No domingo dia 7 de janeiro de 2024 o técnico Dorival Junior comunicou à diretoria do São Paulo que havia aceitado o convite da CBF para assumir o comando da seleção brasileira de futebol, e na quinta feira, dia 11, fazia sua apresentação oficial ao público como o novo ocupante do cargo. Na sexta-feira, dia 12 de janeiro, o Tricolor anunciava a contratação de Thiago Carpini como novo treinador do seu time principal.
Em pouco mais de 11 anos, desde julho de 2012, esta é a vigésima sexta troca de treinador do São Paulo Futebol Clube. Vejamos os números:
Figura 1 – Fatos sobre as trocas de treinadores do SPFC
Dorival foi o terceiro treinador, nesse período, a deixar o SPFC para atender a um chamado de uma seleção nacional de futebol. Em 2015 o colombiano Juan Carlos Osório aceitou o convite para treinar a seleção do México, e no ano seguinte foi a vez do argentino Edgardo Bauza trocar a Barra Funda pelo comando da equipe nacional de seu país.
Cuca pediu demissão em setembro de 2019, após 5 meses de trabalho, segundo suas próprias palavras, por “estar convicto de que não conseguiria fazer a equipe evoluir”. Excetuados esses 4 casos de pedido de demissão, e sem contar os 10 comandos interinos, a direção do São Paulo tomou a iniciativa de demitir 12 treinadores no período, incluindo o próprio Dorival Junior em 2018.
Grandes nomes da história do Tricolor, campeões como Muricy e Paulo Autuori, também tiveram esse destino. O eterno ídolo da torcida, Rogério Ceni, foi brindado com duas demissões, a primeira em 2017 e novamente em 2023.
O quadro abaixo mostra todos os treinadores que passaram pelo comando do time do São Paulo desde 2012, ano de nosso último título internacional.
Figura 2 – Todos os treinadores do SPFC, de julho / 2012 a dezembro / 2023
O fato de termos dez períodos de comando interino, em pouco mais de 11 anos, somando 46 jogos, 6% das partidas disputadas pelo SPFC, indica uma clara falta de planejamento da(s) diretoria(s). A demissão de um treinador por impulso, em momentos de pressão da torcida, sem ter a definição do sucessor, é um fato que não deveria acontecer em estruturas profissionais.
O fato curioso desta análise é que o desempenho do time sob comando dos interinos foi melhor do que a média obtida pelos treinadores efetivos:
Figura 3 – Treinadores interinos do SPFC, de julho / 2012 a dezembro / 2023
Com médias praticamente idênticas de gols marcados e gols sofridos por jogo, os técnicos interinos conquistaram 56,5% dos pontos disputados, enquanto os efetivos tiveram apenas 53,3% de aproveitamento médio no período.
Vamos focar este estudo, entretanto, nos treinadores efetivos contratados pelo SPFC, com destaque para o desempenho de Dorival Junior em seu comando de 2023 (Dorival 2023). A seguir a tabela dos treinadores efetivos, classificados em ordem decrescente de aproveitamento de pontos:
Figura 4 -Treinadores efetivos do SPFC, de julho / 2012 a dezembro / 2023
Dorival Junior, no ano de 2023, apresentou aproveitamento ligeiramente inferior a seus três antecessores, Diniz, Crespo e Ceni. Aguirre, Ney Franco e Muricy Ramalho também tiveram aproveitamento superior ao de Dorival, que ficou em sétimo lugar no comparativo.
Dorival 2023 teve a 4ª melhor campanha em termos defensivos, com média de 0,85 gols sofridos por jogo, atrás de Cuca, Ricardo Gomes e Aguirre. A consistência defensiva do São Paulo de Dorival foi essencial para a conquista do título mais importante do Tricolor desde 2008, a Copa do Brasil.
Com relação ao ataque, entretanto, o time de Dorival 2023 foi apenas o 11º classificado entre os 16 comandos efetivos do período, com a baixíssima média de 1,19 gols marcados por jogo. Os dispensados Ceni, Diniz e Crespo tiveram médias de 1,48, 1,56 e 1,58 gols marcados por jogo, respectivamente.
Apenas Ney Franco (Sul-Americana 2012), Hernán Crespo (Paulista 2021) e Dorival Junior (Copa do Brasil 2023) conquistaram títulos no intervalo de tempo coberto por esta análise. Mesmo as conquistas não garantiram o cargo dos treinadores por um longo período. Ney Franco teve o contrato rompido menos de 7 meses após conquistar a Sul-Americana, a poucos dias de completar um ano à frente do time. Crespo, campeão Paulista em 23/05/2021, foi substituído por Rogério Ceni em outubro daquele ano, cinco meses após quebrar o jejum Estadual que já durava 15 anos. O tempo médio de trabalho de um treinador efetivo do SPFC foi de 235 dias, pouco menos do que oito meses. Abaixo os respectivos períodos de trabalho, classificados dos mais longevos aos mais breves:
Figura 5 – Longevidade dos treinadores efetivos do SPFC, de julho /2012 a dezembro / 2023
Aqui neste quadro temos outra prova das falhas de gestão de seguidas diretorias do SPFC. Como explicar a contratação de cinco treinadores que não ficaram nem seis meses à frente da equipe antes de terem seus contratos rompidos pelo Clube? Casos extremos, de técnicos que dirigiram o time por menos de vinte partidas, como Doriva, Jardine, Autuori e Ricardo Gomes, não poderiam ter sido evitados com um mínimo de planejamento e critérios de seleção? Contratar Rogério Ceni em 2017, então iniciante na profissão, com multa rescisória de R$ 5 milhões, para dispensá-lo depois de cinco meses, mesmo com aproveitamento mediano, não se configura em erro grave dos gestores?
