito rápido, tem realmente o mérito de ser tricampeão, isso não é fácil, mas ainda acho que são poucas conquistas para estar querendo entrar nesse hall seleto de grandes treinadores. Eu nunca mirei, não é uma coisa que me preocupa e nem é um objetivo.

– Mas, aí sim, a repercussão no Brasil, que é a segunda parte da pergunta: o brasileiro tem essa característica de depreciar um pouco aquilo que é dele. Hoje eu me orgulho muito do que a gente está fazendo. Eu falo a gente porque a parcela de contribuição do corpo técnico é muito, muito grande. Eu tentei me cercar dos melhores profissionais possíveis, e a gente está conseguindo uma façanha difícil de ser feita, e que no Brasil muito pouco se fala. Claro, de lá eu não consigo acompanhar tão de perto, mas imagino que pudesse estar sendo mais divulgado e mais valorizado, inclusive a própria conquista da medalha de ouro. Nos últimos Jogos Olímpicos a gente nem sequer participou (no futebol masculino), o que dá uma dimensão de dificuldade do que é conquistar uma medalha de ouro num país diferente. Esse sentimento, essa ponta de frustração eu tenho. Mas eu imagino que com o tempo isso vai, inevitavelmente, acabar acontecendo, porque “ojalá”, como se diz no México, a gente vai seguir nessa linha de conquistas e, fatalmente, vai acabar sendo reconhecido não só no Brasil, mas em toda parte do mundo.

Mudou muito sua vida com o tri mexicano e o reconhecimento da torcida?
– Sim, agora complicou, né? Principalmente com essa última conquista, a gente percebeu o tamanho disso na rua mesmo, quando a gente vai pra qualquer lugar, pra qualquer deslocamento, às vezes até no trânsito, o pessoal para o carro, quer tirar foto, quer descer do carro. O América tem uma força de torcida impressionante, eu apostaria que talvez metade do México torce pro América. É uma torcida fanática e imensa e que está muito tocada com esse momento. Quando a gente consegue conquistas em sequência, como foi, percebe que a torcida começa a viver aquilo com uma intensidade muito grande, e reflete diretamente no dia-a-dia. É uma consequência boa, que te dá trabalho às vezes, te tira tempo, mas é um carinho, um reconhecimento que qualquer profissional gosta de ter.

Você parece bem feliz com esse momento vivido no México. O que pensa para o futuro da sua carreira? A ideia é seguir no México por mais um tempo? Pensa em voltar ao Brasil num futuro próximo?
– Eu penso com carinho, sim, nesse retorno, vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, eu não tenho pressa para que isso aconteça, mas tenho vontade de fazer um trabalho sólido também aqui no Brasil, de ter um reconhecimento mais forte, e isso só vai acontecer se a gente conseguir ser campeão também dentro do Brasil. Me imagino mais algum tempo no México, e quando terminar esse ciclo do futebol mexicano, aí é pensar com carinho nas possibilidades. Se tiver que ir para um país bom de se viver também, para uma liga boa, qualquer país para mim é opção. A parte negativa é essa saudade que a gente sente da nossa família, dos nossos amigos. Talvez uma liga ainda mais importante. Tenho sonhos, tenho aspirações, e esse retorno ao Brasil é uma delas. Vamos ver se a gente consegue ter êxito em todas elas.

Neste período trabalhando e vivendo no México, principalmente nessa fase mais recente, de muito sucesso e títulos, você foi procurado por clubes do Brasil? O que te faria deixar esse projeto?
– Alguma sondagem sim, né? Sempre tem telefonemas, perguntas, se está disposto a sair do México, se está disposto a conversar. Esse tipo de sondagem é bastante comigo, mais ainda com o meu agente.

– Hoje realmente é difícil, o futebol brasileiro financeiramente tem mais força do que o mexicano, então pela parte financeira não seria um empecilho. O que é difícil é a gente ter hoje no Brasil um projeto que te dê pelo menos a sensação de que vai ser respeitado, de que vai ter início, meio e fim.
– Apesar de que no México não é tão diferente assim, hoje no América eu me sinto respaldado, mas porque a gente também vem ganhando, vem conquistando, então sempre que ganha é fácil dizer que o trabalho tem continuidade. Mas é momento. Eu vou procurar ao longo da minha carreira toda respeitar muito os processos, os ciclos. Quando eu sentir que tem um processo ali que terminou, seja porque foi muito vitorioso ou porque não foi vitorioso, tentar sentir a intuição também, o sentimento que a gente tem no peito de fazer uma troca de rota, de buscar outro desafio. Foi exatamente como eu fiz na seleção. Era um sentimento que eu tinha, de que era um ciclo que tinha encerrado, mas não sabia exatamente o que ia ser o próximo. É super difícil para o treinador saber exatamente qual é o próximo passo, mas é escutar um pouco o próprio coração, a própria intuição e ir tentando tomar as melhores decisões possíveis. Não é impossível, claro que não. Mas não é tão fácil hoje ter um projeto que me faça trocar o que eu tenho no América. Não acho impossível, mas acho difícil.

Quando deixou a CBF e foi para o México, há três anos, você deu uma entrevista ao ge na qual explicava seus motivos: queria voltar ao trabalho diário no campo, encarar um novo desafio e também ter um projeto, como o que foi te apresentado pelo Atlético San Luis. Naquele momento era uma decisão que parecia muito arriscada, pois você estava assumindo o lanterna do campeonato. Hoje, após ser tricampeão mexicano pelo América, como avalia aquele movimento de carreira que você fez?
– Com bastante orgulho. Porque foi uma decisão de sair de uma certa zona de conforto, onde a gente estava com uma certa estabilidade, por ter ganho uma medalha que nos dava um pouco de paz, pelo menos um ciclo olímpico a mais. Fomos para um clube que era um tremendo desafio em outro país, sem nenhuma garantia de que ia dar certo, mas eu pensava que era isso que eu precisava para a minha carreira, também me desafiar, pegar um time com menos condições e ter que, a partir do trabalho, fazer a diferença. Tinha certeza de que isso seria muito importante na minha carreira. Ter conquistado isso te dá força também, te dá chão para pra quando tu estás vivendo maus momentos em clubes maiores te lembrar das coisas que você já fez, um passado vitorioso que a gente teve e com certeza esse capítulo da minha carreira sempre vai me dar força pra onde eu estiver e sempre vai ser um motivo de muito orgulho.

O que foi apresentado pelo Atlético San Luis que te passou confiança no projeto?
– Foi tudo muito rápido. Na época, eu estava até convocado com o Tite. Estávamos no Equador para jogar Eliminatórias. Quando vem o primeiro contato eles têm muita pressa, já querendo decidir em dois, três dias. Eu tinha que arrumar um tempinho ali no hotel, num momento pós-refeição para que pudesse atendê-los. Fizemos uma reunião virtual em que me impressionei com as pessoas que comandam o San Luis. A seriedade, a capacidade de transmitir para mim naquele momento um projeto realmente que parecia ser verdadeiro, tudo o que eles estavam me dizendo, a franquia com o Madrid, a intenção de fazer o clube ir trocando de nível aos poucos, a clara sensação de onde eles estavam…

– Eles não estavam ali me pedindo um título, e sim para estabilizar a equipe numa parte da tabela que não brigasse mais por descenso. Com a nossa capacidade de prospecção de jogadores mais jovens, tentar fazer um projeto que tivesse muito futuro. Para isso, um contrato longo, com uma multa que parecia ser muito séria. Era tudo que eu queria ouvir naquele momento. Eu tinha a certeza de que precisava de um novo desafio, que eu queria alguma coisa desse tipo. Eu tento prestar muita atenção nos sinais da vida. Como eu vinha pensando, me encorajando a dar um passo desse, foi exatamente nesse momento que eu veio um convite desse tipo, me parecia ali muito claro que era uma coisa que eu tinha que fazer, senão talvez eu me arrependesse, por mais que os riscos fossem altos.

