Após três anos de elevados déficits, entre 2019 e 2021, o Demonstrativo de Resultados do Exercício do ano 2022 do São Paulo Futebol Clube apresentou um superávit de R$ 37 milhões, fato muito comemorado, e explorado, pelos atuais gestores da Instituição.
Veremos na sequência que o resultado positivo, porém, é ilusório, pois foi basicamente devido a fatores que não estavam sob a influência dos atos dos administradores do SPFC, como citado no próprio relatório de diretoria que acompanha os demonstrativos.
Todos os dados apresentados neste artigo são os oficiais, obtidos nos demonstrativos financeiros publicados pelo São Paulo Futebol Clube. Os valores, exceto onde explicitamente indicado, estão apresentados em milhões de reais.
- Receitas, Despesas e o Resultado do Exercício – Dados oficiais publicados
Comparando visualmente a evolução ano a ano por meio do gráfico acima, podemos observar que houve nos dois últimos anos um crescimento significativo das receitas em comparação ao apurado em 2020, ainda na gestão anterior, entretanto, as despesas também seguiram em ritmo acelerado de crescimento.
Uma diretoria que tinha, pelo menos em discurso, o objetivo de reduzir o endividamento do clube, deveria ter sido mais comedida nos gastos. Os aumentos de despesas ocorreram de forma generalizada, no futebol profissional, no clube social e na administração.
Veremos detalhes nas próximas seções.
- As Receitas do São Paulo F.C.
A tabela acima mostra, a princípio, boas notícias. Os documentos oficiais publicados pelo SPFC explicam bem a distorção de compararmos as receitas de 2022 com os valores registrados em 2020 e 2021, anos em que a pandemia da COVID-19 gerou quebra de arrecadação devido à ausência de público e pelo atraso nas competições que avançaram no ano 2021, postergando alguns eventos de geração de receitas, e não vou abordar esse efeito aqui.
Pelo lado positivo, a receita total do SPFC em 2022 cresceu R$ 186 milhões em comparação ao ano anterior, e foi 40% superior ao apurado em 2021. Na comparação com o valor previsto em orçamento, o Tricolor gerou R$ 111 milhões a mais do que o projetado, ultrapassando em 21% a meta do ano. Todas as unidades de negócio – futebol profissional e de base, clube social, estádio e esportes profissionais – tiveram desempenho superior ao orçado na geração de receitas.
O ponto preocupante é a elevada dependência das receitas provenientes da negociação de atestado liberatório de atletas, que representou a maior arrecadação do SPFC no ano. A receita de venda de atletas atingiu em 2022 o valor de R$ 229 milhões, o que representa 35% da receita total do São Paulo F.C., e assustadores 39% da receita da unidade de negócios “futebol”.
As receitas de negociação de atestado liberatório de atletas incluem as vendas de direitos federativos e econômicos, as verbas recebidas a título de mecanismo de solidariedade (percentual da negociação pago ao clube formador do jogador) e, dependendo do contrato, participação na “mais valia” em negociações futuras. Essas receitas são imprevisíveis, e pouco dependem da atuação de nossos dirigentes. São tratadas em geral como “não recorrentes”, pois não existe nenhuma garantia de repetibilidade ano após ano.
A negociação de atletas não pode ser a principal fonte de receitas de um clube que tem grandes objetivos esportivos. Os bons jogadores deveriam ser mantidos na equipe para gerar prioritariamente ganhos esportivos, e, posteriormente e mais valorizados, serem negociados no futuro. A maior venda de direitos de jogadores em 2022 foi na transferência de Gabriel Sara para o Norwich da Inglaterra, por R$ 57 milhões, valor baixo para um meia atacante habilidoso. Sabendo de nossas fragilidades financeiras, o potencial comprador reduz a oferta.
- As Despesas do São Paulo F.C.
Esta tabela nos traz muitas preocupações. A despesa total do SPFC em 2022 ultrapassou em R$ 90 milhões o valor autorizado pelo Conselho Deliberativo ao aprovar a previsão orçamentária apresentada pela diretoria. Os dirigentes não respeitaram os limites de gastos aprovados, com um excesso de 17% sobre o orçamento. Ainda olhando o panorama geral, o Clube em 2022 teve um aumento de despesas de R$ 63 milhões em comparação a 2021, uma variação de 11%, muito acima da inflação do período (IPCA de dezembro de 2022 foi de 5,79% em 12 meses).
