André Cury diz que Hernanes recusou o Barcelona por ser são-paulino

André Cury calcula receber centenas de ligações por dia durante a janela de transferências no futebol e até por isso desliga o celular para contar os bastidores da própria vida. Ele sempre teve aptidão para os negócios, mas trocou as vendas de automóveis e saltos de bungee jump pela conquista de poucos: tornar-se um dos mais renomados agentes de jogadores do mundo.

Em 30 anos no mercado, foram mais de três mil transferências e bilhões de reais movimentados entre grandes clubes do Brasil e da Europa. Três das cinco maiores vendas do país, aliás, passaram por ele.

Pioneiro no mercado, diz que poucas pessoas conseguem se manter no futebol e que acumulou poucas decepções na carreira. Apesar de não admitir, a principal delas talvez seja não ter conseguido evitar a saída de Neymar do Barcelona rumo ao Paris Saint Germain – em negócio que movimentou mais de R$ 813 milhões em 2018.

Cury acredita que Neymar sabotou a própria carreira ao deixar o Barcelona.

Acho que foi mais empolgação no momento errado. O cara era jovem, tinha 23, 24 anos, se empolgou e errou. Quando ele se deu conta que errou…
— diz André Cury.
– Não conheço nenhum jogador que porque mudou de clube deixou de ganhar a Bola de Ouro. O Neymar eu acho que deixou de ganhar três. O Neymar foi feito para jogar no Barcelona. Os quatro anos que passou lá, parecia que estava desde que nasceu. Esses comentaristas falando… É para dar risada. É outro patamar. Mas ele errou. Já foi agora. Tem que correr atrás de 2026 – completa.

Ficha Técnica
Nome: André Cury Marduy
Idade: 54 anos
Profissão: agente Fifa de jogadores
Jogadores agenciados: Yuri Alberto, Estêvão, Raphael Veiga, Dudu, Éderson, entre outros.
Principais transferências: Ronaldinho Gaúcho (PSG ao Barcelona); Neymar (Santos ao Barcelona e do Barcelona ao PSG); Philippe Coutinho (do Liverpool ao Barcelona), Ousmane Dembélé (Borussia Dortmund ao Barcelona), Antoine Griezmann (Atlético de Madri ao Barcelona); Estêvão (Palmeiras ao Chelsea); Vitor Roque (Athletico-PR ao Barcelona e do Barcelona ao Palmeiras), entre outras.

Aos 54 anos, Cury foi de olheiro oficial do Barcelona – período da vida que mais o emociona – a uma espécie de banco informal de grandes clubes brasileiros.

Entre empréstimos, intermediações por vendas de jogadores e muita influência no destino de gigantes do futebol nacional, o empresário é um dos maiores credores do Corinthians (cerca de R$ 30 milhões), São Paulo (R$ 46 milhões), Atlético-MG (mais de R$ 50 milhões) e de outros times no país, com valor a receber na casa dos R$ 200 milhões. Ele garante que não está preocupado.

É mais fácil perguntar quantos não me devem. Se arrependimento matasse… Para mim é horroroso ter que cobrar um clube. Só que a gente vive de prestar serviço para clube e um dia tenho que cobrar.
— diz o empresário.

Cury tem em seu currículo algumas das maiores transferências da história do futebol, participando da venda de Neymar e Dembélé ao PSG, e de Philippe Coutinho ao Barcelona. Adepto do “corpo a corpo” para conversar, estima fazer uma média de 15 voos por mês, passando mais tempo viajando do que dentro da própria casa. Uma exceção, contudo, tira ele do trabalho: o Carnaval.

– Quase que perdi esse ano por causa do Vitor Roque. Até sexta à noite eu fiquei trabalhando. Teve uma hora que falei: Vitor Roque, você me desculpa, porque vou ter que ir. Se não, não tem nada. Não tem Réveillon, não tem nada. O dia inteiro no telefone – conta, aos risos.

Nas últimas janelas de transferências, o empresário ajudou o Palmeiras a negociar Estêvão com o Chelsea, em negócio na casa dos R$ 358 milhões – o maior da história do clube alviverde -, e no retorno de Vitor Roque ao Brasil, que deixou o Barcelona pelo Alviverde por R$ 154 milhões.

