Na reunião do dia 1º de outubro de 2024 foram submetidas para apreciação pelo Conselho Deliberativo operações financeiras e um contrato de prestação de serviços com o Banco Bradesco, além da proposta de criação de um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), estruturado e gerido pelas empresas Galapagos e Outfield.
Como já alertado em meus textos anteriores, tenho que respeitar o sigilo das informações passadas para os membros do Conselho Deliberativo, motivo pelo qual não posso detalhar valores, taxas, prazos e demais condições dos contratos.
Aviso: as empresas citadas neste texto são idôneas, destaques em seus segmentos de atuação, e com plena capacitação para realizar as operações propostas. As minhas decisões foram tomadas por critérios exclusivamente técnico/financeiros.
As operações com o Bradesco são duas repactuações de termos de empréstimos correntes, com alterações nos prazos de vencimento, taxas e garantias, um novo empréstimo, além de um serviço de assessoria financeira. As repactuações e os novos empréstimos seguem todos a mesma taxa financeira e prazo de pagamento.
A soma dos valores das três operações com o Bradesco é bastante significativa, e, em função de negociação com o banco, a taxa efetiva (custo financeiro para o SPFC) é menor do que a das operações financeiras realizadas de janeiro a abril deste ano. O ponto negativo é que, com a ampliação do prazo de vencimento, um valor muito relevante da amortização e juros ficará para ser pago na próxima administração. Portanto, temos uma operação de alongamento da dívida que resultará em um desembolso de valor alto pela próxima administração. Em resumo, os gestores atuais se beneficiam dos recursos levantados pelo novo empréstimo e pelas menores parcelas resultantes do alongamento da dívida, mas a próxima gestão arcará com o pagamento da maior parte do débito. Por comprometer negativamente os resultados da próxima gestão, a opção foi pelo voto “NÃO APROVO” para as três operações. O contrato de assessoria estava vinculado a essas operações, e, por consequência, votei “NÃO APROVO” também para esse contrato.
Nas análises dos termos e condições da operação de criação do fundo de investimentos, tive o auxílio dos Conselheiros Caio Forjaz, Fabio Machado, Joandre Ferraz e Roberto Kirschner.
Levantamos os dados, avaliamos o material disponibilizado, participamos da apresentação organizada pela diretoria e debatemos previamente todas as implicações do contrato sob deliberação.
Quanto à proposta de criação do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, a partir daqui FIDC ou Fundo, são necessárias algumas explicações adicionais para que todos entendam.
O FIDC é uma modalidade de captação de recursos no mercado, com características diferentes de um empréstimo bancário, mas que não é nada inédito. O próprio São Paulo Futebol Clube lançou um FIDC em 2019, durante a gestão Leco, operação que durou quatro anos e foi encerrada em 2023. Não há nada inovador na adoção dessa alternativa como opção à tomada de novos empréstimos bancários.
O FIDC é baseado em contratos de recebimento futuro para o São Paulo Futebol Clube (direitos creditórios, ou recebíveis), cedidos ao fundo em troca de uma antecipação de um valor parcial desses títulos cedidos. Esses contratos podem ser de variadas fontes, incluindo as contribuições associativas do Clube Social, mensalidades dos Sócios Torcedores, direitos de transmissão, entre muitas outras.
Em comparação com um empréstimo bancário, o Fundo tem uma maior complexidade e custos intrínsecos como serviços de coordenação e distribuição, estruturação, comissionamento, taxas de gestão, administração, CVM, auditoria entre outros, incluindo os impostos incidentes, tudo dentro da normalidade do mercado financeiro. Nos referimos a esses custos como “despesas do fundo”
Adicional a esses custos, a taxa de remuneração para os cotistas (investidores) é bem alta, para que o investimento seja atrativo em comparação com infinitas ofertas do mercado financeiro. O custo financeiro total efetivo da captação por meio de um FIDC é composto pelo efeito composto da remuneração aos cotistas e as despesas do fundo.
A empresa KPMG, consultoria reconhecida no mercado, foi contratada pela diretoria Tricolor para fazer uma análise independente da proposta, comparando a alternativa do FIDC ao custo efetivo dos empréstimos bancários atualmente em andamento no SPFC. Sem envolvimento na estruturação ou na operação do Fundo, a KPMG pôde fazer uma avaliação isenta da proposta.
O relatório da KPMG encaminhado para o Conselho Deliberativo mostra que a taxa efetiva de captação por meio do FIDC, nos termos em que foi estruturado, é maior do que a taxa média efetiva das últimas operações financeiras contratadas pelo São Paulo.
Portanto, sob o ponto de vista do custo financeiro das operações, o FIDC apresenta uma elevação de despesas financeiras para o SPFC, quando comparado com os contratos de empréstimos recentemente celebrados.
Se o principal objetivo da reestruturação é diminuir as despesas financeiras que sufocam a entidade, este Fundo não irá colaborar nesse sentido.
O ponto positivo da criação do Fundo seria a vinculação de pagamentos aos credores ao fluxo de recebimentos do SPFC, muito variável pois depende de contratos com diferentes condições. Esse benefício, entretanto, me parece pequeno frente ao provável aumento nas despesas financeiras intrínsecas à operação do Fundo em comparação com o nosso custo atual.
Concluo lembrando que a criação de um Fundo não resolve o problema da dívida do SPFC com instituições financeiras. Com o FIDC a dívida continua, o que muda são os credores, que deixam de ser os bancos e passam a ser os cotistas do Fundo.
O que resolverá o problema do endividamento excessivo do SPFC é a austeridade nos gastos, a geração de superávit e caixa positivo nas operações para amortizar as dívidas existentes. E, para isso, as soluções são internas, não externas.
Por esses motivos, votei “NÃO APROVO” para a proposta de criação do FIDC.
Parabéns pelo posicionamento. Análise interessantíssima sobre esse fundo, que muitos comparam a ideia vendida pela diretoria de que seria a solução para os nossos problemas.
Sou da área financeira, e desde o começo dessa história, por falta de informações, tinha muitas dúvidas sobre o impacto real da criação desse fundo.
Faltam ainda informações sobre como esse fundo será ofertado ao mercado, forma de captação, e principalmente, como os recursos serão disponibilizados ao clube, mas já deu para perceber que o impacto, sob o ponto de vista financeiro, será mínimo.
Talvez o grande ganho seja as mudanças estruturais e de gestão financeira que nos serão impostas. Mas, com toda sinceridade, não sei se conseguiremos alcançar esses objetivos.