O São Paulo Futebol Clube apresentou déficit de R$ 62 milhões no exercício 2023, mesmo tendo sido o ano de maior receita bruta total do Clube em seus 93 anos de existência.
Veremos, na sequência, que o resultado negativo foi basicamente devido a despesas que excederam em R$ 110 milhões os valores previstos no Orçamento Anual. Por execução orçamentária entende-se, além de se atingir as receitas previstas para o ano, o cumprimento dos limites estabelecidos para os gastos de cada departamento.
Todos os dados apresentados neste artigo são os oficiais, obtidos nos demonstrativos financeiros publicados pelo São Paulo Futebol Clube e, exceto onde explicitamente indicado, estão apresentados em valores arredondados para a casa de milhões de reais.
- Receitas, Despesas e o Resultado do Exercício
Comparando visualmente a evolução ano a ano por meio do gráfico acima, podemos observar que houve nos três últimos anos um crescimento significativo das receitas em comparação ao apurado em 2020, entretanto, as despesas também seguiram em ritmo acelerado de crescimento.
Uma diretoria que tinha, pelo menos em discurso, o objetivo de equilibrar as finanças e reduzir o endividamento do clube, deveria ter sido mais comedida nos gastos. Os aumentos de despesas ocorreram de forma generalizada, principalmente no futebol profissional, no clube social e na administração.
Em três anos as despesas anuais cresceram R$ 234 milhões, um aumento de 50% sobre o gasto em 2020. Veremos detalhes das recitas e despesas nas próximas seções.
- As Receitas do São Paulo F.C.
A tabela acima mostra, a princípio, boas notícias.
Pelo lado positivo, a receita total do SPFC, R$ 669 milhões em 2023, cresceu R$ 18 milhões em comparação ao ano anterior (3% de crescimento), e, na comparação com o valor previsto em orçamento, o Tricolor gerou R$ 48 milhões a mais do que o projetado, ultrapassando em 8% a meta do ano. Todas as unidades de negócio, exceto esportes profissionais, tiveram desempenho superior ao orçado na geração de receitas.
Outro ponto positivo é a redução da dependência das receitas provenientes da negociação de atestado liberatório de atletas, que em 2023 representou 18% da arrecadação total do SPFC no ano, enquanto em 2022 essa participação foi de 35%. A diretoria apostou em manter no elenco os jogadores com bom valor de mercado, declinando de realizar vendas na janela de meio de ano, para não enfraquecer o time, conquistar um título, e buscar negociações com maior valorização no final do ano. Foi uma aposta arriscada, mas que em 2023 deu certo.
Beraldo foi o destaque nesta linha, contribuindo com mais de metade do valor arrecadado no ano em negociações de direitos de atletas. O valor bruto da negociação com o PSG foi de R$ 102 milhões, o XV de Piracicaba, clube de origem do jogador ficou com R$ 16 milhões, o próprio jogador, detentor de parte dos direitos, com aproximadamente R$ 14 milhões, o intermediário, FFP Agency, recebeu R$ 9 milhões, e a receita líquida para o SPFC na operação foi de R$ 63 milhões.
As receitas de transmissão e premiações atingiram um recorde histórico para o Clube, somando R$ 259 milhões em 2023, representando 39% das receitas do SPFC, a maior componente da receita total. Esse resultado foi em grande parte impulsionado pela premiação da Copa do Brasil, que apenas na finalíssima pagou R$ 70 milhões ao campeão. Cada vez mais é difícil distinguir receitas de transmissão das premiações em campeonatos, pois o valor a receber das empresas de comunicação dependem do desempenho do time nas competições, razão pela qual o São Paulo passa a apresentar essas receitas em uma única linha, como outros clubes já faziam há algum tempo.
Houve queda nas receitas de Publicidade e Patrocínio, devido ao encerramento de alguns contratos que não foram renovados como Roku, Gazin e Cimentos Cauê. Para 2024 a expectativa é positiva quanto a essas fontes de receita, pela negociação de novo patrocínio master, além de novas receitas como os “naming rights” do estádio e valorização em alguns patrocínios como ABC da Construção, que ocupa o calção.
Receitas de licenciamento, que incluem o contrato de material esportivo, loterias e outras receitas diversas, foram de R$ 22 milhões, um valor 20% acima do orçado, surfando na onda do bom desempenho do time na Copa do Brasil.