Abre Aspas: André Cury
ge: Como você entrou no futebol?

André Cury: – Tenho 35 anos de carreira e sempre gostei do futebol, sempre fui ligado, assisti jogos, fui aos estádios de todas as equipes onde podia ter oportunidade de acompanhar, sempre me identifiquei muito. Comecei quando tinha 23 anos, nos campos pequenos, com jogadores desconhecidos. A cada ano de trabalho, fui me tornando realidade no mercado.

Trabalhou com alguma coisa antes? A partir de que momento entendeu que dava para sobreviver no futebol?

– O começo é muito difícil, né? Sempre exerci profissões paralelas para poder, inclusive, me sustentar, mas trabalhei com bungee jump, em uma concessionária de carro, em uma concessionária de motos. Tive um bar, uma discoteca, vários ramos que a gente ia fazendo complementos e, paralelamente, trabalhando no futebol, que era uma profissão nova.

– Há 35 anos não tinha esse papel do agente como é atuante hoje. Era um mercado totalmente diferente. Eu ajudava alguns jogadores no começo de carreira, como o Zinho, do Palmeiras. Tinha uns amigos que jogavam futebol profissional, acabei me envolvendo e comecei a desenvolver transferências. No começo, para os mercados mais modestos, para a Bulgária, para a Rússia, que o mercado ainda era fechado na época.

Como que você consegue ter contato com clubes, dirigentes, ganhar essa confiança e, aos poucos, colocar um jogador ali? Como funciona o trabalho para ganhar notoriedade e as pessoas, consequentemente, confiarem em você?

– É uma profissão muito difícil, você tem que se doar muito para ela, 365 dias por ano, praticamente as 24 horas do dia. Não pode ter horário para outras coisas, infelizmente, mas eu acredito que só com muito trabalho e eficiência também, você se doando, vai conseguir prosperar nessa carreira.

Qual foi a primeira negociação que te marcou?

– Várias que bateram na trave me marcaram. Uma vez tentamos vender o Vampeta, que era um jogador já conhecido, se não me engano, para o Paris Saint Germain. É muito difícil fazer uma operação no futebol, tem muita complicação, o clube comprador, o clube vendedor, o próprio agente, o agente da outra parte, o jogador em si, a família, então é complexo.

Depois da lei Pelé, da regulamentação da Fifa, mudou muito essa relação dos clubes com os empresários?

– O que mudou foi a dinâmica dos processos. Os clubes também evoluíram, o mercado evoluiu, entra muito mais dinheiro. Acho que os jogadores recebem menos do que merecem, mas agora estão recebendo uma remuneração melhor. Eles são os verdadeiros artistas. A gente tenta fazer um complemento e ajudar, mas em 35 anos muda muita coisa, muda o jeito, o dirigente, o estatuto do clube, a organização.

– Na Europa, a mudança é gigantesca. No Brasil infelizmente a gente ainda tem um pouco de amadorismo nos clubes e falta de responsabilidade. Às vezes a pessoa fala: o clube está contratando um jogador por X milhões, mas ele pode contratar aquele jogador? Porque às vezes é melhor contratar o que pode e honrar os compromissos do que tumultuar o mercado. O sistema sul-americano, brasileiro, que conheço mais, não tem como ter sucesso.

– Os presidentes passam nos clubes sem nenhuma responsabilidade, e daqui dois ou três anos já não estarão mais, e isso vai deixando um monte de dívidas para o próximo. Aqui a gente poderia ter um produto muito melhor para o futebol, de competição, conseguir segurar os jogadores. Infelizmente nós não conseguimos fazer nada disso.

Isso passa pelo amadorismo do dirigente ou também pela má intenção de muitos deles de talvez tentar ganhar uma grana em cima do clube que ele diz que torce?

– Ganhar grana não é lícito, não deveria ser o caso, mas acho que o sistema, quando não imputa nenhum tipo de responsabilidade para o dirigente, acaba acontecendo um mercado livre. Você pode ver que existem clubes associativos ainda na Europa, como é o caso do Barcelona ou do Real Madrid, mas eles têm estatutos muito rígidos, que o presidente, se fizer mais gastos do que tem de entrada, acaba envolvendo o próprio patrimônio. Isso acaba imputando muito mais responsabilidade para eles.

