Foram publicados nos órgãos de imprensa, e no website oficial do Clube, os demonstrativos financeiros do São Paulo Futebol Clube referentes ao ano de 2023. Como faço regularmente há seis anos, publicarei uma série de artigos sobre o tema, iniciando pela análise detalhada do endividamento da Instituição.
Os resultados financeiros de 2021 a 2023
O dia 31/12/2023 encerrou o primeiro mandato do presidente Julio Casares no comando do SPFC. Apresentamos aqui os resultados financeiros do período.
Julio Casares assumiu a presidência do São Paulo Futebol Clube em 01/01/2021, para um mandato de três anos. O Clube apresentou déficit em dois dos três anos do seu primeiro mandato, 2021 e 2023. Em 2022 houve superávit, mas devido basicamente às receitas extraordinárias de R$ 101 milhões referentes a “mais valia” e mecanismo de solidariedade derivadas das negociações de Antony e Casimiro que deixaram, respectivamente, Ajax e Real Madrid, em transferências milionárias para o Manchester United.
Em resumo, foram R$ 131 milhões de déficit no período, que levaram o Patrimônio Líquido do SPFC a atingir um valor negativo em R$ 297 milhões no final de 2023.
Nos próximos artigos da série analisarei a evolução das receitas, que cresceram bastante no período, e das despesas. Neste texto vou aprofundar a análise da dívida do Clube.
Endividamento Líquido 2021 a 2023
Os relatórios gerenciais do São Paulo Futebol Clube adotam o conceito de dívida líquida para medir a evolução do endividamento. O critério utilizado pela administração do Tricolor define dívida líquida como a resultante das obrigações do Clube menos o total de direitos que o São Paulo tem a receber. Vejamos a evolução, consideradas as parcelas de curto prazo (circulante) e longo prazo (não circulante).
O relatório de diretoria que acompanha a publicação dos demonstrativos financeiros faz uma comparação atualizando a dívida líquida de 2020 pelo IPCA, mostrando que o valor de 2020, atualizado, seria maior do que o de 2023. Esse cálculo, entretanto, não tem significado prático. Como a “dívida líquida” é um indicador composto por muitos fluxos de caixa, a pagar e a receber, a única comparação possível seria trazer a valor presente todos esses fluxos de caixa e então comparar as resultantes.
Observando o gráfico acima vemos que em 2023 o valor da dívida líquida aumentou R$ 92 milhões em comparação com o ano 2020. A parcela de curto prazo (circulante) aumentou R$ 51 milhões e a de longo prazo (não circulante) R$ 41 milhões. Em termos percentuais, a dívida líquida de curto prazo representou, em 2023, 59% da dívida líquida total, o mesmo percentual que representava em 2020.
Concluindo, a dívida líquida vem aumentando, mesmo com o crescimento de receitas da associação, e a parcela de curto prazo continua elevada, pressionando a gestão de caixa do Clube.
Dívida Efetiva 2021 a 2023
Em meus estudos eu avalio a evolução da “dívida efetiva”, isto é, a soma de todas as obrigações do SPFC com seus credores. Esse é o valor efetivamente devido pelo São Paulo. A tabela abaixo mostra nossa dívida efetiva, separada em parcela circulante e não circulante.
A dívida efetiva do São Paulo aumentou R$ 193 milhões nos últimos 3 anos, com aumento acentuado na parcela de longo prazo (R$ 164 milhões). A dívida de curto prazo representa 58% do total devido, e, com isso, exige uma gestão de caixa muito rigorosa, sem folga para novos investimentos. O aumento da dívida efetiva tem como “custo” o aumento das despesas financeiras que drenam os recursos da Instituição.
Dívida Estratificada 2021 a 2023
A dívida do São Paulo é composta por diferentes componentes, das quais as mais importantes são a dívida com entidades financeiras e terceiros, as dívidas tributárias e as obrigações com Intermediários. No gráfico e tabela a seguir apresentamos cada uma dessas componentes.
A tabela abaixo detalhamos como variou cada uma dessas componentes no período considerado.
