Flávio Marques: Copiar e Colar. Pobre São Paulo!

Muito antes de ser sócio do SPFC, sempre fui torcedor do Tricolor do Morumbi. Meus artigos, ainda que abordando assuntos técnicos como administração do esporte, são sempre escritos sob o ponto de vista do torcedor São-paulino. Quando abro os demonstrativos financeiros do Clube para analisar, estou sempre em busca de boas notícias. Infelizmente, há anos que não encontro essas boas novas.

Li os demonstrativos financeiros do São Paulo Futebol Clube referentes ao ano 2021, publicados recentemente, e estou preparando os artigos abordando o endividamento do Clube, o resultado do exercício 2021, a (falta de) eficiência na aplicação dos recursos e o comparativo de receitas do SPFC com os demais grandes clubes brasileiros. Esses textos demandam muitas horas de estudo e preparação e serão publicados nas próximas semanas.

Não posso, entretanto, deixar para depois três observações que me saltaram aos olhos à primeira vista, quando fazemos aquela leitura superficial do documento.

 

 

COPIAR E COLAR

 

Em qualquer publicação de balanços de grandes empresas e associações, o leitor sempre encontrará a frase: “As notas explicativas são parte integrante das demonstrações financeiras”.

 

As notas explicativas, como o nome indica, servem para explicar e justificar as variações nos saldos das contas do balanço ao longo do período coberto pelos demonstrativos. Para minha surpresa, ao ler a nota explicativa 11 – Obrigações Trabalhistas, das demonstrações financeiras de 2021, percebi que o texto não fazia sentido se confrontado com os números e com o período apurado. Bastou puxar rapidamente na memória, e nos arquivos eletrônicos, para perceber que essa nota explicativa foi copiada e colada, com edição mínima, do documento referente ao ano anterior.

 

Se em 2020 a nota a respeito da postergação do pagamento de parte dos salários dos atletas profissionais, devido aos impactos da pandemia, explicava satisfatoriamente o aumento em R$ 31 milhões da dívida com os funcionários do Clube, esse mesmo texto reproduzido em 2021 ficou sem sentido e defasado temporalmente. A pequena edição feita, eliminar a palavra “reais” que estava redundante com o símbolo R$, apenas confirma que não foi um erro “da gráfica”, mas sim um descuido dos profissionais que elaboraram o documento. Não atualizaram corretamente a informação para os interessados.

 

 

Extraído das demonstrações financeiras do São Paulo Futebol Clube de 2021:

 

Extraído das demonstrações financeiras do São Paulo Futebol Clube de 2020:

 

Esse descuido passou despercebido pela empresa de auditoria, pelo Conselho Fiscal, pelo Conselho de Administração e pelos 169 membros do Conselho Deliberativo que votaram favoravelmente à aprovação do Balanço Patrimonial e Demonstrações Financeiras de 2021.

 

O mesmo fato se repetiu nas notas explicativas 12 – DIREITO DE IMAGEM A PAGAR. Pouparei os leitores dos detalhes para não ser repetitivo.

 

Fato relevante: em 31 de dezembro de 2021 o SPFC devia R$ 99 milhões entre obrigações trabalhistas e direitos de imagem a pagar a seus atletas, com aumento de R$ 12 milhões nessa dívida em comparação com encerramento do ano 2020. Trata-se de uma conta importante para a Instituição, que mereceria, portanto, uma análise bem detalhada.

 

Éder Militão está de volta?

A nota explicativa 9.1 – Contratos de atletas profissionais, contém uma lista de 113 atletas com os quais o SPFC mantinha contratos de trabalho vigentes em 31 de dezembro de 2021. Essa lista indica ainda o percentual dos direitos econômicos que pertencem ao São Paulo Futebol Clube.

 

Estranhamente, faz parte dessa relação o jogador Éder Militão. Segundo essa informação, Militão tinha contrato de trabalho vigente com o Tricolor em 31/12/2021, e o SPFC detinha 10% de seus direitos econômicos naquela data.

 

Éder Gabriel Militão, o Éder Militão, transferiu-se do São Paulo para o Futebol Clube do Porto em agosto de 2018. Após uma boa temporada em Portugal, foi transferido para o Real Madrid em julho de 2019. No Real Madrid Militão é titular da zaga e, aos 21 anos de idade, um dos jogadores mais valiosos do elenco Madridista. Convocado frequentemente por Tite, Militão é um dos jogadores que tem vaga assegurada na Seleção Brasileira para a disputa da Copa do Mundo no Catar no final deste ano.