Na sua visão, o mercado inflacionou demais ou está se pagando o que realmente gera de receita para os clubes hoje em dia?

– Depende. Por exemplo, se a gente tornar o futebol um ambiente sadio, que se tem o dinheiro para poder gastar, eu acho que o jogador tem que ganhar mais, porque o mercado é movido pelos jogadores. O cliente, quando vai ao estádio, vai ver o Neymar, o Estevão, o Yuri Alberto no Corinthians. Hoje o torcedor do Barcelona vai ao estádio para ver o Rafinha, o Lamine, e isso que gera a economia do futebol.

– Os jogadores agora estão começando a ter um salário respeitável. Não pode ter exagero, mas acho que é justo para a categoria. O espelho é a seleção brasileira, que era a melhor do mundo. Dessa geração dos anos 80, 90, 2000, nenhum ficou rico de verdade. Eram os caras que hoje têm que continuar trabalhando, fazendo um complemento. Eles, quando estavam jogando, não tiveram a oportunidade de estudar e fazer uma profissão, então tem que acabar virando um comentarista, treinador.

Essa dificuldade passa mais pelos valores da remuneração do que por uma falta de orientação que eles tinham no período?

– Na época, na maioria dos casos, tinham muitos jogadores sem um representante, por exemplo. Então não tinha aquela pessoa que ia brigar por ele, fazer um contrato melhor prevendo o futuro. A carreira do jogador, em média, você vai falar que são 12 anos. Um com sorte vai ter 20, um sem sorte vai ter oito, e ele precisa maximizar esse tempo na parte financeira para depois ter uma tranquilidade e refazer a própria vida.

Como se acha um grande talento no futebol hoje?

– Eu sempre falo que no futebol vale mais ouvir do que ver. Ver um jogador demanda tempo, às vezes dias, e você tem um limite de jogadores para poder ver durante o ano. Escutar, não. Escutar, você pode ouvir de dois mil jogadores e com o tempo vai aprendendo que escutar é melhor do que ver. E, quando você escuta, segue esse som e vai poder chegar onde está o jogador bom.

O que seria escutar no futebol?

– É o eco do futebol. Ali tem um eco, tem alguma coisa boa, um som bom. Aí você vai checar. Se ficar indo de campo em campo, olhar, nunca vai chegar nesse momento. Então, eu sempre falo que escutar é melhor do que ver no futebol.

Como é a abordagem até você conseguir trazer esse cara para seu portfólio?

– É uma coisa que você está acreditando mesmo, porque a lei só permite agora com 16 anos assinar um contrato de agente. Já tive vários casos, o próprio Estêvão, o Vitor Roque, o Kauã Elias, que no começo a gente ficou sem contrato e trabalhando na base da confiança. Fazer o bem não vai te trazer nenhum prejuízo. Então, a gente sempre tenta ajudar.

– O trabalho com um garoto quando tem a idade muito nova é um dia após o outro. Ele tem que ir para a escola, estar feliz, se alimentar bem, dormir, jogar o joguinho dele, bater uma bola na rua. E esse caminho, às vezes, é longo, não tem nenhum segredo que você vai dar um passo maior e economizar 30 dias.

Existe mesmo uma guerra por procuração de jogador no mercado?

– Eu sofro menos, mas o resto deve sofrer muito, porque o assédio existe, com quantidades altíssimas, às vezes até desproporcionais, porque entra dinheiro de fora. Só que quem é o jogador, quem é o agente de verdade, quem é o dirigente de verdade, sabe a dificuldade. Quem vê de fora às vezes fala: aquele cara ali está ganhando tanto. Mas ninguém passou a dificuldade que tinha que passar para o cara poder chegar até ali.

– O futebol é duro com todos os participantes. Obviamente, quando a pessoa quer ganhar terreno com rapidez, se usa esse tipo… Tentar comprar a procuração, tentar dar um dinheiro muito alto para a família, para seduzir de alguma maneira. A gente tenta seduzir com o nosso know-how, experiência e com os trabalhos já feitos.

Você já perdeu alguma procuração?