Você estava na CBF numa posição cobiçada por muitos: campeão olímpico e trabalhando na comissão técnica da seleção principal, mas mesmo assim foi atraído por um projeto de um time de outro país, que não era grande. Você acha que faltou isso na CBF, um projeto que te oferecesse um horizonte lá dentro para que não precisasse buscar isso em outro lugar?
– Pode ser, né? Pode ser. O projeto ali na CBF era muito claro: primeiro era conquistar uma medalha. A medalha que se falava muito era a medalha de ouro, né? Havia essa ambição de manter a medalha de ouro em casa, e a gente conquistou. Depois da conquista foi um período um pouco difícil para mim e difícil para a própria CBF, porque foi todo aquele momento conturbado de saída de presidente, de ficar um período sem comando. Então ficamos todos ali dentro um pouco órfãos de saber exatamente o que seriam os projetos e o futuro de cada um. Pra mim, talvez mais difícil ainda por ter encerrado um ciclo e ficar esperando da instituição uma luz verde ou algum sinal. Claro, eu conversava muito com o Branco (coordenador da base), na época ele me passava a intenção da casa de que eu fosse assistente da seleção principal, de que eu fosse uma memória viva ali de todo esse trabalho da base que vinha sendo muito bem feito. Eu imaginava que essa proposta ia acabar vindo mais cedo ou mais tarde, assim que a instituição se ajeitasse a nível de comando.

– Mas, dentro de mim, eu tinha (o sentimento) que talvez fosse muito pouco, talvez ficar ali naquele momento fosse escolher por uma zona de conforto. E nunca foi assim a maneira que eu lidei com a minha carreira, eu sempre fui movido a desafios, eu acho que a nossa vida profissional passa muito rápido, ela é muito curta. Se a gente fica três, quatro, cinco anos optando por uma zona mais confortável, são anos que você deixa de conquistar experiências que vão ser muito importantes para ti no futuro. Melhor do que aquilo que eu tinha vivido dentro da CBF era impossível, foi aquele ciclo olímpico vitorioso. Não imaginava o que viria, mas qualquer coisa (de fora) que viesse iria somar muito mais do que uma nova experiência em algo que eu já tinha, que eu já sabia exatamente como funcionava, que eu já tinha inclusive a fórmula do êxito. Eu queria uma coisa mais desafiadora e que me fizesse crescer profissionalmente.

O que você sentiu quando assistiu à final da Eurocopa e viu que o técnico era o mesmo que você venceu na final da Olimpíada, que já vinha trabalhando antes nas outras categorias de base da seleção, ascendeu, levou um monte de jogadores que já conhecia e teve êxito na seleção principal? Passou na sua cabeça algo como: “olha, poderia ter feito a mesma coisa comigo”?
– Passou, mas muito rápido. O sentimento foi primeiro de orgulho, de ter a certeza que a gente já tinha quando conquistou o ouro, de que foi difícil, suado, batalhado, que a gente enfrentou grandes rivais. Eu vi algumas rodas de discussão da imprensa brasileira depreciando. “Ah, Jogos Olímpicos, as seleções mandam qualquer time para lá, o Brasil é um dos poucos que valoriza.” Não foi verdade. A Argentina foi com o que tinha de melhor. Talvez a Alemanha pudesse ter ido com uma seleção mais forte, mas a Alemanha sempre é a Alemanha. E a Espanha, que foi a finalista, a gente quando estava preparando aquela final já tinha essa clara noção de que aquilo ali era um jogo que poderia claramente ser um jogo de seleção principal. A Espanha com a base toda da seleção que tinha acabado de jogar a Eurocopa, com aquele que hoje é o seu treinador da seleção principal, campeão da Eurocopa, talvez apontada como uma das grandes seleções do mundo, uma das favoritas para a próxima Copa. E a gente venceu a final com muito merecimento, não foi fácil. Vendo que hoje a Espanha chegou no nível que chegou, aumenta ainda mais o orgulho da gente da conquista, que a gente sabe que foi difícil e que ainda assim dentro do Brasil muito pouco se reconhece o valor dela. Mas já satisfaz imensamente saber que a gente teve muito mérito na conquista.

– Sobre estar ali na seleção ou não, eu sou muito tranquilo em relação a isso. Eu acredito que o posto de treinador da seleção brasileira principal é uma cadeira muito pesada, requer e exige currículo, experiência, coisas que eu ainda não tinha e, mesmo sendo campeão olímpico, não me via do tamanho de uma seleção principal.
– Eu acho que tem treinadores muito mais capacitados do que eu para essa cadeira nesse momento. O que eu quero é um dia me capacitar e ser um postulante dessa cadeira. É exatamente esse caminho que eu estou fazendo, de ganhar experiências, conquistar coisas importantes, vivenciar clubes importantes para um dia, quem sabe, aí sim me sentir merecedor daquela cadeira. Claro que na Espanha, país da Europa, o pensamento e a cultura são diferentes. Talvez a cadeira não seja tão pesada como aqui no Brasil. E eu, por ser daqui e ter exatamente essa noção, tento não fazer esse tipo de comparação, porque sei que são países muito diferentes, culturas muito diferentes. E que para sustentar, sentar hoje na cadeira de treinadores da seleção principal, tem que ter um currículo muito pesado, tem que ser muito forte, muito vitorioso, e é um processo que leva tempo, sem dúvida.

Você disse que vê muita gente capacitada pra estar no cargo de treinador da Seleção. Mas, de uns tempos pra cá, a opinião pública parece caminhar num outro sentido, de que faltam opções e que, por isso, o Brasil deveria buscar um estrangeiro. Como você vê esse debate e o que você pensa de um estrangeiro no comando da Seleção?
– Eu acho que temos treinadores brasileiros com currículo para isso. Acho que o Dorival é um deles, por merecimento ali está. Acho que já provou ao longo da sua trajetória, que não é nada pequena e nada de fácil, simples. Ele foi provando competência em vários e vários clubes, em momentos diferentes, o que hoje o credencia a estar ali. Acredito que ele vai ter sucesso porque é um grande profissional, uma grande pessoa, um profissional que conta com a minha admiração e a minha torcida. E acho que o treinador (da Seleção), de preferência, deveria ser brasileiro. Por quê? Porque eu acho que é diferente o sentimento que se tem, e aí posso falar com propriedade sobre isso. Quando a gente representa o nosso próprio país, vê a bandeira levantando quando toca o hino, o sentimento é outro. O orgulho, a vontade de vencer que se sente é imensurável quando se defende o seu próprio país.