 

Nos demonstrativos financeiros anteriores do SPFC, referentes a 2018, 2019 e 2020, não há qualquer referência a um percentual remanescente do Tricolor nos direitos econômicos do atleta. O jogador poderia ter contrato de trabalho simultaneamente com duas entidades de prática desportiva? Aparentemente essas informações estão equivocadas, ou mereceriam uma explicação da diretoria.

 

Auditores, membros dos Conselhos Fiscal e de Administração, e os 169 membros do Conselho Deliberativo que votaram a favor da aprovação do Balanço, não perceberam essa falha envolvendo um jogador de destaque do futebol mundial? Ou pensaram tratar-se de um erro sem relevância, que não justificaria dispender tempo corrigindo? O espaço aqui está sempre aberto para esclarecimentos.

 

 

Estamos fatiando o nosso futuro?

 

A mesma nota explicativa 9.1 – Contratos de atletas profissionais, me chamou a atenção para outro fato importante. Comparando as listas de atletas e respectivos percentuais dos direitos econômicos pertencentes ao SPFC, apresentadas em dezembro de 2020 e dezembro de 2021, observei um aumento significativo da participação de terceiros em direitos econômicos dos atletas do elenco Tricolor.

 

Em 31/12/2020, da lista de 90 atletas com contrato vigente, em apenas 20 casos o SPFC possuía menos de 80% dos Direitos Econômicos dos jogadores. Já no final de 2021, excluindo da lista o nome de Éder Militão, entre 112 atletas com contrato de trabalho vigente, 40 casos eram de atletas em que o SPFC possuía menos de 80% dos Direitos. Passamos a ter o dobro de atletas em que terceiros possuem mais de 20% dos direitos econômicos. Fazendo a média aritmética simples das participações do SPFC nos direitos econômicos dos atletas, temos em 2020 um percentual de 90%, enquanto em 2021 essa participação caiu para 77%.

 

Para um clube que tem entre suas maiores receitas a “Negociação de Atestados Liberatórios de Atletas”, essa informação é muito importante. Estamos fatiando o nosso futuro? Perderemos receita nos próximos anos?

 

Em minha opinião, esta alteração nas políticas de participação do SPFC nos direitos econômicos dos atletas, se está ocorrendo, precisa ser bem explicada à torcida. Estamos vivendo um momento específico, algo excepcional, ou o Clube continuará a aumentar a participação de terceiros nos direitos econômicos dos atletas do elenco? Aguardemos.

 

Reafirmo que o espaço aqui está sempre aberto a esclarecimentos.

 

 

 

4 comentários em “Flávio Marques: Copiar e Colar. Pobre São Paulo!

  1. Esses e alguns outros itens não passaram desapercebidos como foi mencionado no seu artigo. O grupo Sou São Paulo protocolou um manifesto junto à presidência com comentários e sugestões há algumas semanas . Grupo Sou São Paulo é composto por 15 conselheiros entre outros são paulinos.

    • Boa tarde,

      Como sócio e torcedor fico feliz em saber que alguém apontou essas falhas, porém, mais triste ainda em ver que o alerta de vocês foi ignorado e a versão oficial publicada permaneceu com esses problemas.

      Não houve, entretanto, qualquer manifestação pública a respeito dos erros, mesmo após a publicação dos demonstrativos.

      Gostaria de saber quem são os componentes desse grupo, pois parecem estar nos representando de forma melhor do que aqueles que aprovaram o documento sem questionar.

      Obrigado pela atenção, leitura e comentário.

  2. Flavio, infelizmente mesmonfaznedo questionamentoa formais, não recebemos respostas da diretoria.
    A questão do Eder Milão demonstra o descuido da administração tal qual o menoscabo que tiveram com meu parecer reprovando o estouro do orçamento.
    Vamos oficiar a diretoria indagando acerca dos percentuais dos direitos federativos .

  3. E tem uma empresa auditando tudo isso? O São Paulo não paga salários, não paga luvas, acaba tendo que renegociar contratos, dando mais porcentagem aos empresários e aos jogadores. Estão arruinando o clube mesmo.

    Obrigado, Flávio, por, mais uma vez, dispor do seu tempo para escrutinar as lambanças do Tricolor.

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