Ex-diretor da base, René Simões diz que tentou reduzir gastos de Juvenal

René Simões está de volta ao mercado dos técnicos. Depois de ter virado dirigente e até comentarista na Copa do Mundo, o treinador quer uma nova oportunidade em algum clube, o mais rápido possível. Após esse tempo assistindo ao futebol de outra forma, ele garante que voltará aos gramados diferente, cheio de experiências e terá muito a acrescentar.

Em entrevista a ESPN, René faz duras críticas à CBF, sugere uma modificação geral na entidade, inclusive com a aposentadoria do presidente José Maria Marin, faz um balanço do fracasso no Mundial, defende a criação de uma liga de clubes e uma série de mudanças para melhorar o futebol brasileiro. Diferente de Carlos Alberto Parreira, ele diz que de maneira alguma a CBF é “o Brasil que deu certo” e que ela não serve de modelo para nada.

Ex-coordenador da base do São Paulo, Simões também comentou sobre a turbulência política no tricolor e revelou detalhes dos embates que teve com o ex-presidente Juvenal Juvêncio, a quem alertou sobre o gastos execessivos durante a gestão – ele pediu demissão por causa da dificuldade de relacionamento com o cartola. Na última semana, o atual presidente, Carlos Miguel Aidar, criticou Juvenal pela má administração, foi rebatido, e decidiu pelo desligamento de seu antecessor, que foi também quem o elegeu.

Veja os principais pontos da entrevista

Aliciamento de jogadores

Nós implantamos um código de ética, junto com o Ney Franco, em uma reunião da CBF. Muita gente discordava. Eu acho que tem coisas que não são ilegais, mas são imorais. Eu estava no São Paulo na época do Mosquito (Vasco) e eu não permiti que ele ficasse lá. Muitos torcedores ficaram bravos comigo, disseram que eu estava contra o clube. Eu não estava. Respeito muito o São Paulo. Mas como dirigente eu tinha a obrigação de mostrar o que não estava correto.

Gastos excessivos 

Eu lembro que um diretor me chamou e disse que eu tinha de parar de brigar com o Juvenal Juvêncio, o presidente. Eu disse que não estava brigando, mas que estava cumprindo a minha função de falar o que estava certo e o que estava errado. A evolução tecnológica, que o São Paulo já foi pioneiro, eu tinha de dizer que não temos nada lá dentro. Eu tinha que dizer. O gasto que estava tendo era muito grande, e podia economizar muito dentro do São Paulo, eu tinha que dizer ao presidente. Eu não queria brigar com ele, mas eu não podia ser um profissional que recebia o salário que eu recebia, que era excepcional, eu ganhava muito bem, eu tinha obrigação. A posição que eu tinha era para ficar 30 anos. Mas eu não podia fazer isso, tirando proveito da situação, sem fazer direito a minha função. Eu via muitas coisas e hoje eu vejo o presidente Carlos Miguel Aidar falando muitas coisas que eu falava naquela época. Eu não falei publicamente isso. Eu dizia isso lá dentro.

Sobre a saída de Juvenal

Eu não tenho muito o que comentar sobre isso. É uma questão interna. Estou de fora, não seria correto eu comentar sobre isso. O que eu posso falar é que muitas coisas que o presidente Aidar falou de Cotia era o que eu já tinha falado lá trás e tentei mudar. Desde a captação ao número de jogadores, passando pela integração e a parte tecnológica. O projeto que a gente fez lá dentro foi parar na China e no Marrocos, pelo que sei. Era excelente. Mas saber o que aconteceu entre os dois, eu não tenho a mínima ideia. Seria leviano dar minha opinião.

Juvenal era o melhor nome para a base?

Não sei dizer. A gente não pode duvidar da inteligência de Juvenal Juvêncio e não pode apagar tudo que ele fez no passado. Eu não sei bem o que ele estava fazendo em Cotia, por isso, é difícil falar sobre isso.

