Em 2019 o São Paulo apurou um déficit recorde de R$ 156,1 milhões, muito alavancado por perdas de R$ 81 milhões em processos trabalhistas. Em 2020, ano em que a pandemia limitou a capacidade do Clube gerar rendas de bilheteria e reduziu as receitas de Sócio Torcedor e mesmo Patrocínios, o SPFC voltou a apresentar um déficit muito significativo, desta vez de R$ 129,6 milhões. Os vilões em 2020 foram os encargos financeiros, as despesas administrativas e as altas comissões pagas a intermediários. Vejamos a situação geral e detalhes de cada uma das unidades administrativas do São Paulo na sequência deste artigo.
A receita total caiu R$ 40 milhões, equivalente a 10% do valor obtido em 2019. Houve uma redução de R$ 103 milhões nas despesas operacionais (21% de economia), porém a manutenção de um alto custo administrativo e um aumento de R$ 39 milhões nos Encargos Financeiros (141% de variação comparada com 2019) resultaram no elevado déficit de R$ 130 milhões. A seguir detalhamos cada uma das unidades de negócio do SPFC.
Futebol Profissional e de Base:
As receitas do Futebol do SPFC em 2020 permaneceram praticamente em linha com o arrecadado em 2019. A queda foi de 1% em relação ao ano anterior.
O crescimento de receita na venda de direitos econômicos de atletas, e um aumento nas cotas de TV, compensaram as quedas em Bilheteria, Sócio Torcedor e Patrocínios. Com o time passando boa parte do Campeonato Brasileiro na liderança, teve mais exposição na TV aberta e com isso um valor maior a receber na temporada pelos direitos de transmissão.
O valor de R$ 151 milhões em venda de direitos de atletas foi devido principalmente à venda para o AJAX de Antony e do residual de 20% dos direitos de David Neres. O clube Holandês pagou EUR 15,8 milhões por Antony (R$ 95 milhões na cotação da época) e EUR 5,7 milhões (R$ 35 milhões) pelos 20% remanescentes de David Neres. A venda de Gustavo Maia, que foi da base Tricolor para o Barcelona B, por EUR 4,5 milhões (R$ 26 milhões) ajudou nesse resultado.
As despesas e o resultado operacional do Futebol Profissional e de Base seguem abaixo:
O que observamos da tabela acima é que as despesas com pessoal e direitos de imagem se mantiveram no mesmo nível de 2019. Não houve economia significativa na folha de pagamento. A maior “economia” em relação a 2019 está na linha de “Contingências Trabalhistas”, onde o Clube perdeu em 2019 ações no montante de R$ 81,4 milhões, a maioria relativa a Direitos de Arena. Em 2020 os acordos e sentenças Trabalhistas custaram ao SPFC o valor de R$ 11,9 milhões, incluindo as rescisões contratuais de Jucilei (R$ 7 milhões), Anderson Martins (R$ 1,4 milhão) e Alexandre Pato (R$ 1,1 milhão). A redução de despesas com jogos é devida à impossibilidade do Morumbi receber público devido à pandemia, e compensa apenas parte das perdas com bilheteria.
O resultado operacional do Futebol poderia ter sido melhor se o Clube não fosse tão generoso na negociação com empresários. Vejamos abaixo o exemplo da venda de Antony para o AJAX:
– O AJAX pagou um valor bruto de R$ 95,3 milhões pelos direitos de Antony. O próprio atleta e seus procuradores eram donos de uma parcela equivalente a R$ 8,6 milhões. Esse valor inclusive não está incluído nas receitas de vendas do SPFC.
– Da receita de R$ 86,7 milhões contabilizada para o Tricolor, o São Paulo ficou com R$ 74,9 milhões, enquanto Bertolucci Assessoria recebeu R$ 4,4 milhões e 4 COMM Marketing levou R$ 7,5 milhões.
– Os intermediários ficaram com R$ 11,9 milhões, ou 13% do valor bruto da negociação.
O que justificaria tal pagamento se São Paulo e Ajax são equipes conhecidas do futebol mundial, que já fizeram negócios entre si diversas vezes, e cujos dirigentes já tem canais diretos de comunicação? Qual o valor agregado de um intermediário na venda de direitos de um atleta que já atuava como titular do São Paulo há mais de uma temporada, com passagens em seleção Brasileira de base e com amplo reconhecimento da mídia esportiva? Os quase doze milhões pagos aos agentes teriam virado o resultado de déficit do futebol profissional, de R$ 9 milhões, em um pequeno superávit, mesmo em ano de pandemia.
Estádio:
A pandemia impediu o Morumbi de receber shows já programados como o do Metallica, planejado originalmente para Março de 2020, depois adiado para Dezembro e finalmente cancelado. As receitas de camarotes e aluguéis também caíram. O estádio Cícero Pompeu de Toledo gerou, em função dessas perdas de receitas, um prejuízo no exercício 2020, mesmo com significativa redução das despesas.
O prejuízo contábil do Estádio porém não preocupa, uma vez que do total de despesas contabilizadas o valor de R$ 8,6 milhões é devido à depreciação, portanto não tem efeito direto sobre o caixa da Instituição.
Clube Social e Esportes Olímpicos:
Em 2019 as operações de Esportes Olímpicos, ou Esportes Profissionais como identificados nos demonstrativos de 2020, estavam sob o guarda-chuva do Clube Social. Em 2020 os resultados foram apresentados individualmente.
