Como Zubeldía superou drama para virar técnico intenso e apaixonado

Zubeldía estava incontrolável. Ninguém sabia ao certo o que havia deixado o técnico irritado, mas o treino tinha sido interrompido e a decisão já estava tomada: ele renunciaria ao cargo no Lanús.

O vice-presidente do clube foi chamado às pressas.

– Não sei do que ele não gostou, se o gramado não estava bem cortado, se um reforço não tinha sido contratado. Nós nos fechamos numa sala com ele e o ajudante. Dissemos “Não, Luis, não pode ir!”. E não o deixamos sair da sala, ficamos ali trancado por três, quatro horas. Falamos com a sua esposa, falamos com todos. Estávamos no meio de um torneio. Falei “Luis, de jeito nenhum pode jogar essa bomba agora”. Depois de várias horas, ele se acalmou e ficou.

Alguns anos depois, também depois de um treino do Santos Laguna, do México, Zubeldía viu um dos zagueiros do time sozinho no banco, semblante triste. O técnico sentou-se ao lado e puxou conversa.

– Eu estava com uma situação pessoal complicada, um tema familiar que era algo muito delicado, um momento vulnerável meu. E depois do treinamento, ele ficou ali me escutando e compartilhando um momento muito especial. É uma pessoa que eu gosto muito e sou agradecido sempre. Não somente pelo que me deu como jogador, mas pelo que foi comigo como pessoa. Depois desse dia, tivemos conversas maravilhosas, ficávamos horas conversando.

As lembranças são do hoje presidente do Lanús, Luis Maria Chebel, e do zagueiro e capitão da equipe, Carlos Izquierdoz. Os dois, assim como torcedores, funcionários do clube e jornalistas, definem o hoje técnico do São Paulo da mesma forma: é um personagem intenso, talentoso, sensível, apaixonado.

O Esporte Espetacular foi à Argentina para conhecer as origens de três argentinos que brilham no São Paulo, no Corinthians e no Palmeiras. Luis Zubeldía é o primeiro.

Carreira abreviada e geração de craques
Zubeldía nasceu na região de La Pampa, a 600km de Buenos Aires, e chegou adolescente ao Lanús, o time grená da cidade de mesmo nome na Grande Buenos Aires e que se autointitula “El Club de Barrio Mas Grande del Mundo” (o maior clube de bairro do mundo). Como jogador, destacou-se cedo como um volante voluntarioso no campo, líder e com personalidade forte fora dele.

– Um jogador especial, muito técnico, e também com muita maturidade. Jogava como veterano, ordenava a equipe, era o meio-campista de equilíbrio – diz o jornalista Marcelo Calvente, um torcedor apaixonado que acompanha o Lanús há mais de 40 anos.

– Era excelente! Dos jogadores da sua geração era o melhor. Por técnica, por personalidade, diferente em todos os sentidos. Ele tinha 17 ou 18 anos e jogava como um jogador de 25 ou 30. Um líder natural dentro e fora do campo – define Chebel.

A qualidade e a pegada do jovem volante do Lanús chamaram atenção a ponto de ser convocado para as seleções de base da Argentina. Disputou o Mundial Sub-17 em 1997, foi convocado para a Sub-20 por José Pekerman e atuou com nomes históricos daquela geração como Burdisso, Ahumada, Maxi Rodríguez, Romagnoli e Saviola.

No Mundial Sub-20 de 2001, aliás, a seleção argentina conquistou o quarto dos seis mundiais da categoria, mas Zubeldía foi cortado um pouco antes por causa de uma lesão – a revelação D’Alessandro, que ainda não se firmara no River Plate, foi chamado para o seu lugar.

A frustração da ausência nessa conquista só não foi maior do que o problema que Zubeldía teve três anos depois: uma osteocondrite dissecante no joelho esquerdo, doença que afeta a cartilagem e causa dores e inchaço. E o volante teve de encerrar a carreira aos 23 anos.

– Ele trabalhou dois ou três anos para voltar a jogar. Luis é um tipo que não se entrega fácil, tem uma força mental absoluta. Foi até o máximo do seu físico para tentar voltar a jogar. Enquanto isso, estudou jornalismo e a parte tática do futebol. Por deixar o futebol tão jovem, foi um golpe muito grande para todos. Isso o incentivou a buscar novos horizontes e uma nova profissão – diz Fernando Babor, que trabalha na TV Lanús 2000 desde o início dos anos 90.

– Foi muito difícil, muito difícil como seria com qualquer outro garoto da idade dele. E sentimos ainda mais por ser um dos nossos, por seu grande talento. Tentou várias vezes e não deu certo – lembra Jorge Matera, chefe de comunicação do Lanús na época.

Dupla histórica em nova função
Apaixonado por futebol, Zubeldía decidiu que não desistiria do futebol completamente. Pouco tempo depois da aposentadoria, e no mesmo Lanús, iniciou a trajetória para virar treinador.