– Eu procuraria sempre resolver esse problema do treinador buscando dentro do próprio país. Se em algum momento entenderem que não existe ninguém com currículo suficiente para essa cadeira, que se contrate um estrangeiro, mas que seja um estrangeiro que tenha peso, que não seja só por ser estrangeiro. Que tenha trabalhos reconhecidos em diversas equipes e instâncias para merecer, porque é a camisa mais pesada do futebol mundial e tem que ser muito respeitada. Eu acho que não pode ser qualquer profissional a vestir aquela camisa. Se for para engrandecer a camisa, por uma trajetória linda, conta com o meu apoio, mas se for simplesmente por ser estrangeiro eu já sou totalmente contra.

Quando você decidiu sair da CBF, não teve nenhum projeto de clube brasileiro que lhe foi apresentado que parecesse tão sólido quanto aquele do San Luis?
– Houve algumas conversas. Mas nada que tivesse avançado a ponto de me fazer pensar. Sempre foram sondagens, conversas iniciais em que não se chegava a falar em valor, apenas de como é que eu via essa saída. Eu sempre me colocava aberto a conversar, mas nenhum clube apresentou uma oferta realmente concreta como o San Luis, do México. Eu acho que talvez o primeiro clube que apresentasse esse projeto mais concreto provavelmente eu teria aceitado, porque eu acho que o meu sentimento interno era esse de mudança, de aceitar um desafio que me movesse.

Além desse projeto que o San Luis te apresentou, o que você de fato conhecia do futebol mexicano e da cultura do país?
– Eu conhecia pouco, né? Mais ou menos o que o brasileiro conhece da Liga Mexicana. Realmente a gente não presta muita atenção ou deveria prestar mais atenção na Liga Mexicana. Eu acho que naquele momento em que os mexicanos jogavam a Libertadores a gente tinha uma impressão do que era o futebol mexicano, e uma impressão positiva. Me lembro bem que qualquer time brasileiro que cruzasse com um mexicano sempre fazia um jogo muito difícil. Os brasileiros, no fundo, não queriam muito cruzar com os mexicanos por uma série de razões, entre elas o nível das equipes. A seleção mexicana sempre foi uma seleção que enfrentou o Brasil bem. Então eu tinha na minha cabeça uma liga que tinha força, que tinha poder econômico, que tinha bons jogadores.

– E o relato de alguns atletas, como por exemplo o Tiago Volpi. Ele falava muito bem da Liga Mexicana, falava que era um país muito bom de viver, que se a gente pudesse em algum momento conhecê-lo deveria ir, porque todo brasileiro provavelmente vai gostar do que vai ver lá, em todos os fatores: comida, cultura e o próprio nível futebolístico. Eu tinha boas referências, mas não muitas. Acabei confirmando essas boas impressões que a gente tinha, porque realmente é uma liga muito forte, uma liga que tem cinco, seis clubes com muita força, com muito poder econômico, um nível técnico muito alto pelo poder de investimento desses clubes. Uma organização muito boa, um calendário justo, que dá um pouco mais de descanso do que o calendário brasileiro hoje. E um país maravilhoso de se viver também.

Você pode explicar esse calendário e o formato do campeonato nacional? Até porque muita gente se questiona: como o Jardine já pode ser tricampeão pelo América se ele chegou no clube há dois anos? – O mexicano tem muita influência ainda do norte-americano. A gente vê que praticamente todos os esportes americanos vão terminar em playoffs, em jogos eliminatórios. E o mexicano, sobretudo pela influência da televisão, vê esses torneios como muito mais atrativos. Se joga uma primeira fase todos contra todos em turno único, no que seria o primeiro turno do Brasileirão. Aí já entram nos playoffs, jogam os oito melhores para apurar o campeão do Clausura e do Apertura. No segundo semestre se joga o returno, também em turno único, e novamente playoffs na sequência. Isso torna o campeonato mais rápido e, pelo fato de serem jogos de mata-mata, acaba tendo um nível de atratividade muito grande. Com isso, não tem a copa nacional, que seria a nossa Copa do Brasil, o que diminui o volume do calendário. Assim como não existem os estaduais. Seria mais ou menos um calendário brasileiro, mas sem os estaduais e sem a Copa do Brasil.

– Então, conquistar um tricampeonato é muito difícil. Eu acho que em 50 anos é a primeira vez. Em torneios curtos eu acho que é a primeira vez. Há 50 anos, o América foi tricampeão, mas também era um formato um pouco diferente. O ponto negativo do calendário é que os times que chegam na final acabam não tendo o mesmo período de treino, de preparação e de férias. E como a gente vem chegando em três finais consecutivas isso vai se acumulando. Daí a dificuldade de se ter um tricampeão, um tetracampeão, porque o desgaste vai aumentando consideravelmente de um torneio para o outro, mas a gente vai lutando contra a maré e tentando escrever história.

Você que viveu a realidade do Brasil e hoje vive a realidade mexicana, acha que seria viável os clubes mexicanos voltarem para Libertadores?
– Eu acho que seria bom, gostaria, estando no América, de jogar uma Libertadores. Concordo com a opinião de que os grandes clubes mexicanos têm condição de brigar de igual para igual com os brasileiros. A gente teve uma pequena amostra talvez desigual, no sentido do desgaste que o Botafogo estava, né? Foi o jogo no Mundial com o Pachuca, que sequer é um desses cinco, seis grandes do futebol mexicano, mas é um time que tem uma estrutura muito boa, que é capaz de competir, demonstrou isso naquele jogo.

– Sobre a Libertadores, eu gostaria, mas acho muito improvável justamente pelo calendário, pela distância das viagens. Imagine a distância México-Uruguai, é uma viagem de praticamente um dia para jogar um jogo, voltar e já tem o jogo da liga. Eu torço que isso aconteça, mas acho que não é tão simples. Principalmente os brasileiros, por terem um calendário mais cheio, mais robusto, complicaria um pouquinho a vida. Seria bom para a competição, porque aumentaria o nível técnico. Acho que é de se pensar também numa competição incluindo a Major League. Poderia pensar em uma liga para competir com a Champions League, juntar os mexicanos, os norte-americanos, brasileiros, argentinos, uruguaios, fazer uma superliga nossa aqui das Américas para contrastar com a Champions League. Acho que seria uma ideia bastante interessante e que poderia ser viável se pensássemos o calendário de uma forma um pouquinho diferente.

Qual a repercussão do futebol brasileiro no México? As pessoas conhecem o Campeonato Brasileiro, os times, treinadores e jogadores?
– Eles veem, acompanham. Acho que nesse paralelo eles muito mais acompanham o brasileiro do que o brasileiro acompanha o mexicano, por motivos óbvios. Eu acho que a liga brasileira segue sendo a principal liga das Américas, com uma margem bastante considerável de vantagem. Eu colocaria a liga mexicana talvez já como a segunda, por poder econômico. A gente vê como é fácil o mexicano tirar o bom jogador ou treinador argentino, isso vai fortalecendo muito. Chama muito a atenção deles o poder econômico hoje do futebol brasileiro, não é normal. Talvez a gente pense que seja normal por estar acostumado, mas de fora, o mexicano se surpreende com os valores de qualquer negociação.

– Geralmente, as minhas indicações de jogadores são do Brasil. Então, quando eles vão sondar o preço, o salário, sempre é um susto no sentido negativo de o brasileiro ganhar muito ou o preço estar muito caro. O Brasil já cobra preço de Europa. Para dar um exemplo: Portugal é muito menor do que Brasil. Outro dia o Abel Ferreira comparou a liga portuguesa ao Campeonato Paulista e eu acho que a comparação dele é justa, é assim que eu vejo também, mas é uma liga que joga a Champions League, que tem clubes importantes e que muitas vezes a gente enxerga com ar de inferioridade, mas que é um pouco esse jeito brasileiro tem de diminuir as suas próprias coisas.