O Clube Social apresentou superávit todos os anos entre 2007 e 2017, equilíbrio em 2018, e nos dois últimos anos da administração de Carlos Augusto de Barros e Silva teve prejuízo. Abaixo os resumos de resultados:
A queda de receitas de contribuições de sócios, taxas e rendas de festas e eventos derrubaram a arrecadação do Clube Social em 2020, e mesmo com a significativa redução de despesas o resultado foi negativo, mas melhor do que o ano anterior.
O projeto de Esportes Profissionais em 2020 foi composto pelo investimento no basquetebol masculino (R$ 6,5 milhões) e voleibol feminino (R$ 1,6 milhão).
O time de basquete, disputando o NBB e com boa visibilidade e competitividade teve receitas de patrocínio de R$ 2,9 milhões. No voleibol, contrato já encerrado, o São Paulo era o patrocinador do time de Barueri, pagando R$ 1,6 milhões por ano para que o time de José Roberto Guimarães vestisse a camisa Tricolor.
Deixo aqui minha posição pessoal que sou a favor de que o SPFC tenha equipes profissionais de outros esportes, desde que com previsão de recursos próprios, e com os gastos limitados às receitas que cada modalidade possa levantar. É importante que o orçamento dessas equipes profissionais seja aprovado previamente pelo Conselho de Administração e Conselho Deliberativo conforme o rito definido em nosso Estatuto.
Administrativas:
No ano 2019 na conta de Administração do SPFC foi considerada receita o valor de R$ 25 milhões em créditos relativos a recolhimento indevido de IRPJ, CSLL, COFINS e PIS em 2012 e 2013. Essa receita não se repetiu em 2020, fazendo com que o impacto da estrutura de Administração do SPFC fosse ainda maior. As reduções de despesas com pessoal – devido à redução proporcional da carga horária e salário (MP 936/20, editada devido à pandemia) – consumos e serviços de terceiros representou apenas 6% de economia em 2020 comparado ao ano anterior.
O Estatuto vigente a partir de 1º de janeiro de 2017 estabeleceu a criação das Diretorias Executivas, que seriam ocupadas por profissionais de mercado, devidamente remunerados para dedicar-se integralmente ao São Paulo Futebol Clube.
Quando assumiu seu mandato em Abril de 2017, já sob vigência do novo Estatuto, Leco distorceu o espírito da profissionalização, nomeando para cargos remunerados seus aliados políticos. Os custos de administração então tiveram uma forte escalada entre 2016 e 2019, aumentando em 39,2%, mais de três vezes a variação do IPCA no período (11,7%).
É essencial que a nova gestão do São Paulo Futebol Clube revise todas as estruturas e custos da nossa administração, racionalizando os recursos e dimensionando as equipes ao mínimo necessário para manter as atividades funcionando de forma eficiente. Em 2016 o custo da administração representou 6% do total da receita do Clube. Em 2020, esse percentual chegou na casa de 9%.
Encargos Financeiros:
A dívida do SPFC é uma as mais altas entre os clubes de futebol do Brasil. O nível de endividamento, em particular com Instituições Financeiras, Terceiros e com Agentes de atletas chegou a um nível recorde para o Clube. A dívida líquida do São Paulo cresceu R$ 305 milhões em dois anos, entre o final de 2018 e o final de 2020. Com o aumento do endividamento aumentam os custos financeiros de juros e variação cambial.
Os Encargos Financeiros, resultado da diferença entre receitas e despesas financeiras, chegaram a R$ 72,5 milhões negativos, representando 56% do total do prejuízo apurado no ano, e assustadores 20% do total das receitas do Clube.
Conclusão:
Para que um Clube seja competitivo e vitorioso no longo prazo é necessário que suas finanças sejam equilibradas. As despesas tem que ser mantidas abaixo das receitas, e o endividamento tem que ser baixo para permitir que todo o superávit conseguido possa ser reinvestido em contratações para reforçar ainda mais o time, e não no pagamento de juros.
Hoje estamos no círculo vicioso de alto endividamento e prejuízos. Os encargos financeiros do alto endividamento prejudicam o resultado, reduzindo o lucro da Instituição. Sem geração de caixa suficiente, o Clube tem que apelar a novos empréstimos para poder fazer frente às obrigações de curto e curtíssimo prazo. Esse círculo precisa ser quebrado, e para isso não haverá outra alternativa que não a venda de um ou dois jogadores que estejam bem valorizados. Nessa venda o mais importante é o recebimento da maior parcela possível à vista, às vezes até mais do que o valor em si da venda. Na venda de Brenner para o FC Cincinatti da MLS (Major League Soccer) em Fevereiro, pelo valor de USD 13 milhões, um bom valor pelo atleta, recebemos apenas 20% de entrada, equivalente a USD 2,6 milhões (R$ 14 milhões) e o saldo será pago em parcelas com vencimentos até 2024. Essa venda aliviou muito pouco nossas necessidades de caixa. Essa situação é conhecida, e recentemente Muricy declarou em entrevista para o Canal do Sombra Tricolor que a solução para nossa falta de dinheiro é Cotia, e que a comissão técnica trabalha no dia a dia para ter prontos substitutos para os jogadores que saírem.
A alta administração precisa focar na equalização de receitas e despesas, na amortização das dívidas, na redução de custos em todos os setores, no saneamento das relações com intermediários, no aumento de receitas de marketing e contratos de transmissão. Este é o ano para mudar nossa situação, e a prioridade tem que ser o saneamento financeiro da Instituição.
Obrigado Paulo Pontes pelo espaço. Obrigado aos leitores pela atenção.
No próximo Sábado o artigo abordará as receitas do SPFC, comparativamente aos adversários do futebol Brasileiro.