Começou como auxiliar e fez parte de uma dupla que marcou história no clube com o ex-jogador e técnico Ramón Cabrero, talvez o maior ídolo de todos os tempo do Lanús. Como diz Calvente, foi um “encontro místico” entre um jovem, que tinha tudo pela frente, mas perdeu a carreira, com um técnico veterano que tinha um passado muito ilustre.

Para se ter uma ideia, a rua em que fica o Estádio Ciudad de Lanús tem o seu nome, Ramón Cabrero. Juntos, os dois conquistaram o primeiro título nacional do Lanús, o Apertura de 2007.

– Quando formavam uma dupla, os dois estavam no banco de reservas. Mas era Zubeldía que trabalhava a equipe taticamente, a bola parada, que fazia as alterações, Ramón era como alguém que estava em outro plano. Tomava as decisões mais importantes e difíceis – afirma Calvente.

– No ano em que o Lanús foi campeão, em 2007, Ramón era o técnico, mas quem cuidava de toda a parte tática era Luis. Ramón falava com os mais velhos, Luiz com os jovens. Ramón tratava com o presidente, a diretoria… Zubeldía decidia horário de treinamento, movimentações, trabalho tático – diz Babor.

– Tem que ter uma personalidade muito forte para, aos 26 anos, falar com jogadores de 33 ou mais, com o capitão ou com pessoas que já jogaram uma Copa do Mundo – completa.

Quando Cabrero saiu do Lanús, Zubeldia foi o escolhido para assumir o cargo. E aos 27 anos, tornou-se o técnico mais novo da história a dirigir um time da primeira divisão do futebol argentino. E já com esse estilo cheio de energia, que invade o campo para comemorar um gol ou para acompanhar uma jogada.

– Aqui ele era igual ou pior. Discuti muitas vezes com ele, ficamos quase meses sem nos falar. Mas sempre tinha um interlocutor do corpo técnico para apaziguar – diz Chebel.

– Gostamos do Luís e de toda sua família. A verdade é que sentimos que ele é parte da nossa casa. Ele eleva o nível e te faz fazer o melhor. Ele sabe de todos os temas e se envolve em absolutamente todos os temas. É uma peça fundamental. Onde for ele vai se destaca.

E se algum jogador do São Paulo está precupado com o nível de exigência de Zubeldía, precisa ler ou ouvir o que o capitão do Lanús tem a dizer:

– É uma pessoa super trabalhadora, comprometida com o que faz. Muito exigente consigo mesmo e também com o seu grupo de trabalho. Tenta tirar 100% de todos o tempo inteiro. Mas depois é uma pessoa espetacular no trato pessoal, tem muita empatia, e está o tempo inteiro ciente da situação pessoal de cada jogador. Esse vínculo se fortalece fora do campo, e você acaba querendo dar o máximo porque ele é uma pessoa que merece – diz Izquierdoz.

– Se eu tivesse que dizer algo pessoal sobre Zubeldia, seria sobre os seus valores. Ele nunca abre mão deles, nunca os negocia. Ele como técnico, eu como jornalista, de tantas vezes que nos sentamos e conversamos, e nunca houve um condicionamento, nada além de respeito. Seus valores são intocáveis. Poucas vezes encontrei uma pessoa dentro do futebol com os valores que ele tem – afirma Babor.

Como jogador de base ou recém-profissionalizado, Zubeldía atuou por quase sete anos no Lanús. Como técnico, as duas passagens (2008-2010 e 2018-2021) somaram mais cinco anos de Grená.

Chegou à final da Copa Sul-Americana de 2020, na qual eliminou o São Paulo no Morumbis. E não precisou conquistar título para deixar saudade na apaixonada torcida grená

– Ele conheceu sua esposa (Ludmila) aqui no Lanús. Sua companheira era integrante do departamento de imprensa. Aqui nasceu a relação e a família linda que têm – diz Jorge Matera.

O Estádio Ciudad de Lanús foi o lugar que marcou o fim e o recomeço da história de Zubeldía no futebol. E que transformou a entrega como jogador na intensidade de treinador.

– É um maluco maravilhoso! Ele sabe que o amamos e que as portas do clube estão sempre abertas. Quando ele tomar a decisão de voltar, vai fazer muito feliz todos os torcedores do Lanús. Que ele desfrute de cada passo que der, e que siga conquistando triunfos. E que nunca abandone essa personalidade e essa ambição vencedora que tem – diz o presidente Chebel.

– Luis vai seguir crescendo na carreira e vai obter vitórias importantes porque a sua mentalidade é essa. Nunca dar-se por vencido, nunca achar que está tudo bem, sempre quer algo mais – diz Izquierdoz.

Zubeldía estreou como técnico do São Paulo em 25 de abril deste ano, com vitória por 2 a 0 sobre o Barcelona (ECU), em Guayaquil, pela Libertadores. Tem até agora 41 jogos pelo clube, com 21 vitórias, 11 empates e nove derrotas – aproveitamento de 60,2%

 

Fonte: Globo Esporte

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