A fantástica presença da torcida Tricolor, aliada aos altos preços cobrados pelo jogo final da Copa do Brasil, garantiram uma receita bruta de R$ 110 milhões em bilheteria em 2023. Mais de um milhão de São-paulinos compareceram ao Morumbi ao longo do ano para apoiar o time, gerando arrecadação bruta R$ 46 milhões maior do que no ano anterior e R$ 52 milhões acima do previsto em orçamento.
Houve crescimento de receita de Sócio Torcedor, R$ 2,4 milhões a mais do que em 2022, aumento de 13%, também em grande parte derivado da campanha na Copa do Brasil. Em minha opinião, entretanto, as receitas de Sócio Torcedor do SPFC ainda se encontram muito abaixo do potencial gerado pela terceira maior torcida do país, com mais de 16 milhões de torcedores.
Todas as receitas do futebol, entretanto, precisam ser recebidas com otimismo moderado. Observamos aumentos em relação aos anos anteriores, e arrecadações acima do previsto, mas a base de comparação é o próprio SPFC. Teremos uma melhor ideia da eficiência da gestão quando compararmos essas receitas com a de outros clubes brasileiros, estudo que será elaborado e apresentado nas próximas semanas.
A unidade Estádio apresentou, proporcionalmente, o maior crescimento de receitas, atingindo R$ 43 milhões. Com nove datas de shows em 2023, recebendo o Metallica (x 6), RBD (x2) e Red Hot Chilli Peppers (uma noite), o Estádio gerou receitas R$ 14 milhões acima do previsto. Para o período 2024 a 2029 o contrato com a Live Nation vai assegurar uma frequência interessante de shows na “maior casa de espetáculos de São Paulo”, garantindo boas arrecadações para o SPFC.
As receitas do Clube Social, R$ 57 milhões em 2023, excederam em R$ 6 milhões o valor projetado, 12% acima da expectativa, devido ao aumento do número de associados, uma maior frequência dos sócios no clube, e pela nova maneira cobrar os concessionários de alimentos e bebidas, por meio de royalties diretamente sobre o faturamento.
O departamento de Esportes Profissionais, que na realidade se trata do time masculino adulto de basquetebol, apresentou uma receita de R$ 1,35 milhão, proveniente de patrocínios. É um valor 10% inferior ao obtido em 2022, e 36% inferior à projeção orçamentária de 2023. Assusta ainda ver que essa receita corresponde à metade do valor obtido em patrocínios pela modalidade em 2020, em plena pandemia da COVID-19.
Ceder para a Superbet, patrocinador master do Futebol, o espaço principal também na camisa do basquete, dificulta a obtenção de um patrocinador de peso para o time de bola ao cesto. O maior desafio da diretoria responsável pelos Esportes Olímpicos será eliminar, ou ao menos reduzir significativamente, o déficit da modalidade, sem prejudicar demais a competitividade do time. A torcida tem dado mostras de que gosta do basquete, e o ginásio Antonio Leme Nunes Galvão tem recebido bons públicos.
- As Despesas do São Paulo F.C.
Esta tabela nos traz muitas preocupações. A despesa total do SPFC em 2023, R$ 731 milhões, ultrapassou em R$ 110 milhões o valor autorizado pelo Conselho Deliberativo ao aprovar a previsão orçamentária apresentada pela diretoria. Os dirigentes não respeitaram os limites de gastos aprovados, com um excesso de 18% sobre o orçamento. Ainda olhando o panorama geral, o Clube em 2023 teve um aumento de despesas de R$ 108 milhões em comparação a 2022, uma variação de 17%, muito acima da inflação do período (IPCA de dezembro de 2023 foi de 4,62% em 12 meses).
Na unidade Futebol o estouro do orçamento foi de R$ 94 milhões, ou 22% acima do limite de gastos. Observo aqui que em 2023 os gastos com folha salarial e direitos de imagem alcançaram R$ 319 milhões, um incremento de R$ 87 milhões em comparação com o ano anterior (aumento de 38%). O acréscimo em premiações, diferença de R$ 43 milhões a mais em 2023, explica apenas metade dessa variação. A contratação de jogadores caros como Lucas Moura e James Rodriguez, além de outros 12 atletas que chegaram para o elenco principal, representaram uma elevação de 19% nos gastos de folha salarial e direito de imagem. O SPFC está adotando uma estratégia perigosa de aumentar os gastos visando aumentar a arrecadação por meio de bilheteria , patrocínios e premiações, e dessa forma equilibrar as contas. Esse roteiro levou o Cruzeiro Esporte Clube à insolvência e a abandonar as competições de futebol profissional em 2021.