Na unidade Futebol o estouro do orçamento foi de R$ 78 milhões, ou 21% acima do limite de gastos. Observo aqui que em 2022 os gastos com folha salarial e direitos de imagem alcançaram R$ 232 milhões, um incremento de R$ 47 milhões em comparação com o último ano da gestão Leco (25% de aumento nessa despesa). Em 2020 tínhamos em nossa folha atletas de altos salários como Daniel Alves, Juanfran, Hernanes, entre outros, que já haviam deixado o Clube em 2022. A promessa de redução de folha salarial me imagens do time de futebol não se cumpriu.
No clube social o excesso de gastos foi de R$ 7 milhões, ou 19% a mais do que o orçado. Nas despesas da administração vemos que, embora o orçamento tenha sido respeitado, houve um aumento de R$ 4 milhões (12% de crescimento) na comparação com o valor gasto em 2021. A “Despesa Financeira Líquida” é proporcional ao Endividamento e às taxas de juros de mercado.
Obter receitas maiores do que as previstas não dá direito aos administradores de gastar mais do que o aprovado. O Estatuto Social do SPFC, em seu artigo 137, é bastante claro quanto à obrigatoriedade, por parte de todos os dirigentes, de se cumprir o orçamento, e estabelece ainda que qualquer excesso de despesas acima de 5% do orçado, por área, atividade e no agregado, deve ser motivo de instauração de um procedimento para apuração de responsabilidades.
Se os gestores do SPFC tivessem respeitado seus limites orçamentários de gastos, o Tricolor teria alcançado um superávit de R$ 112 milhões no ano 2022, muito superior aos R$ 37 milhões registrados, ainda que um resultado ilusório como veremos mais à frente.
- Resultado por Unidade de Negócio
Esta tabela mostra que as unidades do Clube Social e Estádio se recuperaram dos prejuízos apresentados nos anos anteriores e em 2022 operaram no equilíbrio (Clube Social) ou mesmo em superávit (Estádio). A unidade de Esportes Profissionais, responsável pelo time de basquetebol masculino adulto, entretanto, continua operando em déficit crescente.
Eu gosto de basquete, torço e torcerei pelo time do São Paulo enquanto a equipe existir, e defendo a permanência da modalidade desde que autossuficiente. Hoje o time não é sustentável, e sobrevive às custas de pequenos patrocínios e de recursos gerados pelo Futebol e Estádio. Aqui penso que há uma falha de nosso departamento de Marketing por não conseguir “vender” a bons parceiros os benefícios de se associar ao basquete Tricolor.
Um erro, cometido ainda em 2021, foi ceder ao patrocinador master do futebol também o espaço mais valioso da camisa do basquete. Hoje, do patrocínio da Sportsbet.io uma parte, algo como 5% da verba, é alocada como receita do basquete. Esse arranjo não cobre as despesas do time de basquete, tira recursos do futebol, e impede o departamento de Marketing de buscar um patrocinador de peso para a modalidade. A solução seria renegociar essa condição, abrir espaço na camisa para um patrocinador específico do basquetebol, e o Clube passar a montar os times respeitando a receita própria gerada por esse esporte apaixonante. A torcida do São Paulo tem apoiado no time no ginásio, nas transmissões e redes sociais, e o basquete pode servir para a Instituição atingir outros públicos que não os aficionados por futebol. Como no futebol, precisamos deixar de lado a contratação de “estrelas” e partir para usar mais atletas jovens, inclusive formados na base do SPFC. Essa é a fórmula para termos basquete sustentável como tantos clubes no país.
O Resultado do Exercício foi turbinado por um resultado “Não Operacional” positivo de R$ 10 milhões, resultante das reduções de juros, multas e encargos legais obtidas por renegociação de Obrigações Tributárias Parceladas, como resultado da adesão do Clube ao PERSE – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos.
- Superávit ilusório
O São Paulo, como clube formador de atletas atuando há muitos anos no mercado, poderá sempre contar com alguns recursos provenientes de “mecanismos de solidariedade” em função de negociações, entre terceiros, de jogadores que foram formados em sua base. Em 2022, contudo, os valores recebidos a esse título, e pela participação em “mais valia”, foram absolutamente excepcionais e tem que ser mencionados em qualquer análise sobre o resultado do exercício.
Em agosto de 2022 o Manchester United, que disputa a Premier League, investiu EUR 166 milhões (R$ 863 milhões ao câmbio da época) para contratar, de diferentes clubes, dois jogadores formados na base do SPFC. Foram valores altíssimos, mesmo para nível Europeu, pagos na contratação de atletas muito valorizados, vinculados a grandes clubes da Europa e que defendem a Seleção Brasileira. Os detalhes estão na tabela abaixo.