Observamos acima que existe uma correlação entre o desempenho dos treinadores (aproveitamento %) e a longevidade de cada um no cargo, mas que essa relação não é absoluta. Entre os que estiveram empregados por sete meses ou mais, o pior desempenho foi de aproximadamente 52% de aproveitamento dos pontos disputados, por outro lado, entre os que trabalharam por seis meses ou menos, e foram dispensados, o melhor aproveitamento foi de Rogério Ceni em 2017, com 50%.
Conclusão
As seguidas mudanças de treinador não tiveram grande efeito no aproveitamento da equipe, quando analisados os resultados acumulados de cada técnico e o geral do Clube no período. A maior parte das mudanças ocorreu em resposta às pressões da torcida, e não como consequência de uma análise fria do desempenho da equipe ou da necessidade de se ajustar os conceitos táticos do profissional a um padrão estabelecido pela diretoria de futebol.
Sob o olhar apaixonado do torcedor o nosso tricampeão nacional Muricy, técnico de melhor aproveitamento no período, virou “Burricy”. Ney Franco, segundo melhor aproveitamento da série, passou a ser o “Ney Fraco”. Rogério, ídolo como jogador, foi de “estagiário” a “pardal”, em diferentes fases e passagens pelo Tricolor. Aguirre, terceiro melhor aproveitamento no comparativo, técnico que classificou o time para a Libertadores após dois anos lutando na parte baixa da tabela, foi demitido por ser “retranqueiro”. Crespo, campeão em maio vencendo o Palmeiras, já não servia em outubro, pois o time, extenuado por uma temporada sem férias e por priorizar a conquista do Estadual, apresentava baixo desempenho no Brasileiro e foi eliminado da Libertadores pelo mesmo Palmeiras.
Uma diretoria profissional não pode tomar decisões influenciada pelas pressões da torcida. O futebol brasileiro é muito competitivo, e flutuações de desempenho são esperadas ao longo do ano devido ao calendário das competições, prioridades definidas pela diretoria e efeitos externos como datas FIFA e janelas de transferência.
Uma boa gestão do esporte deveria começar com um planejamento anual, com a manutenção desse plano ao longo da temporada, e com apoio da diretoria aos profissionais – técnico, comissão e atletas – que executam suas funções. Substituir um treinador no meio do trabalho é, na maioria das vezes, uma má opção. Os números do SPFC ao longo de quase 12 anos de análise mostram que essas mudanças têm muito pouco efeito no desempenho do time. Que a nossa diretoria entenda esse efeito e procure ser mais contida quando sofrer pressões de torcedores.
O que esperar de Thiago Carpini?
Thiago Carpini, ex-jogador que atuava como médio volante, 39 anos, iniciou a carreira de treinador em 2018 na equipe do Guarani de Campinas. Teve passagens pouco expressivas por Oeste, Inter de Limeira, Santo André e Ferroviária. Em 2023 obteve destaque conduzindo o Água Santa a um vice-campeonato Paulista, e comandando o Juventude na campanha que resultou no acesso dos gaúchos à série A de 2024. Os números dele em 2023 foram:
Figura 6 – Estatísticas de Thiago Carpini em 2023
No campeonato Paulista, com um elenco bem modesto, fez 6 jogos contra times de Série A, venceu o Bragantino e o Palmeiras, empatou com Santos e São Paulo, e perdeu para Corinthians e duas vezes para o Palmeiras. Seu trabalho na Série B foi muito elogiado pela imprensa esportiva gaúcha.
Por ter um currículo pouco destacado, o novo treinador do São Paulo inicia o seu trabalho sob desconfiança de grande parte da torcida. Ao primeiro tropeço começarão os pedidos da torcida pela troca de treinador.
Carpini já demonstrou ter competência como treinador sob os aspectos técnico e tático. Ao contratá-lo a diretoria já sinalizou que essas competências técnicas estão à altura do SPFC.
O sucesso da contratação dependerá muito mais do respaldo dos dirigentes quanto à administração de potenciais conflitos no elenco, e para atenuar as pressões que virão dos torcedores. Se resistir às pressões dos primeiros quatro meses, com Supercopa, Paulista e 3 rodadas da fase de grupos da Libertadores, e seguir no comando, Carpini terá condições de fazer uma boa campanha na temporada.
Vamos esperar que a diretoria dê condições e apoio para que ele possa realizar um bom trabalho.
De fato, a quantidade de demissões e quantidade de interinos mostra que o São Paulo não tem planejamento.
Por outro lado, o desempenho em média superior dos interinos pode significar que a mudança era realmente necessária, que havia desgaste no relacionamento entre técnico e atletas.
Sempre digo que as demissões de Muricy, Diniz e Crespo foram precipitadas. Vinham de bons resultados sem tererem recebido muitos investimentos.
Gostei de saber, nas última notícia, que a escolha do Carpini levou em consideração o bom relacionamento com atletas e a filosofia de jogo, mais ofensiva. Pode ser sinal de amadurecimento da diretoria. Vamos ver…
Humberto,
Obrigado pelos comentários.
Flavio
Meu caro Flávio, mais uma brilhante coluna. Peço permissão para um adendo, treinadores que não disputam o campeonato Paulista deveriam ter um peso maior em suas médias, pois enfrentam adversários mais fortes no Brasileiro e torneio internacional.
Em tempo, em menos de 4 meses você vai ter que atualizar essa planilha, esse tal técnico novato não come ovo de Páscoa aqui…amadores contratando amadores, como eu gostaria de estar errado…
Obrigado pelos comentários, Danilo,
Concordo que as disputas do primeiro semestre – Paulista e fases iniciais das Copas – desequilibram um pouco as comparações.
Espero que Carpini possa ter vida longa, mas entendo as desconfianças.
Flavio