Falta de economia de Juvenal

O que eu reclamava principalmente de gastos era por causa do número de atletas por categoria. A gente calcula a indenização por formação, que é quando o atleta sai. Você tem de saber quanto ele custa ao clube e a gente sabia que cada um custava cerca de R$ 5,5 mil, com alojamento, comida. Você soma tudo, divide por todos os atletas e você vai descobrir. E eu sabia que o custo por atleta era muito alto e a eficiência era baixa. Numa categoria de sub-14, por exemplo, a gente tinha 54 garotos. Ninguém precisa disso. No máximo, para cada categoria, você precisa ter no máximo 30 jogadores. Com mais gente cria uma falsa ideia de que pode formar mais. Eu queria reduzir isso, e faria economias. Era essa a sugestão que eu dava.

Dificuldades no tricolor

Eu não tive muitas dificuldades de realizar o trabalho. A gente estava dando prioridade para algumas coisas. Mas os embates com o presidente foram as maiores dificuldades. Ele tem sua personalidade muito forte e não se pode discordar dele. E eu não discordava, mas como profissional muito bem remunerado eu apresentava o que estava errado. Isso desagradava.

Ingerência de Juvenal

A ingerência que eu tive com ele foi uma briga muito grande quando ele autorizou a contratação de 14 jogadores para o meu sub-20. Ele passou sem o meu crivo e sem o de mais ninguém do departamento. Eu não poderia deixar. Eu disse pra ele que eu não concordava. Eu ia sair, mas muita gente conversou comigo para que eu tivesse calma. Ficou muito mal resolvido. A gente contornou por um tempo. Se você tem um diretor técnico, você deve falar com ele. A gente tinha todo um sistema para avaliar o jogador, como eu falei. Acontece, normalmente, de o presidente passar a lista, a gente avalia, manda pra ele, e ele quer ou não. Ou o próprio departamento vê e analisa. Mas ele não fez dessa forma.

Fracasso de contratações

(Os 14) Vieram da Taça Belo Horizonte e de outros clubes. Não vingou ninguém. Não sei te dizer se tinha alguma coisa além, se era pedido de alguém. Seria leviano falar qualquer coisa, não tenho a mínima ideia.

De volta ao mercado

Eu quero voltar a ser treinador, depois de três anos. Quero voltar mais um pouquinho. Esse período que fiquei fora, três anos, foi excepcional. Vi o futebol de um outro ângulo. Vi com olhos diferentes, observando o que as equipes estavam fazendo dentro de campo, a Copa do Mundo foi muito boa para mim. Gostaria de pegar um clube agora para testar tudo isso.

Brasil na Copa

Eu acho que cometemos erros que não deveríamos ter cometido, até pela experiência de quem comandava. Confundimos Copa das Confederações com Copa do Mundo, esse foi nosso primeiro erro. Repetimos o que já tínhamos feito no passado em outros casos. Copa das Confederações não tem nada a ver com Copa do Mundo. A seriedade é completamente diferente. A Espanha, por exemplo, muitos dizem, desfrutou bastante do país na Copa das Confederações. Fora isso, ficamos presos a alguns jogadores, o que acaba sendo normal. Jogamos o peso em cima dos jogadores, estávamos “com a mão na taça”. Foi um peso muito grande para cima deles.

Pressão

O Thiago Silva foi o exemplo disso. Ele é equilibrado, conheço ele de muito tempo. Na primeira declaração dele, ele disse que queria terminar a Copa com zero gols tomados. Eu me assustei. Isso não existe. A imprensa toda estar lá o tempo todo é um problema também. Filmando tudo o tempo todo, não é legal. Falhamos na competição e temos fazer disso uma lição. Espero que tenha sido feito um relatório. Porque acabou com o 7 a 1, o 11 de setembro do Brasil.

Erro da CBF

O erro não foi ter escolhido Dunga ou Gilmar. O erro foi não ter fechado para balanço. A gente não teve nenhum jogo convincente. Perdemos em casa. De 7 a 1. E a gente acha que troca um treinador e um coordenador e acha que está tudo bem? Não importa quem seria o escolhido, se seria o Tite, Muricy, Vanderlei, isso seria um detalhe. A CBF fez mudança antes de ver o relatório. Deveria ter pensado, refletido. Fechado para balanço mesmo. Esse foi o principal erro, na minha opinião. Tinha que repensar tudo. Não adianta discutir Dunga. A CBF tem de mudar. As funções que ali existem, não fazem sentido. Há uma necessidade de uma integração vertical. Depois uma outra horizontal. Com base desde a criançada com relacionamento entre os técnicos.