No clube social o excesso de gastos foi de R$ 8 milhões, ou 16% a mais do que o orçado. Se excluirmos dessa despesa o prêmio excepcional pago a todos os funcionários, que para esta unidade somou R$ 1,2 milhão, ainda houve excesso de gastos de 13% além do orçamento aprovado. Em comparação com o ano anterior, o aumento de gastos foi de R$ 10 milhões, que representaram uma elevação de 22% nas despesas da unidade (R$ 8,8 milhões e 19% excluído o efeito da premiação).
Na administração vemos que as despesas seguem aumentando em ritmo acelerado. O valor gasto em 2023, R$ 45 milhões, excedeu em R$ 2 milhões o valor aprovado no orçamento (4% de excesso), e foi R$ 9 milhões superior ao gasto em 2022 (24% de aumento). Nos últimos três anos houve um aumento de R$ 14 milhões (45 % de crescimento) na despesa anual da administração.
A despesa em excesso que se observou na unidade Estádio é totalmente justificada pela realização de eventos de grande porte, shows e final da Copa do Brasil, além dos previstos na projeção orçamentária.
Na unidade Esportes Profissionais o time, após ter chegado à final do NBB na temporada 2022/2023, não renovou com atletas como Marquinhos, Shamell e Elinho, veteranos com salários mais altos, visando reduzir a folha salarial. As reduções foram pequenas, e tiveram pouco impacto no resultado financeiro da unidade, mas o time perdeu muito em competitividade.
A “Despesa Financeira Líquida” é proporcional ao Endividamento e às taxas de juros de mercado. Com a Selic ainda alta, em dois dígitos, e o nosso endividamento efetivo, em especial o bancário, aumentando, as expectativas para 2024 não são positivas. Não há como reduzir a dívida, e consequentemente as despesas financeiras, enquanto o clube continuar a apresentar sucessivos déficits.
Obter receitas maiores do que as previstas não dá direito aos administradores de gastar mais do que o aprovado. O Estatuto Social do SPFC, em seu artigo 137, é bastante claro quanto à obrigatoriedade, por parte de todos os dirigentes, de se cumprir o orçamento, e estabelece ainda que qualquer excesso de despesas acima de 5% do orçado, por área, atividade e no agregado, deve ser motivo de instauração de um procedimento para apuração de responsabilidades.
Se os gestores do SPFC tivessem respeitado seus limites orçamentários de gastos, o Tricolor teria alcançado um superávit de R$ 48 milhões no ano 2023, ao invés do déficit de R$ 62 milhões apresentado.
- Contribuição por Unidade de Negócio
Esta tabela mostra a contribuição de cada unidade de negócio. Apresento os números ainda em R$ milhões, mas com uma casa decimal para melhorar o entendimento.
A unidade Futebol contribuiu com R$ 59 milhões (positivos) para o resultado do exercício, entretanto, o aumento das despesas com futebol profissional se refletiu em um resultado R$ 71 milhões pior do que o obtido em 2022, e R$ 54 milhões abaixo do previsto em orçamento. O Futebol é a razão de ser da Instituição, seu carro chefe na geração de recursos, e a sua contribuição é essencial para equilibrar as contas do Clube. Com desempenho financeiro pior do que o previsto, a unidade de futebol profissional e de base é a maior responsável pelo déficit apurado no período.
A unidade clube social operou próxima ao equilíbrio, com ligeiro superávit, R$ 0,3 milhão, apesar de também ter tido resultado financeiro pior do que o orçado (R$ 1,4 milhão pior).
A unidade Estádio, com receitas crescentes e custos bem controlados, apresentou superávit de R$ 20 milhões, resultado R$ 16 milhões melhor que o ano anterior e R$ 13 milhões acima do previsto para 2023. Foi a única unidade de negócio que operou com resultado melhor do que o planejado.
A unidade de Esportes Profissionais, responsável pelo time de basquetebol masculino adulto, entretanto, continua operando em déficit, ainda que ligeiramente reduzido este ano.
Eu gosto de basquete, torço e torcerei pelo time do São Paulo enquanto a equipe existir, e defendo a permanência da modalidade desde que autossuficiente. Hoje o time não é sustentável, e sobrevive às custas de pequenos patrocínios e de recursos gerados pelo Futebol e Estádio. Aqui penso que há uma falha de nosso departamento de Marketing por não conseguir “vender” a bons parceiros os benefícios de se associar ao basquete Tricolor.