Houve grande aumento nas dívidas Tributárias, embora essas estejam sob controle, devidamente renegociadas e com parcelamento a longo prazo. Aumentaram consideravelmente também as dívidas com Instituições Financeiras, Intermediários e Fornecedores. As obrigações trabalhistas estão abaixo do que eram em 2020, assim com o os valores devidos a outras entidades desportivas. O valor devido em função de acordos Trabalhistas e Cíveis retornaram ao nível de 2020, após aumentos significativos em 2021 e 2022.
Vamos analisar cada um desses valores, começando pelos mais significativos.
Dívidas com Entidades Financeiras e Terceiros
Nos últimos três anos foi feito um esforço para reduzir o valor dos empréstimos com terceiros, contratos de mútuo, porém a dívida com bancos cresceu bastante.
A dívida com terceiros hoje é de pouco mais de 8 milhões, toda de curto prazo, dos quais a maior parte, cerca de R$ 7 milhões é devida ao empresário André Cury.
André Cury Marduy, na sua pessoa física, emprestou ao SPFC a quantia de R$ 13,7 milhões em julho de 2019, para que o Tricolor pagasse ao Cruzeiro, à vista, pela contratação do atacante Raniel.
Vamos nos concentrar na dívida com Instituições Financeiras.
Em três anos a dívida bancária do Tricolor aumentou R$ 64 milhões, crescendo na parcela não circulante, R$ 47 milhões de acréscimo, mas também na circulante (curto prazo) em R$ 17 milhões. Esses números mostram o inverso do discurso da atual administração, de que estaria reduzindo a dívida de curto prazo.
As dívidas bancárias são as mais onerosas, pois as altas despesas financeiras derivadas desse endividamento impactam os resultados do Clube. Hoje grande parte dos novos empréstimos tomados pelo SPFC são destinados ao pagamento de juros e de amortização de empréstimos antigos. Os credores são:
Dívidas Tributárias
Em 2021 o São Paulo aderiu ao PERSE – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, e nos dois primeiros anos reconheceu e parcelou débitos no valor de R$ 138 milhões, entre dívidas previdenciárias e não previdenciárias. A informação é que os parcelamentos vêm sendo cumpridos pelo SPFC.
Intermediários e participação de terceiros em direitos econômicos
Aqui o aumento registrado em 2023 é explicado em grande parte pela venda de Lucas Beraldo ao Paris Saint Germain. O XV de Piracicaba tem direito a receber R$ 16 milhões por deter parte dos direitos econômicos do jogador, assim como o próprio Beraldo tem direito a cerca de R$ 14 milhões por ser o dono de outra fração. A empresa FFP Agency Ltda fez jus a uma comissão de R$ 9 milhões pela intermediação do negócio. O valor bruto da venda foi de R$ R$ 102 milhões, e o São Paulo Futebol Clube ficou com uma receita líquida de R$ 63 milhões na venda dos direitos do zagueiro. Como a venda de Beraldo foi fechada nos últimos dias de 2023, e os pagamentos serão parcelados, no dia de referência dos demonstrativos financeiros nada havia sido pago.
Uma preocupação em particular é que esses débitos são predominantemente de curto prazo, com R$ 105 milhões a serem pagos no ano 2024.
Essa conta é composta por dívidas originadas em operações de vendas de direitos de atletas (comissões e participação de terceiros nos direitos, somando R$ 80 milhões), mas também nas operações de aquisição de direitos ou renovação de contratos (comissões e luvas, no total de R$ 52 milhões).
Alguns agentes têm presença constante nas negociações que envolvem o SPFC, atuando, em alguns casos, tanto na compra como na venda de direitos.
Aqui os maiores credores são:
Bertolucci Assessoria (R$ 29,7 milhões) e Link Assessoria (R$ 14,1 milhões), que pertence a André Cury, são os maiores credores entre os agentes, e estão envolvidos em diversas negociações com o SPFC, seja na venda ou na aquisição de direitos. FFP Agency atuou na venda de Beraldo ao PSG, Gestifute (grafia correta, e não como aparece nos documentos) é o agente de James Rodrigues, Flash Forward é a agência que administrava a carreira de Daniel Alves. Jose Chamorro representa Arboleda, enquanto a B&C pertence ao agente Carlos Leite, que no passado foi o agente de Rodrigo Caio. Comparado a 2020, a dívida do SPFC com Intermediários em função da aquisição e renovação de direitos cresceu R$ 12 milhões.