– Ah, sim…

Por muito dinheiro?

– Também não perdi algumas, por muito dinheiro também. Porque você cria a relação, o jogador confia em você, e eu tenho jogador que recebeu quantias imensuráveis e preferiu continuar o caminho dele, porque o caminho, inclusive, estava andando super bem e continua andando bem.

Qual o valor?

– Pô, é muito valor. Chega uma hora que os caras perdem a compostura. Era muito. Não posso falar dinheiro, nem citar nomes, mas são valores astronômicos. O cara já não ganhava mal, mas você bota aí mil vezes o salário do cara. Mil vezes. Para ele só mudar o representante, é como se mudasse um advogado.

– Só que existe uma coisa muito mais complicada por trás disso do que só mudar de advogado. Porque, às vezes, o advogado bom vai fazer sua vida dar certo. O advogado ruim vai fazer dar errado. Ou menos certa, ou menos errada. Não é que vai dar tudo errado, mas tem muitos casos. E tem momentos que a gente se orgulha da profissão, porque são casos que você vê que o dinheiro não compra tudo.

O mercado chinês veio em uma época muito forte, a Arábia Saudita com muito dinheiro, a Rússia também. Isso mais ajuda ou atrapalha vocês?

– Qualquer dinheiro que entra no futebol é sempre bem-vindo. De forma desproporcional, descabível, é sempre ruim. Por exemplo, o chinês, que já não existe mais. O russo está com um problema por causa da guerra. O da Arábia começou muito forte, agora deu uma estagnada, já estão começando a mudar o tipo de jogador.

– Não adianta só o cara te dar o dinheiro, porque existem outras coisas que podem mudar. Sem regulamentação, eu acho ruim. Com regulamentação, é aquela história que a gente falou aqui dos clubes brasileiros: gasta o que tem. Eu acho que a Europa está em um caminho. Todas as federações e a própria UEFA controlam os gastos. Pode-se gastar o que tem de benefício.

– Acho que qualquer mercado emergente também deveria ser assim, até para equilibrar o mercado e não acontecer também de muitos jogadores que ficam sem receber. Teve um time que o Felipão foi treinador e ficou devendo para o Rivaldo, devendo para ele, e tantos outros jogadores. Devendo para o massagista, roupeiro, para o cara que fazia a limpeza.

– Não, no futebol tem que tomar cuidado também com a camada de pessoas que estão no setor. Num clube de futebol não trabalha só o jogador. Trabalha o roupeiro, o massagista, a cozinheira, o cara que faz a limpeza, o motorista, o segurança. Eu lembro que o Conca foi para a China, o Tevez também, ganhar 40 milhões de dólares por ano. Eu trabalhava no Barcelona, e o Messi, que jogava mais que os dois juntos, não ganhava nem um quarto disso. Então, são coisas que eu acho que tem que ter sempre a regulamentação e poder fazer com responsabilidade.

Como é a sua relação com os jogadores? Você dá bronca, fala que está na fase complicada, sai menos. É uma amizade, mas também uma cobrança?

– Tem que cobrar um pouco de tudo. Os jogadores melhoraram demais no Brasil. Por quê? Melhorou a estrutura, a parte médica, o estádio, melhorou tudo, o jogador também melhora. É um conjunto. Primeiro, o jogador tem que ter o tempo, que ele já quase não tem para sair. Depois, a mentalidade do jogador sul-americano mudou. Os argentinos, os uruguaios, nos ajudam no exemplo, porque eles são mais focados. Não estou dizendo que os brasileiros não são, mas hoje diminuiu muito esse negócio. E quando vai para a noite, você já sabe quem é, sabe o que está dando errado.

Já teve que fazer algum tipo de intervenção? Dizer “assim não dá”…

– Ah, sim, isso já teve (risos). Tem uns que a gente conserta, tem outros que não. Tinha um jogador nosso que é um espetáculo, e ele não gostava de jogar. Não adiantava. Ele não saía, não bebia, mas não gostava de jogar. E aí eu tinha que conversar com ele: “cara, você tem que gostar mais de jogar. Inclusive porque você é o melhor”. Mas ele não gostava.