Essa experiência internacional deve te abrir a cabeça para muita coisa e eu imagino que seja inevitável fazer paralelos com o Brasil. Estando lá, quais reflexões você passou a fazer sobre nosso futebol? O que é feito no México e poderia ser replicado aqui?
– Esse formato de campeonato eu acho que é interessante, é de se pensar, né? Talvez uma liga (por pontos corridos) como é aqui e em outros centros do futebol premie um pouco mais a regularidade, mas realmente são campeonatos muito, muito longos, que parece que não terminam nunca. Quando se chega ao título do Campeonato Brasileiro você vê que as equipes estão esgotadas, é um torneio muito longo. Até pelo tamanho do Brasil, poderia se pensar em alguma fórmula diferente.

– Mas o que noto é principalmente essa visão de lá eu ser um estrangeiro. Aqui (no Brasil) a gente se incomoda um pouco com essa “invasão” de treinadores estrangeiros e a perda de espaço que o treinador brasileiro teve. Quando tu sai do país e passa a trabalhar em outra liga, percebe que o futebol hoje está muito globalizado, então na verdade somos de todas as ligas, basta a gente se preparar e se colocar à disposição desse tipo de mercado. Acho que o treinador brasileiro deveria pensar com mais carinho em outras ligas pelo mundo, porque como estrangeiro eu me sinto muito bem recebido em outro país, me sinto querido pelo povo. Sem nunca perder de vista o teu país, mas entendendo que o futebol hoje está muito, muito globalizado e é quase uma obrigação para o profissional enxergar um pouquinho além das suas fronteiras.

E o tratamento dado ao treinador estrangeiro é diferente?
– Eu acho que sim. Acaba tendo um pouco mais de paciência. Talvez tu tenhas uma chance só, né? Quando tu sai do teu país, a liga que tu vais te dá uma chance como um treinador estrangeiro e talvez na primeira chance você não possa falhar. Vários estrangeiros aqui no primeiro trabalho foram ruins e provavelmente nunca mais terão uma segunda chance no Brasil. Em compensação, se contabiliza e se percebe muito mais as vitórias do treinador estrangeiro do que as derrotas. No teu próprio país sempre se amplificam mais as derrotas. No exterior a sensação é ao contrário, se valoriza lá. Eu fui muito festejado pela medalha de ouro que eu conquistei. O mexicano valoriza muito a medalha de ouro olímpica porque também é uma conquista que eles têm e que eles valorizam muito. E aqui no Brasil muito pouco se valorizou, essa é a sensação que eu tenho. A gente percebe o quanto se valoriza a parte vitoriosa do currículo do treinador estrangeiro. E muitas vezes no teu próprio país eles vão amplificar mais as tuas derrotas do que as vitórias. É assim que é.

No momento, apenas três times da elite do futebol mexicano têm treinadores nativos. Todos os outros são estrangeiros. Como isso repercute entre torcedores, jornalistas e os próprios treinadores mexicanos?
– O fenômeno no México está bem parecido com o do Brasil, de uma falta de treinadores mexicanos na liga, os treinadores mexicanos incomodados com esse pouco espaço, não entendendo muito bem o porquê disso. Quando vejo esse nível de discussão lá, faço paralelo aqui com o Brasil e é muito, muito semelhante. E me dou conta que hoje as fronteiras estão abertas. Esse movimento para fora que hoje os treinadores argentinos e portugueses estão fazendo nós deveríamos também fazer. Talvez perdemos um “timing” importante ali atrás, quando nós tínhamos treinadores brasileiros com currículo muito forte. Acabamos ficando aqui, os treinadores que tinham muito currículo foram se aposentando aos poucos. E essa renovação de treinadores foi muito mais lenta do que nesses países que eu falei. A Argentina está sempre exportando, o treinador que ganha lá rapidinho já sai, vai para o Brasil, vai para o México, vai para a Europa. E com isso já vão surgindo outros treinadores argentinos. A gente não vê treinadores brasileiros, nem uruguaios, nem paraguaios indo para o campeonato argentino, pra dar um exemplo. Isso vai gerando uma cadeia em massa de produção de treinadores, e a gente aqui esperando só o espaço dentro do Brasil.

– Isso preocupa bastante porque a gente começa a não ter um poder de exportação de uma mão de obra que deveria ser muito boa. Somos o país do futebol, somos pentacampeões do mundo, temos muitos méritos ao longo dessa história toda vitoriosa, sobretudo da seleção brasileira, mas acho que o treinador brasileiro não soube valorizar um pouquinho mais esses feitos, esse momento de glória que viveu. E hoje a gente vive um momento de perda de espaço muito claro, e eu tento fazer a minha parte indo na contramão disso, fazendo esse movimento de saída e de abertura de mercado porque eu acho que é o único caminho. A gente ficar reclamando aqui dentro do Brasil não vai adiantar nada, o que a gente tem que fazer trabalhar e ir para fora e mostrar o nosso potencial, o nosso valor para poder abrir mais as portas.

Esse assunto é complexo. Você fala sobre o treinador brasileiro ir para fora e abrir mercados. Por outro lado, eu imagino que se os clubes daqui oferecessem projetos sólidos a vocês, treinadores jovens em ascensão, e dessem respaldo para que vocês pudessem evoluir, talvez vocês também ficassem mais aqui. Além disso, a gente fala da Argentina que exporta muitos treinadores, mas o nível do campeonato local é muito ruim. Quem fica lá são os técnicos de segunda ou terceira linha, porque os bons saem. É sustentável para clubes brasileiros trocarem jovens promissores, como você, por estrangeiros?
– São vários estágios, né? Eu acho que tem um período da carreira do treinador que é super interessante sair e acumular experiências diferentes, em ligas diferentes. Vai acumular sucessos e fracassos, mas com isso vai se tornar mais experiente. E talvez abrir o mercado e chegar em grandes clubes de outros países, como eu fiz, partindo de um clube menor, com menos estrutura, mas apostando numa outra liga, num outro país. É um momento, né? Tem um momento onde, aí sim, os treinadores atingem um tamanho que o futebol brasileiro vai se interessar, e aí talvez seja interessante fazer um trabalho sólido dentro do Brasil.

– E chega um ponto, que é o que eu me referi, em que o treinador já tem sucesso comprovado dentro do país, ele já ganhou cinco, seis títulos nacionais, caso do Luxemburgo, do Felipão, do Abel Braga, do Muricy. Talvez esse movimento de saída daqui seja para ir para uma liga importante, aí uma liga europeia… O próprio Tite agora claramente está querendo dar um passo como esse. Isso é muito importante para nós, treinadores emergentes, que estamos construindo ainda o currículo, porque são esses (medalhões) que vão levar o nosso nome, o nosso trabalho, o nosso “know-how” para ligas importantes, além de abrir espaço aqui para novos treinadores surgirem. Esse movimento que eu acho que a gente não soube fazer, talvez há uma década: nem essa turma que ainda não tinha despontado pegou experiência em outros países, mesmo que fosse em clubes menores, e nem os grandes, os cascudos, chamamos assim, fizeram esse movimento para fora. No campeonato argentino talvez os melhores treinadores já saíram, só que é o seguinte: tem 20 treinadores lá que vão jogar e se são os 20 treinadores medianos, um vai ser campeão e esse campeão vai chamar a atenção provavelmente de algum time do Brasil que vai lá contratar porque ele é o campeão.