Acordos Trabalhistas e Cíveis
O São Paulo reduziu em R$ 26 milhões suas dívidas provenientes de Acordos Trabalhistas e Cíveis. Entre outros, foram liquidados débitos com Juan Fran (R$ 5,1 milhões), Marshield (caso “Ricardinho”, R$ 4,6 milhões), e os jogadores Hernanes, Pablo, Tchê Tchê, Bruno Alves, Junior Tavares, Marquinhos Calazans, Nahuel Bustos e Everton Felipe (total de R$ 5,9 milhões para esses 8 atletas).
O caso Daniel Alves tem que ser analisado com atenção. A dívida do Tricolor com o jogador foi reduzida em R$ 10,2 milhões, indo de R$ 20,4 milhões para R$ 10,2 milhões. Entretanto, em 2023 aparece uma dívida do SPFC, no valor de R$ 4,4 milhões em favor de Dinorah Santa Ana Bastos, ex-esposa de Daniel Alves. Somados os efeitos, houve redução de R$ 5,9 milhões na dívida.
O maior credor nesta conta continua sendo a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego, com um saldo de R$ 25,3 milhões a receber, e Richarlyson ainda tem créditos de R$ 5,3 milhões. Em 2023 foram adicionadas a estas dívidas acordos com Rogério Ceni (R$ 4,1 milhões), Miranda (R$ 3,7 milhões) e Dorival Junior (R$ 3,1 milhões), entre outros. O São Paulo tem ainda dívidas em acordos com os atletas Jucilei, Vitor Bueno, Eder Martins e Volpi, apenas para citar alguns.
Obrigações Trabalhistas e Direitos de Imagem
Esta talvez seja a informação mais preocupante desta análise. As obrigações trabalhistas e direitos de imagem são, como regra geral, dívidas de curto prazo. Embora o valor total seja inferior ao de 2020 e 2021, o crescimento do valor pendente em direitos de imagem pode gerar insatisfação em uma mão de obra essencial para o sucesso da Instituição: os jogadores de futebol.
As notas explicativas 11 e 12 dos demonstrativos financeiros mostram o seguinte:
Sobre a parcela de salários CLT houve redução de R$ 2,9 milhões, entretanto o ponto preocupante é o valor de R$ 14,2 milhões descritos como “Encargos Trabalhistas a recolher”, ainda muito elevado.
Quanto ao direito de imagem, o aumento é de R$ 38,3 milhões no ano 2023 em comparação com 2022, e está registrado o débito de R$ 33,3 milhões em direitos de imagem referentes a “Luvas e Metas Atingidas”, linha que não existia em 2022.
Esse registro dá indícios que, muito provavelmente, os prêmios referentes às metas atingidas na Sul-Americana e pela conquista da Copa do Brasil foram pagos parcialmente em 2023, restando ainda parcelas a serem pagas em 2024.
Entidades Esportivas
Nas dívidas com entidades esportivas registramos um aumento de R$ 6 milhões, porém, com aumento de R$ 8 milhões na parcela circulante (curto prazo).
Entre os valores que contribuíram para aumentar essa dívida há um débito em favor do Banfield (ARG), no valor de R$ 2,3 milhões a título de “bônus de performance” do atleta Giuliano Galoppo, e investimentos na aquisição dos direitos dos jogadores Jhegson Sebastian Méndez (R$ 5,7 milhões), Alan Javier Franco (R$ 9,4 milhões), Gabriel Neves Perdomo (R$ 9,1 milhões) e Damián Josué Bobadilla Benítez (R$ 5,7 milhões). Jhegson Méndez e Gabriel Neves não fazem parte do elenco Tricolor para esta temporada e estão defendendo, por empréstimo, respectivamente o Elche (ESP) e o Independiente (ARG).
O São Paulo ainda deve R$ 11,4 milhões ao Deportivo Maldonado pela aquisição de Calleri, e R$ 3,8 milhões ao Elche, pela transferência de Emiliano Rigoni em 2021.