– Eu chegava na casa dele na Europa, a mala ficava pronta na sala, e eu falava: “bota as roupas no armário”. Ele falava: “não, não, deixa a mala pronta aí”. Já estava pensando em ir embora, só que ele só ia embora na próxima janela, daqui a seis meses, para voltar para casa de férias, e ele deixava a mala pronta. Esse cara não atingiu esportivamente nem financeiramente, porque não estava concentrado naquilo que fazia. Mas hoje os jogadores brasileiros, que eu posso falar mais, são como europeus, são muito responsáveis e muito dedicados.

Como você chegou ao Barcelona?

– Em 2000, quando o Laporta, que é o atual presidente, ganha, o vice era o Sandro Rossell, que é muito amigo meu. Fiquei amigo dele na Nike, em 99. Fui convidado por ele, com a seleção brasileira, para fazer esse trabalho no Mundial de 2002. E ele logo depois volta para a Espanha para fazer esse projeto, que saiu campeão do mundo, né? Foi muito legal. Ele voltou para Barcelona, saiu da Nike, e virou vice-presidente do clube. Em 2003, ajudei na contratação do Ronaldinho, que estava comigo na Seleção, em julho de 2002, e foi um sucesso tremendo. Talvez seja a maior contratação da história do Barcelona, porque é um cara que revolucionou o clube, que fez a torcida voltar a sorrir.

– Em 2010, eu já estava trabalhando mais diretamente com o clube, e culminou na contratação do Neymar e muitos jogadores sul-americanos:, Suárez, Coutinho, Paulinho, Arthur, Mina… Era muito legal, porque eu fazia quase todas as viagens com o time, e aí você vai aprendendo muito. Como eu trabalhava a favor do clube, então também entendi o lado de cá do balcão, e isso foi um aprendizado muito grande para mim. Entendo o que o cara está pensando do outro lado, porque eu já estive lá.

Você falou que o Ronaldinho mudou a história do Barcelona, isso é notório. Quem fez essa indicação ao clube?

– Na verdade, o Ronaldinho foi contratado sem querer. Na época havia eleição no Barcelona, em 2003, e por acaso eu tinha tirado uma foto uma semana antes, num aeroporto de Paris, com o Ronaldinho e com o Sandro, porque a seleção brasileira jogaria o primeiro amistoso na África, e eu estava indo com a delegação. Acabei descendo em Paris, fiquei porque o Sandro falou que teria a eleição, e eu falei: “vou para o Barcelona com você”. Quem ia ser contratado era o Beckham, mas dois dias antes ele decidiu ir para o Real Madrid. As pesquisas estavam meio empatadas, o Laporta com o outro candidato, e o outro candidato começou a crescer porque o Beckham disse que ia para o Real Madrid.

– Na sexta-feira à noite, o Sandro me ligou e me pediu para falar com o Assis, que é meu amigo até hoje, que eu tinha que usar a foto do Ronaldinho com ele para botar no jornal no dia seguinte, para ver se mudava alguma coisa. Lembro que fiquei com o Assis duas horas no telefone. Sei que era final da madrugada, ele liberou a gente usar a foto, mas falou: “não quero que use meu irmão politicamente”. E acabou que saiu a manchete do jornal no dia seguinte, que o Sandro tinha o Ronaldinho na manga, se não viesse o Beckham… Não era verdade até então, porque a foto foi usada mais para esse outro intuito, e ganharam a eleição.

– Não era o Ronaldinho o cara. Tivemos a experiência com o Ronaldinho na Copa de 2002, e eu falava, o Sandro também pensava nisso, e outras pessoas também. Depois de muitos nomes que deram errado, emplacou o do Ronaldinho. Ele já estava quase indo para o Manchester United, e conseguimos fazer essa contratação que mudou a história do clube. Existe um Barcelona de antes de 2003, e um depois. Todo mundo tem que agradecer ao Roni, por ele ter vindo.

Você acha que o Ronaldinho largou a carreira muito antes do que deveria?

– Se fosse dia de hoje, ele não ia ter feito isso, porque os jogadores brasileiros mudaram. Ele ali viveu três anos de mágico, de empolgação mágica, gerou títulos, de Champions League, que o Barcelona só tinha um, da época do Cruyff. O cara era o dono da cidade, e ele acabou. Não só ele, o elenco inteiro ali se deixou levar nessa vibração da cidade, de sair muito, de fazer churrasco, e esquecer um pouco o futebol.