Um erro, cometido em 2021 e repetido em 2023, foi ceder ao patrocinador master do futebol também o espaço mais valioso da camisa do basquete. Hoje, uma parte desse patrocínio master é alocada como receita do basquete. Esse arranjo não cobre as despesas do time de basquete, tira recursos do futebol, e impede o departamento de Marketing de buscar um patrocinador de peso para a modalidade. A solução seria renegociar essa condição, abrir espaço na camisa para um patrocinador específico do basquetebol, e o Clube passar a montar os times respeitando a receita própria gerada por esse esporte apaixonante. Uma alternativa a ser investigada é buscar apoio institucional por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, fonte de recursos para iniciativas da LNB (Liga Nacional de Basquete) e CBB (Confederação Brasileira de Basquetebol). A torcida do São Paulo tem apoiado no time no ginásio, nas transmissões e redes sociais, e o basquete pode servir para a Instituição atingir outros públicos que não os aficionados por futebol. Como no futebol, precisamos deixar de lado a contratação de “estrelas” e partir para usar mais atletas jovens, inclusive formados na base do SPFC. Essa é a fórmula para termos basquete sustentável como tantos clubes no país.
- Conclusões
A diretoria do São Paulo Futebol Clube tem focado seus esforços no crescimento de receitas da entidade. Alguns bons resultados nesse sentido foram obtidos nos últimos três anos, e comentados nas seções acima deste texto.
Por outro lado, percebemos uma elevação preocupante das despesas, que em 2023 chegaram a R$ 731 milhões e excederam o valor orçado em R$ 110 milhões. O gráfico abaixo mostra como se comportaram as receitas e despesas no período 2020 a 2023.
O equilíbrio financeiro e a redução do endividamento do SPFC passam, sim, pelo aumento de receitas, porém, não se pode permitir que as despesas sigam crescendo de forma tão acelerada.
A boa sorte interferiu em 2022, com mais de R$ 100 milhões em receitas provenientes de transferências de ex-jogadores do Tricolor na Europa, convertendo mais um grande déficit em um superávit ilusório. Em 2023, mesmo com a conquista da Copa do Brasil, apresentamos déficit elevado, que teria sido ainda pior sem as premiações obtidas por esse título.
Por quanto tempo mais dependeremos do incerto? Do imponderável?
Para um clube muito endividado como o nosso, não basta trabalhar para aumentar as receitas. Se não houver uma ação efetiva da diretoria para reduzir as despesas, adequando os gastos ao que o Clube pode gerar em receitas recorrentes, estaremos sempre em situação frágil. Enquanto dependermos de empréstimos bancários para financiar o nosso giro e pagar parcelas de empréstimos anteriores, não poderemos investir de forma sustentável para a manutenção de um time competitivo.
Este texto é um alerta para todos os que querem ver um São Paulo forte no longo prazo. Para se obter resultados esportivos consistentes, ao longo dos anos, é necessário o equilíbrio financeiro da Instituição, para que o Clube possa sempre investir em equipes competitivas.
Reitero os meus parabéns ao amigo Flávio pela consistência da sua análise. Nesta oportunidade eu me permito registrar alguns comentários:
1.) A unidade clube social não pode ser analisada sob o prisma do resultado/lucratividade. No meu entender, como associado e frequentador, o objetivo deve ser a manutenção do equilíbrio entre a receita auferida e as despesas, de forma que seja “entregue” ao associado, em serviços, o valor que ele paga mensalmente. O valor da cota (contribuição) quando levada a comparação com a de outros clube sociais, acaba atingindo um patamar superior, especialmente porque a contrapartida (“entrega” em serviços) não atinge a expectativa.
2.) A gestão financeira do futebol profissional deveria ser ralizada de forma mais profissional, racional e comedida. Não há NENHUMA justificativa para a contratação de atletas como, por exemplo, James Rodriguez, Dani Alves e outros, cuja probalidade de fracasso técnico e financeira é gritante e salta aos olhos até daqueles mais jejunos em gestão. É obrigação daqueles que estão sendo “remunerados” para gerir o futebol uma atuação bem mais racional e sem a passionalidade de um torcedor.
3.) Eu adoro basquete e, sempre que eu posso, frequento os jogos realizados em nosso ginásio. Tenho acompanhado a evolução da equipe desde que estreou na série “prata” – 2a divisão. Os resultados, exceto nesta temporada cujo rendimento está muito aquém, tem sido satisfatórios. Contudo e assim como no futebol, o departamento deveria ser financeiramente autossuficiente. O resultado negativo é preocupante, especialmente quando analisado no contexto deficitário da Instituição.
Olá Waldir, muito obrigado pelos comentários.