O Grêmio acaba de contratar o Gustavo Quinteros, campeão argentino.
– Exatamente. Então, na minha visão, deveríamos exportar os melhores. No Brasil, os nossos melhores não saíram. E na Argentina, para fazer esse paralelo, os melhores já saíram há muito tempo, então eles já estão exportando até uma segunda leva de treinadores, o que acaba tirando espaço (de brasileiros). Nessa briga por espaço a gente está realmente perdendo em todos os fatores.

Mas a principal diferença hoje do Brasil para a Argentina é o poderio econômico. Aqui podemos trazer um português ou o campeão argentino. Mas os clubes argentinos não vão levar o campeão brasileiro.
– Sem dúvida. E talvez a grande explicação de todo esse movimento seja a parte econômica. Por que alguns treinadores não saíram no seu momento? Porque ganhavam muito bem aqui e provavelmente chegavam à seguinte conclusão: por que eu vou sair se eu já tenho um bom salário, estou em casa, vivo perto da família? Tem essa parte também que existe, a gente não pode negar. Portugal é um país que eu tenho acesso a alguns treinadores, a gente se enfrenta e eles comentam que quem paga bem são dois, três clubes: Benfica, Porto, Sporting. Os outros clubes vão pagar salários que talvez nem na Série B do Brasil pagam. Então passa a ser muito atrativo para eles saírem de Portugal para países como Brasil, México e qualquer outro país que pague relativamente bem, porque dentro do seu próprio país eles não têm uma força econômica que justifique ficar muito tempo. E acho que a Argentina é a mesma coisa.

E o que você vê hoje como as principais barreiras para o treinador brasileiro que almeja a carreira no exterior? O idioma, por exemplo, é um dificultador? Para você foi fácil superar?
– O espanhol não deveria ser, é uma língua bastante fácil. Eu mesmo não falava, encarei o desafio e fui aprendendo no dia a dia. O básico ali a gente aprende muito rápido. No mercado da América do Sul, futebol chileno, uruguaio, argentino (o idioma) não deveria ser um empecilho. Eu acho que estamos perdendo tempo. Eu vejo com tristeza não ter treinadores brasileiros nas ligas argentina, uruguaia, chilena… Agora temos algum movimento com o Tiago Nunes, Gustavo Leal, mas é muito pouco para a força de trabalho que a gente tem. O inglês, sim. Para nós brasileiros, aprender a falar inglês é muito importante. Se quiserem aspirar a ligas importantes, sobretudo na Europa, isso é um divisor de águas para quem fala e para quem não fala.

Aprender inglês é algo que você tem no seu radar?
– Sem dúvida. Tenho um nível de inglês básico, ruim eu diria, mas que eu pretendo aprimorar. Num futuro próximo não pode ser um empecilho. Eu me cobro bastante, a gente conversa entre nós de toda a comissão. Vamos dar uma acelerada nesse processo, porque acho que vai ser inevitável seguir abrindo fronteiras e, de alguma maneira, pegar em algum momento alguma liga em que o idioma inglês seja importante.

Boa parte da sua carreira foi trabalhando com categorias de base. Quais semelhanças e diferenças você vê no processo de formação no Brasil e no México?
– O Brasil a nível de base, de categoria de base, ele está muito à frente desses, pelo menos desses países, dessa plataforma que está o México. A gente tem muitas competições de base, se joga muito e tem muitos clubes que muitas vezes não são nem tão conhecidos a nível profissional, mas que têm trabalhos importantes na categoria de base que formam muitos jogadores, inclusive para os times grandes. Tem o futsal, que é importante nos primeiros anos. Tem o futebol de rua, que ainda se joga no Brasil, se diminuiu muito, mas que tem o seu peso. O futebol na favela, o campeonato do bairro.

– Tudo isso potencializa muito e no México não existe. Não existe futsal. A gente tenta passar essa vivência que a gente tem aqui no Brasil para eles. Eles estão muito curiosos para ver o que eles podem fazer para melhorar a formação do jogador mexicano. O México não tem um volume de formação de jogadores tão grande a ponto de estar exportando jogadores para outras ligas, de estarem constantemente debutando jogadores na primeira equipe. Não, é um trabalho muito bem-feito. mas de um seleto grupo de equipes, um seleto grupo de jogadores, e que acaba conseguindo formar sempre uma boa seleção, mas num volume, num número de jogadores pequeno perto desse universo que hoje é a formação do futebol brasileiro.

Você vê problemas na formação do jogador brasileiro estruturalmente?
– Eu acho que o brasileiro, nesse aspecto, reclama um pouco de barriga cheia, sabe? A gente sempre formou jogadores para as ligas importantes, para clubes importantes no mundo e segue formando, né? Eu estaria preocupado se não tivéssemos mais jogadores em grandes clubes, mas a gente olha hoje o Real Madrid, temos dois atacantes titulares no Real Madrid, que é o principal clube do mundo. O seu rival, o Barcelona, o jogador hoje mais desequilibrante é brasileiro. Acabamos de vender o Endrick, que é um jovem talento, para o Real Madrid. Então, provavelmente o próximo centroavante do Real Madrid também vai ser brasileiro. Temos jogadores no Manchester City, no Manchester United, no Arsenal, a liga inglesa que é a mais forte do mundo, está recheada de jogadores brasileiros.

– Então acho que o Brasil segue formando muito bons jogadores, mas os resultados da seleção brasileira sempre vão pautar um pouco a qualidade do trabalho. Quando a seleção ganha, o Brasil volta a ser o país do futebol, tudo é uma maravilha. Quando o Brasil vai mal numa Copa, se discute todos esses fatores, e isso é assim desde que eu me conheço por gente e talvez um pouco antes até, inclusive. Mas não vejo o Brasil em uma crise técnica. Não há muito tempo ganhamos um ouro olímpico com essa geração que hoje está aí. Então eu sou muito otimista nesse aspecto, de achar que o Brasil para essa próxima Copa vai chegar muito forte, crendo nessa geração, nessa safra de jogadores, que alguns ainda não chegaram no seu ápice.

Gostaria que você falasse um pouco sobre o processo de formação do treinador. Quais são as grandes diferenças de quando você sai da base pro profissional? E principalmente no seu caso específico, no qual essa transição se deu num time gigante do Brasil, o São Paulo. Você teve poucos jogos, foram 15?
– Treze.

E muita gente fala: “Não deu certo.” Como falar que algo deu certo ou não em 13 jogos? Enfim, o que você pode falar desse processo de consolidação como um treinador de elite?
– É um processo longo para quem não foi jogador, que é o meu caso. Fui jogador de base, mas não conta muito. Eu procurei respeitar cada processo de formação do treinador. Foram 10 anos no Inter, trabalhando com todas as categorias, sendo assistente, sendo treinador, acumulando vivências, trabalhando praticamente três turnos para acumular o máximo de experiência para que no dia que eu desse o meu passo à frente não faltassem essas experiências. Depois foi um ano rápido no Grêmio, mas um ano muito rico, em que eu já tive a primeira experiência no profissional. Depois, no São Paulo, mais três anos na base, mais um ano e meio no profissional, que totalizaram 15 anos. Uma faculdade normalmente dura quatro, cinco anos para formar um profissional. Foram 15 anos, eu considero um período justo, por uma formação bem sucedida de um profissional.