No caso de Antony, além da parcela referente ao clube formador, o São Paulo ainda se beneficiou de um contrato bem elaborado, e que garantiu ao Tricolor receber do Ajax o percentual de 20% sobre o excedente de valorização do jogador (“mais valia”). Ajustando as Receitas do SPFC, excluindo os valores excepcionais das transferências acima, o resultado seria como visto na tabela abaixo:
- Conclusão
Excluído o efeito das contratações feitas pelo Manchester United, o São Paulo Futebol Clube apresentou como Resultado Operacional Ajustado um déficit de R$ 73 milhões, que, adicionado ao Resultado Não Operacional de R$ 10 milhões (positivos) leva a um déficit de R$ 63 milhões para o Resultado Ajustado do Exercício 2022.
Esse resultado ajustado reflete de forma mais precisa o desempenho dos gestores do Tricolor, uma vez que os atuais dirigentes do SPFC não tiveram nenhuma influência nas decisões de investimento do Manchester United, e nem mesmo na negociação do contrato de Antony quando o jogador deixou o Clube em 2020.
Representando então de forma gráfica esses dados ajustados, temos.
A boa sorte interferiu em 2022, convertendo mais um grande déficit em um superávit ilusório.
Um pacote de dinheiro com R$ 101 milhões caiu do céu, diretamente nos cofres do Morumbi, sem que precisássemos fazer nada para obtê-lo.
Até quando teremos sorte?
Para um clube muito endividado como o nosso, não basta trabalhar para aumentar as receitas. Se não houver uma ação efetiva da diretoria para reduzir as despesas, estaremos sempre em situação frágil.
A administração Julio Casares reduziu o montante do déficit que recebeu de herança de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, mas ainda está muito distante de ter um resultado recorrente de superávit. O Clube não pode depender da receita de negociação de atestados liberatórios de atletas para poder fechar as contas no azul.
Ao contrário de nossos rivais, a diretoria do São Paulo não publicou a previsão orçamentária para o ano 2023, mas a imprensa divulgou uma previsão de receitas de “vendas de atletas” de R$ 135 milhões para este ano. Em 2022 vendemos Sara, Rigoni, Marquinhos, entre outros, e, excluído o efeito das transferências de Antony e Casimiro, nossa receita nessa fonte foi de R$ 128 milhões.
Em 2023 provavelmente não teremos novas verbas de solidariedade ou “mais valia” tão significativas. Quem temos no elenco que poderá ser vendido para atingir essa meta de quase EUR 30 milhões? Qual equipe pagará 10 milhões de Euros por Nestor, Luan, Pablo Maia, Diego Costa? Beraldo, talvez o de maior valorização neste momento, tem 40% de seus direitos econômicos de propriedade de terceiros. Quem fará ofertas por Juan, Wellington, Patryck Lanza, Nathan? Venderemos todos os nossos jogadores mais jovens, uma vez que os veteranos não interessam ao mercado internacional? Quem defenderá a camisa Tricolor em 2024?
Em ano eleitoral no Clube, não me iludo de pensar em uma política de contenção de gastos por parte dessa administração. As receitas de Sócio Torcedor, Publicidade e Patrocínio e Licenciamento de Marca não aparentam ter qualquer avanço significativo este ano em comparação com 2022, assim como as receitas de transmissão e premiações devem apresentar certa estabilidade. As receitas de bilheteria seguirão fortes, pois a torcida, apesar dos infortúnios, segue apoiando.
As perspectivas para 2023 são preocupantes, e existe grande probabilidade do SPFC apresentar déficit e aumento do endividamento este ano. Se não houver uma mudança de prioridades a partir de 2024, quando assumirá uma nova administração, com uma nova orientação para controle dos custos, o São Paulo Futebol Clube caminhará rapidamente para uma situação de insolvência, percorrendo o caminho que já vimos seguir grandes clubes do passado como o Cruzeiro, Botafogo e Vasco, todos hoje afastados das competições de futebol profissional, e substituídos por SAF´s constituídas a partir da massa falida dessas agremiações.
Este texto é um alerta para todos os que querem ver um São Paulo forte de novo. Não é possível obter resultados melhores do que os atuais se continuarmos a repetir os equívocos das administrações anteriores.
Parabéns pela análise técnica e isenta, de quem se preocupa realmente com o SPFC, e não de quem fica procurando números subjetivos e ilusórios no balanco para defender a diretoria.
Obrigado Paulo Barbosa.
Uma análise neutra da administração mostra que não houve nesses dois anos nenhuma ação no sentido de reduzir os gastos e amortizar dívidas.
O aspecto político suplanta, e muito, qualquer conceito de austeridade na gestão do SPFC.
Estamos cavando uma cova profunda.