– Não foi por causa do Messi que ele saiu. Inclusive, ele ajudou a lançar o Messi. Na época, quando entrou o Guardiola, que vinha do time B, era um treinador desconhecido, não queria mais os caras. Nem ele, nem o Deco. O único que conseguiu ficar foi o Eto’o, porque também não conseguiu fazer um negócio. Fez um time novo, sustentado pelo Iniesta e pelo Xavi, que já estavam lá, mas não eram super titulares absolutos, mas com o Messi montou-se esse time novo. A gente nesse ano também contratou o Henrique, que depois jogou a Copa do Mundo aqui em 14, mas foi emprestado pro Bayern Leverkusen.

– Na verdade, a gente ia contratar o Hernanes. Na época o São Paulo mudou a multa dele. Ele era muito são-paulino e falou que não ia discutir. Eu acho que foi um erro dele, de carreira. A gente respeitou e ele continuou no São Paulo. Depois de dois anos ou três, foi para a Lazio, mas perdeu de jogar naquele super time. E o Hernanes era muito vistoso, jogava com as duas pernas, ia se dar muito bem naquele time.

Você esperava que dez anos depois faria uma negociação como a do Neymar?

– Em 2023 vendemos o Vitor Roque. Em 93 contrataram o Romário, então cada dez anos dão sorte. Com o Vitor Roque o plano não saiu tão bem, porque existe uma série de erros, do nosso lado e do deles, porque o jogador não deve chegar na Europa em janeiro. Ele vinha de uma lesão, o treinador, que era o Xavi, já não estava em uma relação muito boa. O futebol vai te apresentando algumas contas que não são suas. Mas acho que sempre aparece. Está aí o Estêvão. Se o Barcelona tivesse saúde financeira, eles podiam ter contratado. Ali tem um problema bem sério na Europa que foi a pandemia. O Barcelona trabalhava no limite e quando vem a pandemia esse limite da La Liga sobe. Mas o tempo do Barcelona foi espetacular.

Você acha que a saída do Neymar do Barcelona foi um dos maiores erros de trajetória de carreira que você já viu no seu período no futebol?

– Sem dúvida nenhuma. O Neymar hoje teria três Bolas de Ouro no mínimo. Eu não conheço nenhum jogador que porque mudou de clube deixou de ganhar alguma Bola de Ouro. O Neymar eu acho que deixou de ganhar três.

E a saída dele, o que você acha que mais motivou? O pai, a cabeça…

– Não, o pai não. O pai na época era favorável que ele permanecesse, porque tem experiência. O Neymar foi feito para jogar no Barcelona. Parecia que estava lá desde que nasceu. O Neymar jogava demais. O que ficam esses comentaristas falando do Neymar… é para dar risada. Quando o Casagrande fala do Neymar, você fica olhando… o fim do futebol. Ele é craque de bola, diferente. É outro patamar, mas ele errou. Já foi agora. Tem que correr atrás de 2026 (risos).

Falou isso para ele em algum momento?

– Já falei. Sou muito amigo dele. Já tentei contratá-lo de volta, a história é muito longa.

Acha que é possível uma volta dele olhando esse cenário atual?

– Acho que no momento não é bom nem para ele nem para o Barcelona, porque o melhor para ele é permanecer aqui e ganhar a Copa do Mundo, que é o que precisa. Até para falar: “consegui”. Se não, vai ficar esse zum zum zum mais 40 anos. Na minha opinião, é melhor ficar aqui, até a Copa do Mundo. Se ganhar a Copa, vai para o Barcelona (risos).

Muito se fala na possibilidade de ele ter saído para deixar a sombra do Messi e tentar ganhar a Bola de Ouro. Você acha que foi algo nesse sentido?