Fornecedores
Aqui temos tipicamente despesas de consumo e pagamento a curto prazo. O aumento de R$ 14 milhões, representando mais de 120% de incremento no saldo a pagar a fornecedores, foi explicado pela diretoria como uma consequência do aumento de bilheteria. Não há nota explicativa detalhando essas dívidas.
Despesas Financeiras
O elevado endividamento da Instituição, somado às altas taxas de juros e atualização monetária do país, resultam em elevados custos para serviço da dívida.
Em 2023 as Despesas Financeiras do São Paulo chegaram a R$ 89 milhões. Para efeito de comparação, a despesa com salários do departamento de futebol profissional e de base foi de R$ 161 milhões, e o custo das contratações do ano foi de R$ 77 milhões. As despesas financeiras representaram 55% do valor dispendido em salários do departamento de futebol, e foram R$ 12 milhões mais elevadas que o valor investido pelo SPFC na contratação de jogadores.
Conclusão
Em comparação com o fechamento de 31/12/2020, os demonstrativos de 31/12/2023 apresentam um aumento da dívida do São Paulo, tanto a chamada “Dívida Líquida” (aumento de R$ 92 milhões) quanto a dívida efetiva (aumento de R$ 193 milhões), a manutenção de uma elevada parcela de dívida de curto prazo, déficits acumulados de R$ 131 milhões e uma piora de R$ 123 milhões no Patrimônio Líquido, atingindo R$ 297 milhões negativos.
A diretoria tem focado seus esforços no crescimento de receitas, o que vamos analisar detalhadamente em artigo que será publicado em breve, porém, as despesas também estão aumentando significativamente, e precisam de uma atenção maior dos dirigentes.
A redução do endividamento, e consequentemente das despesas financeiras, é uma condição necessária para o São Paulo poder voltar a investir de forma mais sustentável na formação de seu time de futebol, para se manter competitivo no longo prazo.
A recuperação do equilíbrio financeiro, e a redução do endividamento, são condições indispensáveis para que o São Paulo Futebol Clube possa se manter vencedor pelas próximas gerações, como vem sendo desde 1930.
Parabéns Flávio pela sua brilhante e ilustrativa análise da situação financeira do São Paulo FC. Fosse esse o resultado de uma auditoria independente realizada em empresa de capital aberto e certamente a AG dos acionistas já teria inúmeros motivos para decretar o afastamento do CEO e do restante da diretoria por má gestão. O nosso maior problema é que o Estatuto permite a continuidade de uma má gestão por meios políticos.
Mais uma vez Flávio Marques “desenha” a crítica situação econômica do São Paulo. Devemos para Deus e o mundo. Aumentaram as dívidas em todos os aspectos. No curto e no longo prazo. Se a instituição não rever essa política perdulária o quanto antes, de fato, passaremos a ser o Tio Paulo Futebol Clube. Assim como o governo federal, a única medida tomada e postergar, através de empréstimos, os pagamentos sem se preocupar em conter as despesas. O futuro próximo do São Paulo está em jogo. Da maneira como está, caminhamos a passos largos para a insolvência definitiva.
A raiz do problema é que contratamos muito mal. Muricy et caterva trazem jogadores ruins a preço de ouro, vide Nikão e companhia. Cotia também não ajuda. Não, ao menos, como deveria. Pouco forma jogadores úteis ao elenco, e ,mais raramente ainda, revela ótimos atletas, como Beraldo.
Não existem mais “milagres”, como as futemanias da vida. É preciso ser eficiente. Analisar muito bem antes de contratar; e não a toque de caixa, como foi a vinda do Carpini. As receitas dificilmente, por mais que aumentem, se quer darão conta das despesas financeiras se não formos austeros também. Contudo, com administrações populistas, como é a do São Paulo, nosso prognóstico é péssimo.
Casares é um total fracasso na gestão financeira e mktg. E o pior é que não existe plano algum para resolver esse problema. Continuam contando com receitas eventuais para tentar equilibrar o caixa, e isso não está resolvendo.
Casares só é forte por ter apoio dos fracos