– Não me sinto um impostor. Esse é o pior sentimento que um profissional pode ter, de simplesmente buscar um atalho, buscar desesperadamente estar ali sem se preparar para estar ali. Esse sentimento eu não tenho nem um pouquinho. Pelo contrário, me sinto merecedor de cada oportunidade que tive.
– Quando o Branco me convida para ser treinador da Seleção Sub-20 e, depois, da Seleção Olímpica, eu me sentia merecedor daquele cargo. Não foi porque o Branco é meu amigo ou porque o presidente me conhecia. Dentre os treinadores que competiam comigo naquele momento eu não via ninguém com currículo mais vencedor e mais forte do que o meu para, naquele momento, ser treinador olímpico. Esse sentimento de merecimento é muito importante, porque se o treinador não o tem acho que ele não consegue ter vida longa no passo que ele dá, seja ele qual for. E aí, especialmente em seleção, tem um peso muito forte. Quando eu vou para o futebol mexicano eu já me sentia merecedor de ganhar uma oportunidade, de poder desenvolver um trabalho. Talvez o São Paulo foi o passo mais difícil, porque foi o primeiro passo da base para profissional, e sempre é um passo muito difícil. É uma mudança grande, um choque de realidade, de pressão, de tamanho das coisas. Passa a ter uma visibilidade tremenda, uma cobrança tremenda. Ainda estava formando a minha própria comissão técnica. Tudo isso são elementos que dificultam essa transição da base ao profissional. Isso não é pra mim, isso é pra todos. Por isso que muitos não conseguem vencer essa etapa, é uma barreira pesada para os profissionais da categoria de base, mas que eu consegui vencer.

– O caso do São Paulo acabou sendo curto, mas foi um período em que as coisas não saíram como a gente queria. E faz parte do processo, assim como muitos treinadores experientes vão ter momentos em que as coisas não saem. A gente está podendo ver agora o Guardiola passando por um momento que ninguém imaginava que ele iria passar. Isso está sendo até bom, ele está humanizando a profissão e mostrando que todos estão suscetíveis a passar por um período sem conseguir vencer. Muitas vezes, mesmo o treinador fazendo tudo certo, ele não vai ganhar. Às vezes, fazendo muita coisa errada, ele ganha. Então, são diversos fatores. Por isso que para se analisar um trabalho acho que tem que olhar a trajetória, o currículo, os anos para trás e entender o que aquele profissional construiu, se teve mais êxitos ou mais fracassos, para poder realmente chegar a uma conclusão e não fazer um recorte de 10, 15 jogos ou um torneio, porque acaba sendo muito injusta a avaliação, tanto para bem quanto para mal.

André Jardine relembra passagem rápida pelo time principal do São Paulo

Olhando para trás, você se arrepende de ter assumido o comando do São Paulo naquele momento?
– Nem um pouco, porque isso não faz parte da minha essência como profissional. Como é que eu vou negar um desafio desse tamanho? Sentia que a diretoria confiava em mim, o clube apostava muito em mim naquele momento. Os próprios jogadores devem ter dado bons sinais para a diretoria, no sentido de que eu já fazia parte do dia a dia. Ter êxito ou não, como eu falei, é multifatorial. Muitas coisas fizeram não dar certo naquele momento, mas não me arrependo nem um pouquinho, porque não deixam de ser experiências que eu carrego e que eu tento fazer diferente algumas coisas. A gente vai acumulando essas vivências e talvez aquele momento de dificuldade ali tenha me ajudado tanto na seleção como agora no México a ter os êxitos que a gente vem tendo.

Mas por uma direção que parecia confiar muito em você, ela foi bem pouco tolerante, não acha?
– Porque assim é, o futebol brasileiro é assim. Talvez o único treinador que goze dessa maior paciência seja o Guardiola, que agora está aí há tantos jogos sem ganhar e segue no cargo, mas a nossa profissão é assim, isso vale para mim, vale para ídolos máximos dos seus clubes que assumem e têm muito pouco tempo. É um pouco o ônus da profissão. Quem não gosta muito deveria procurar outra coisa pra fazer. Eu já entendi como funciona e estamos dançando essa música há tempos.

Voltando a falar da formação do treinador e do seu caso em específico, onde você busca conhecimento hoje em dia? Tem algum treinador ou time que é referência para você? Algum livro que te inspirou? Como é que você foi complementando esse teu trabalho de campo?
– Eu acho que a minha história pessoal se explica muito pela certeza que eu tive muito rápido de que queria ser treinador. Com 20 anos eu tive quase que um chamado de vida ao mudar da Engenharia Civil, que eu cursava na época, para a Educação Física. Naquele momento já trabalhei numa escolinha de futsal que já competia, tinha essa veia competitiva que estava muito forte em mim. E eu lembro exatamente do primeiro treino que eu dei, de ir pra casa com a certeza de que encontrei aquilo que eu queria para minha vida. Na faculdade, eu usava todo o tempo para me aprimorar naquilo que eu queria ser, eu queria ser um grande treinador.

– Também dou crédito a uma parte significativa da minha formação ao futsal. O futsal é um jogo muito parecido com o futebol, mas que no fundo quase não tem nada a ver, porque ele é muito mais dependente do treinador. Os movimentos, a maneira que os jogadores se conectam dentro da quadra, tudo depende muito do treinador, de como tu vendes o jogo, de como tu mostras o jogo para os atletas, e isso moldou um pouquinho a minha forma de trabalhar desde muito cedo. Eu sempre me vi muito responsável por como o meu time jogava. No futebol também é um pouco assim, mas é menos, é mais intuitivo. O futsal é mais exigente para o profissional. Então, isso me ajudou muito a desde cedo assumir essa responsabilidade de que quando o time não joga bem, a culpa é minha, sabe? Não é o jogador que não jogou bem. Alguma coisa eu fiz de errado no processo de elaboração daquele jogo ou da semana.

Mas a evolução física dos jogadores não está transformando o futebol de campo mais parecido com futsal?
– Sem dúvida, tem muita coisa já relacionada. Eu mesmo desde o início trazia conceitos e ideias do futsal. Tem alguns treinos que eu faço que tem tudo a ver com o futsal, de cinco contra quatro, como se fosse um momento de goleiro-linha, para o time aprender a jogar com um jogador a mais, a defender com um jogador a menos. Com cada vez menos espaço, cada vez as defesas mais compactas, o desafio passa a ser entrar em espaços reduzidos, em tomar decisões com pouco tempo e pouco espaço.

Ainda em relação a treinadores que você admira e de fontes de conhecimento que você bebe, dá tempo de acompanhar o futebol brasileiro? Tem algo que está sendo feito aqui que você olha de lá e gosta e até tenta replicar de alguma forma?
– Ah, sempre de olho, né? A gente sempre, no dia de folga, a gente consegue olhar algum jogo, né? Quando tem o domingo livre vejo o Campeonato Brasileiro ou mesclo o Mexicano com o Brasileiro. Eu nunca tirei o olho do mais alto nível, na Premier League, no Manchester City, no Barcelona, no Real Madrid, estou sempre atento. Gostava de acompanhar o Klopp também para ver em que linha que ele estava indo. Alguma ideia sempre surge dali. Mesmo tendo pouco tempo, às vezes vejo um resumo do jogo, já consigo entender se ele mudou alguma coisa de um jogo para outro. Sigo com essa rotina de tentar estar me atualizando.