– Eu acho que ele tinha juventude, aquela empolgação: “eu vou ganhar”. Acho que foi mais empolgação no momento errado. Quando ele se deu conta que errou… É que nem pegar o voo na classe econômica. Nada contra a classe econômica, mas falei um dia brincando com o Ney pai. Pegou o voo na classe econômica, daqui 4 horas tem um bebê chorando, cachorro latindo, a cadeira não desce, aí o cara levanta e fala: “preciso mudar de classe, vou pagar”. A aeromoça fala: “agora não dá, estamos no meio do oceano, só quando chegar na Europa vai dar para mudar de classe de novo”.

– Ele tentou, depois quando se deu conta… O futebol é cruel. O Neymar é a contratação mais barata da história de um clube de futebol do mundo. O Paris Saint Germain tinha que agradecer todo dia. Em qualquer lugar do mundo que você vai hoje tem uma camisa do Paris Saint Germain. O cara sabe onde é o clube, sabe a escalação. Antes, vocês nem tinham assistido um jogo deles.

Qual você acha que foi o problema no PSG? O que não deu certo?

– Um time não é feito em um dia ou só com dinheiro. É aquele famoso Sávio, Romário e Edmundo, eram os melhores, mas tinha que ter o resto do time. O Barcelona que dá certo quando vem o Suárez e o Neymar. O time inteiro do Barcelona já estava lá, então chegaram duas peças diferentes do resto, não chegou um time todo. No Paris, queriam fazer um processo inteiro e para fazer um processo inteiro num time de futebol é complicado.

Acha que o Estêvão é o jogador que vai estourar e vai ser referência na seleção brasileira?

– Com certeza. Só precisam deixar jogar. Jogador precisa de minutos, jogador que não tem minutos… Ele precisa ter realmente a oportunidade na Seleção, que não deram ainda. Na minha opinião, no meu time, ele joga de 10. Eles gostam de botá-lo lá na ponta. Eu acho que estreita para um jogador dessa qualidade.

Sua relação com o Corinthians hoje é boa? Já que existe uma dívida…

– Eu sou corintiano, não tem como ter relação ruim (risos). A relação é boa. Eu que ajudei a trazer o Ramón. Ele ajudou demais o Corinthians para a pré-libertadores, está na final de um campeonato que fazia cinco anos que não ia, resgatou muitos jogadores, o próprio Yuri teve uma performance espetacular com o Emiliano e com o Ramón. Ajudamos a trazer outros jogadores também, o Charles. Mas a relação é boa.

– O que existe é uma falta de pagamento do Corinthians com os contratos que são dessa gestão e anteriores, e que chega um momento que você tem que cobrar, porque se não cobrar, aqui no Brasil caduca-se o crédito. Nós sempre tivemos abertos a fazer um acordo. O clube nunca quis fazer nenhum tipo de acordo. Não acho que é correto. Quando você contrata, tem que fazer o pagamento. E de resto é tudo normal.

Quantos clubes no Brasil hoje te devem dinheiro?

– É mais fácil perguntar quantos não devem (risos). Eu não sei dizer assim, mas o problema é que o futebol brasileiro precisa se reorganizar, até para poder ter a Seleção forte, segurar os jogadores aqui, ter um campeonato diferenciado, ter mais injeção de dinheiro. Para mim é horroroso ter que cobrar um clube. Só que a gente vive de prestar serviço para o clube e um dia eu tenho que cobrar. A gente segura muito, até a hora que dá, chega o momento que não tem mais como postergar a cobrança.

Você fala muito do dinheiro que os clubes te devem, mas o quanto você também gerou de receita para esses clubes…

– O Yuri Alberto veio jogar no Corinthians de graça, o clube gastou 0 real. Eu já trouxe proposta de 30 milhões de euros. Só com essa proposta ele já me pagava e ainda ganhava dinheiro.

– Acho que quando a pessoa assume o clube, tem que saber o que está assumindo. Ser presidente de clube é muito legal, muito bacana, dá entrevista, é convidado para um monte de lugar. Eu não aceitaria ser presidente de clube. Não vou me desgastar.

Já emprestou dinheiro para clube?

– Para o Corinthians… e para o São Paulo (risos). Se arrependimento matasse… E o meu caso é pior ainda. Eu emprestei dinheiro para contratar o jogador que é o melhor volante da Europa, o Ederson, que está jogando demais na Atalanta, um cara fenomenal. Emprestei dinheiro para o Corinthians contratar e vendi o Ederson depois por R$ 40 e poucos milhões. O clube pegou três empréstimos, nunca pagou nem os três, nem os 40, nem a comissão, nem nada. Então é isso que tem que dar uma mudada para o futebol ficar mais saudável.