CBF é o Brasil que deu certo?

Eu cheguei a ligar para o Parreira. Eu liguei e disse: eu não acredito que você tenha dito isso, seria como se estivéssemos comprando algo que não é verdade. Como assim deu certo? E ele me justificou, disse que é por causa dos títulos e por causa da estrutura. E eu fiquei um pouco mais tranquilo. Não tem como achar que a CBF seja um modelo para nada, nem de administração, nem de correção, nem de como ela lida com o dinheiro e como ela faz a política toda, de se perpetuar no poder por anos e anos. E ele disse que não foi isso que ele quis dizer.

Papel da CBF

Eu acho que a CBF deveria cuidar das seleções, e os clubes deveriam ter uma liga. A gente sabe que a entrada de dinheiro da CBF é enorme, e os clubes estão falidos. Ela tinha que dar o dinheiro dela? Não. Mas tinha que criar um mecanismo de que eles conseguissem arrecadar. Temos atividades de alto rendimento com dinheiro do governo. Isso está errado. O governo deveria investir na escola, na formação. A gente não vê isso. O dinheiro acaba sendo colocado em prol da CBF. É inadmissível.

Futebol feminino

Eu reclamo muito da CBF, mas não posso reclamar da minha passagem no futebol feminino. Eu sempre acho que ela pode fazer mais. A CBF fez muito bem em levar o Vadão para lá. Fiquei muito feliz com a contração dele. Sempre foi muito difícil fazer qualquer coisa com o futebol feminino. Eles se surpreenderam de eu aceitar o convite, porque era uma ajuda de custo, não era um salário. Eu queria ir para uma olimpíada e me apaixonei pelas meninas. A CBF deu tudo que prometeu. Menos os amistosos, que ela alegou que os times cancelaram. Pode ser verdade, ou não. Não sei. Com cinco estrelas no peito e criatividade, você consegue fazer muita coisa.

Aposentadoria do Marin

O Marin tinha que se aposentar. Está na hora. Não tenho dúvidas disso. Outros treinadores não falam isso porque eles correm muito risco. Quando você fala da CBF você corre risco. Risco de não ser convidado, de não ser chamado. Você tem relação muito próxima e fica com medo de sofrerem depois. Mas eu nunca tive medo de falar as coisas. Eu vejo o Marin falando e vejo o que ele faz e eu acho que ele tem de se aposentar e deixar a CBF para quem tenha uma posição, uma vibração. O Del Nero ainda é uma incógnita. Eu não sei exatamente o que ele pensa. Torço para que venha com ideias novas. E que assuma chamando pessoas, ouvindo todo mundo e disposto a mudar. Tem muita gente com ideia boa por aí e eu espero que todos sejam ouvidos.

Ranking de técnicos

O futebol tem muitas mentiras. A gente vê os candidatos à presidência. Eles discutem com os presidentes de federações e da confederação, mas por que a gente não pode saber? Outro exemplo, o Palmeiras demitiu o treinador, por que um técnico não pode ligar lá dizendo que gostaria de entrar? Porque vão dizer que ele está se oferecendo. Qual o problema disso? Acabou a Copa, por que ninguém pode dizer que quer estar lá? Eu defendo que exista um ranking de treinadores. O Doriva, que ganhou com um pequeno, deveria ganhar 200 pontos. Um com time grande, ganha 20. E aí você vai ver o que eles estão fazendo, como estão indo. Espero que o Del Nero venha com a ideia de mudar e não queria se perpetuar no cargo.

Liga de clubes

Eu dei essa ideia em uma reunião de diretoria. Eu fico feliz de o Juvenal estar pensando nisso agora. Eu falei sobre isso na reunião e ninguém falou nada porque estava assumindo o Marin, que era muito ligado ao São Paulo.

Empresários e jogadores

Eu acho que não podemos voltar de forma nenhuma ao passe, à escravidão. Mas acho que tem de mudar o primeiro contrato do jogador. Ele só pode assinar com 16 anos. Ele não é menino nem é homem. O primeiro contrato deveria ser permitido apenas com 19 anos. Você não sabe se ele vai virar mesmo jogador, ele também não sabe. Uma convocação pra uma seleção de base e o menino é assediado por um monte de empresários e vira aquela bagunça.

 

Fonte: ESPN

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