– No Brasil, há algumas coisas interessantes. Os treinadores estrangeiros mudaram bastante a cara do que era o futebol brasileiro de 10 anos atrás. Tem muito treinador argentino e aí vem a semelhança com o que eu enfrento no Campeonato Mexicano, onde a maioria dos treinadores são argentinos. Tem uma característica de intensidade, muitos deles marcam homem a homem, a maioria tem jogado com linha de cinco na defesa, com três zagueiros, apostando numa marcação que te dê pouco espaço e muito mais voltado a não deixar jogar do que propriamente ser tão propositivo. E tu vai aprendendo a enfrentar esse tipo de futebol, vai te adaptando, vai tentando evoluir nesse aspecto. Acho que no Brasil está um pouco assim, com essa influência também portuguesa, tanto do Abel Ferreira, quanto do Artur Jorge também. A se destacar, acho que esse trabalho inicial do Filipe Luis tem sido um muito legal de se ver, também pelas suas influências, a maneira que ele conseguiu tão rapidamente fazer o Flamengo regressar a alguma coisa de um passado recente, que trazia coisas boas para torcida.

Gostaria de falar do legado que foi deixado com aquela conquista em Tóquio. 16 dos campeões olímpicos passaram pela seleção principal e cinco foram à última Copa do Mundo. Porém, pessoalmente, eu imaginava que a essa altura alguns desses jovens já teriam maior protagonismo na Seleção, o que ainda não aconteceu. Você também pensa assim? Gostaria de uma avaliação sua sobre a utilização daqueles jogadores na seleção principal.
– Eu tinha uma expectativa um pouco maior de uso, né? Aqueles jogadores se dedicaram àquele processo de uma forma incrível e conquistaram uma medalha que é muito significativa para qualquer país. Imediatamente (após o título) o Tite passou a usar, eu lembro bem, nas convocações seguintes o Matheus Cunha teve bastante chance, o Antony ganhou espaço na Seleção, o Douglas (Luiz) teve as suas chances, eu até acho que esse é um jogador que merece mais espaço na Seleção, vejo ele hoje como o principal volante do futebol brasileiro. O Bruno Guimarães seguiu ganhando espaço. O Claudinho não teve tanto espaço, e era um meia que a gente tinha bastante expectativa. O Arana se firmou, hoje é uma realidade na seleção. A dupla de zaga foi Nino e Diego Carlos, e o Nino chegou a ter uma ou outra convocação, mas não decolou como a gente imaginava. O próprio Diego Carlos eu acho que poderia já ter tido mais chances, talvez.

Jardine comenta legado deixado pela geração de ouro em Tóquio para a Seleção principal

– Depende muito do treinador, é questão de gosto, né? Mas eu imagino que poderiam ter tido um pouco mais de chances, alguns eu ainda acho que vão ganhar espaço, o Douglas Luiz é um jogador que para mim claramente é subutilizado na seleção principal, mas faz parte do processo, acho que o principal era naquele momento a gente dar chance para novos talentos, para jovens promessas do futebol. O caso do Martinelli hoje é uma realidade. O Paulinho era um jogador na Seleção olímpica que foi muito importante. Na Seleção principal ainda, para mim, teve pouca chance de mostrar, porque é um jogador que tem nível.

– A própria Seleção Sub-20, que era a próxima geração, vinha com jogadores importantes como o Savinho, que hoje já é uma realidade. Dentre outros aí que eu vou acabar esquecendo. Mas em pouco tempo imagino que vão começar a ter mais chances. Foi um trabalho muito, muito bem feito, e que tem tudo para pelo menos deixar uma base de jogadores que, se o treinador quiser se apoiar numa base que tem entrosamento, que tem uma convivência, que já tem uma sinergia importante. ele pode se apoiar porque a receita está ali, teve sucesso. Mas vai depender muito do treinador que está a comando da seleção principal.

Ainda falando dessa geração, tem um jogador que eu queria me ater um pouco mais porque você conhece há muito tempo, o Antony. Sabemos dos problemas extracampo que ele enfrentou e é praticamente impossível desassociar isso do desempenho em campo. Você acredita numa retomada do futebol dele?
– Não tenho dúvida que o Antony ainda não viveu o seu ápice futebolístico. Ele é bastante jovem. As coisas pro Antony foram todas muito rápidas, né? E como toda ascensão meteórica muitas vezes tem um período de estagnação e de declínio, que é normal, de oscilação. Acho que ele mesmo tem que se estabilizar nesse nível que ele está. Ele está no mais alto nível. Jogar no Manchester United não deve ser nada fácil, sendo uma das contratações mais caras da história do clube. Ele veio com esse peso, com essa cobrança, ainda não conseguiu se afirmar do jeito que ele imagina que possa. Eu tenho certeza que tem nível para isso. Para mim, ele já deveria estar sendo muito bem visto para essa Copa, para uma próxima provavelmente ele vai estar no seu auge futebolístico e também como pessoa a nível de maturidade, de experiências.

– Não só o Antony, mas toda aquela geração provavelmente nessas duas próximas Copas vão estar vivendo os seus auges de carreira. E é uma geração que, se a gente rever aquela final olímpica, a gente vai ter a clara sensação de que é um time que tem condições de ser campeão do mundo, porque ali estava enfrentando o que hoje é uma das principais seleções do mundo, e foi um jogo de igual para igual, um jogo lá e cá, duríssimo. A gente poderia ter vencido já no tempo normal, vencemos na prorrogação, mas em nenhum momento daquele confronto nos sentimos em inferioridade no sentido de talento, de potencial de jogadores, potencial humano. Eu olhava pro banco e tinha Malcom, tinha Reinier, que é também um jogador que a gente acredita muito, Antony, Gabriel Menino, Paulinho… E na Espanha tinha o Asensio, enfim, tinha muitos jogadores que hoje já são realidade. Ali foi pau a pau, e eu quero acreditar que segue sendo assim. Quando nós cruzarmos com as principais seleções não vai faltar nível técnico para nós. O que a gente precisa é de uma equipe sólida, de tempo, como o Dorival vem pedindo. Porque eu acho que por falta de jogador… não vai ser essa explicação se a gente não atingir o objetivo.

A conquista do ouro em Tóquio vem na sequência do título na Rio-2016. De alguma forma você tentou olhar para o Rogério Micale, primeiro técnico campeão olímpico do Brasil, para aprender com os acertos e erros dele na condução da carreira?
– Não só o Micale, mas todos os profissionais. A gente vai tentando aprender também com o erro dos outros, não somente com os nossos. O Micale é um grande amigo que eu tenho, um profissional que eu admiro muito e que viveu muita coisa parecida comigo, de ganhar um ouro, de também ter essa angústia de querer dar um próximo passo, não saber exatamente qual passo dar. Ele acabou tendo as escolhas dele. O futebol brasileiro, como a gente sabe bem, não tem muita paciência. Muitas vezes um trabalho ruim já ganha um “carimbo”. Imagina se a gente fosse avaliar o Guardiola por essa etapa atual, como seria a nossa avaliação? Ele (Micale) sofreu bastante com algumas escolhas, está tendo que fazer uma volta bastante grande até para reconquistar espaço. Mas não só ele, a gente sempre está muito atento a cada profissional que viveu situações parecidas. A gente vai tentando aprender e de alguma forma não repetir erros e tomar caminhos que sejam aqueles que a gente acredita serem os melhores.