Tem esperança de receber desses clubes ainda?

– Eu não penso, eu não vivo… Já estou acostumado com isso, faz muitos e muitos anos. Se eu ficar pensando nisso… Chefe, tem um departamento que cuida disso, normalmente não sou eu. Chega uma hora, tem que ir, vai e vamos ver. Espero que sim, porque a gente prestou o serviço, geralmente o serviço foi muito bom, e espero que receba um dia.

Qual a negociação que você mais teve prazer de fazer e a que mais tenha te decepcionado na carreira?

– A negociação vai ser a próxima, e decepção não tem no futebol, você já vai calejado. Você tem que entender o ser humano, cada hora o cara pensa de uma maneira, tem alguma desilusão ou outra, mais de amizade assim, mas tudo normal.

Hoje em dia teu faturamento é exclusivamente com relação a negociação de jogadores ou você investe em outras coisas, como imóvel, que não seja necessariamente de negociação.

– Eu não invisto em nada, tem um cara que faz isso para mim. Eu só cuido de jogador, eu só vivo jogador, não faço mais nada, e o telefone vai tocar para caramba a hora que ligar.

Quantas ligações por dia?

– Na época de janela é mais de mil.

Quantas atende?

– Todas. Eu atendo, depois anoto, ligo. Quem não gosta é minha esposa, ela quer me matar, não tem sábado, não tem domingo, não tem nada. A única coisa que tem, quase que eu perdi esse ano por causa do Vitor Roque, foi o Carnaval. Até sexta à noite eu fiquei trabalhando. Teve uma hora que eu falei: “Vitor Roque, você me desculpa, porque vou ter que ir”.

Já vi você falando que nesse processo de negociação é importante o contato direto com as pessoas, quantas vezes você viaja por mês? Quantos voos pega?

– Muitos. Por mês, 15 voos, 20. Quando você vai para a Europa, pega muito. Agora eu estou ficando mais (em casa), por exemplo esse mês eu falei que vou ficar. O mês passado eu fiquei fora, esse mês agora até abril vou ficar. Eu tinha que ir, mas não vou porque vai ter o jogo da Seleção aqui, mas vou acabar indo a Brasília, Buenos Aires, talvez Porto Alegre no fim de semana, mas acabo arrumando as viagens, aí não tem como, isso aí é escolha.

Você já vendeu carro, pulo de bungee jump. Vender jogador é mais fácil ou mais difícil?

– Mais difícil. Carro vendia 100 por dia. Carro… Está de brincadeira. Jogador, tá doido. Eu dou risada com os caras que dizem: “agora vou trabalhar com futebol”. Vem, fica aí, vamos ver se você dura uns três dias. A dificuldade é grande demais, esse negócio do Vitor Roque também deu trabalho demais. Quando você acerta tudo, aí vem a Liga, que não pode, que não sei o quê. Aí vem a Federação da Espanha. E se dependesse do Barcelona, que eu conheço o clube, os caras responderam na segunda-feira: “ó, a La Liga não deixou, a Federação não chegou, e encerraram as negociações”. Falei: “não, não, não”.

– Contratamos um advogado em Madrid. Os caras achando que eu era louco. Falei: “calma, que vai dar”. E o Barros estava quase morrendo, ia ter um infarto, um AVC (risos). Falei: “calma, só morre na sexta-feira, até sexta dá pra viver ainda. Você quer morrer terça? Morre sexta, no dia que já não vai poder vir o jogador mesmo”. E o pior é que no final deu certo.

Você que foi atrás então de resolver?

– Ah, usei os caras do Palmeiras junto, fui lá um dia. Mas é porque eu conheço o Barcelona, advogado não sabe o que está acontecendo. Quantas e quantas contratações eu fiz que passavam pelo mesmo. Falei: “não, não vamos desistir, porque se a gente não empurrar os caras lá”… Eles já tinham terminado, eles que vão receber o dinheiro (risos).

 

 

Fonte: Globo  Esporte

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