Você citou três vezes o Guardiola já espontaneamente em assuntos diferentes. Hoje no mundo me parece que existem duas correntes extremistas: para uns, o Guardiola é o maior treinador da história do futebol mundial, um revolucionário, o cara que mudou o jogo; e existe o outro lado que diz que o Guardiola padronizou o futebol mundial e tirou a cultura identitária de cada país. Você está em um desses extremos?
– Eu admiro muito o Guardiola, eu cito ele porque é sempre a forma mais fácil de a gente pegar o extremo, o expoente maior e que também vive mal os momentos. Hoje a gente pode falar isso. Parecia que nunca ia acontecer com ele (de viver uma má fase). Eu até me sinto mais aliviado, se acontece com ele é porque acontece com todos. A sensação é que todos os outros treinadores em algum momento já tiveram seus altos e baixos. Parecia que com o Guardiola nunca ia acontecer. Para mim, é um grande profissional. Talvez a equipe mais referência entre todas que eu já vi na minha vida seja o Barcelona dele, e que de jogo de posição não tinha nada. Era um jogo de muita mobilidade, de uma posse de bola bonita de se ver, muito coletivo. Então aquela referência eu carrego comigo e acho que vou carregar para sempre. É impossível me libertar porque eu vivi aquele momento e eu vi de perto aquela equipe jogar. E quando você vê, passa a acreditar que aquilo é possível. Por mais que seja difícil reproduzir, mas alguns padrões ficaram. Eu acho que nem ele conseguiu reproduzir nas equipes seguintes. Hoje ele vive essa cultura do jogo posicional de uma forma muito forte, acho que ele faz melhor do que ninguém. Todos que tentam copiar vão se sentir frustrados nesse aspecto porque ele domina nuances e pormenores desse jeito de jogar como nenhum outro domina.

– Mas a gente vai aprendendo, os treinadores todos são esponjas. Não existe uma forma, não existe uma verdade, existem influências, conceitos, ideias que a gente vai pegando e reinterpretando à nossa forma. Eu sou um pouco eclético, assim como na música, que gosto de tudo. No futebol também, eu gosto um pouco de tudo. Vejo valor num jogo de defesa e contra-ataque. Acho bonito quando é bem feito. Também admirava o Mourinho no jeito de jogar dele. Também admirava o Klopp, nesse jeito muito intenso de pegar a bola e tentar fazer o gol em dois, três segundos. Eu tento pegar de todas essas boas ideias que vão surgindo, tento ver naquilo que a minha equipe é mais capaz, que tem mais a ver com os meus jogadores, com o meu clube, tento aplicar as melhores ideias possíveis e assim eu vou indo.

Você viu a série de TV “Ted Lasso”?
– Vi, gosto bastante. Acho uma série que no início parecia ser boba. Os dois, três primeiros capítulos eu pensei que eu ia odiar, mas eu terminei amando, porque o personagem tem uma profundidade na relação com as pessoas que tem tudo a ver com a nossa profissão. É contagioso. O treinador tem esse poder do contágio, né? Para bem ou pra mal. Eu acho que na essência é o que o Ted Lasso trata. Passou a ser também um personagem que eu tenho um carinho muito grande, gosto, me inspira, porque acho que explica de forma resumida o nosso trabalho do dia a dia, que é tentar de alguma forma contagiar as pessoas de forma a inspirá-las a tirar o que cada uma tem de melhor.

E quais hobbies você tem?
– Hoje em dia aquilo que mais me distrai para desconectar é a Fórmula 1, eu adoro. Eu sou do tempo do Senna, do Piquet, e aí a morte do Senna fez a gente se afastar um pouquinho da Fórmula 1, todo brasileiro, até por trauma, por não querer mais aceitar que não tinha mais o nosso ídolo, apesar de amar também o Barrichello e o próprio Felipe Massa. O Barrichello, para mim, é um grande desportista brasileiro. Eu não perco uma corrida, a não ser quando tem jogo.

Então ganha ainda mais peso a torcida do Checo Pérez, piloto de Fórmula 1 que é torcedor fanático pelo América.
– O Checo estava nas finais, ele é um americanista, um esportista que lá no México é um ídolo tremendo, a gente torce muito por ele.

Em alguns momentos da nossa entrevista você mencionou a MLS, a liga norte-americana de futebol. É algo que você está olhando, que te atrai para o futuro?
– Eu acho que o brasileiro, de forma geral, vê a Major League como uma liga pequena, uma liga semiamadora, porque talvez fosse assim há uma década atrás. Muitos jogadores iam pra lá pra encerrar a carreira, né? Mas hoje mudou completamente. Tem jogador bastante jovem indo pra lá. E o que eu vejo da estruturação da liga e dos clubes me impressiona. Eu acho que só na Europa que vai ter estrutura igual, centros de treinamentos modernos, de campos impecáveis, estádios impecáveis, arenas novas, e clubes que estão crescendo, tendo mais poder de investimento para poder vir aqui contratar um jogador jovem brasileiro, como foi o Talles Magno, e agora o Gabriel Pec está fazendo sucesso lá.

– São clubes e estruturas que chamam bastante a atenção. E aí, obviamente, pela estrutura que o país oferece, por toda a segurança que tem os Estados Unidos, poder saber que o teu filho vai ter a melhor educação possível, são coisas que te fazem pensar, juntar um pouco uma liga atraente com um país bom de se viver. Deveria passar na cabeça de todo treinador, principalmente dos brasileiros. Eu imagino que, conforme o brasileiro for descobrindo a evolução da Major League, vai aumentar o interesse de fazer esse movimento migratório para lá. Tem muito pouco treinador brasileiro, ou quase não tem, se não me engano tem um, é muito pouco para o que é hoje a Major League, deveríamos ser um número maior lá.

Para arrematar: o que da cultura mexicana você já trouxe para a sua vida?
– A cultura mexicana tem muita coisa em comum com a brasileira. A comida é muito boa, é uma comida mais apimentada. No começo a gente estranha, mas depois acostuma. No café da manhã, por exemplo, é comum ter os ovos mexidos com o feijão. No início parecia estranho comer feijão de manhã, hoje eu vejo aquilo e me apetece. Um bom burrito, um bom taco, comida para qualquer horário do dia, seja almoço, seja janta… Se come muito bem no México! É um povo que vive num astral muito parecido com o do brasileiro, leve, positivo, as praias são maravilhosas, como as praias do Brasil, acho que não tem tanta diferença assim. Quando temos folga, eu gosto muito de passar dois, três dias em Cancún. A gente vai agregando experiências.

Vai ter uma pimentinha no churrasco do Jardine então.
– Uma pimenta na massa ali vai ter ou no feijão, um toquezinho a mais apimentado (risos).

 

Fonte: Globo Esporte

Nota do PP: para mim, Jardine foi vitima da nossa escassez de título. A sede de voltar a vencer era gigantesca e não admita um técnico que perdesse três partidas seguidas.

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