Flávio Marques

Receitas decrescentes põem em risco o futuro do SPFC – versão 2020

No ano passado alertei para a perigosa realidade da evolução das receitas do São Paulo Futebol Clube nos últimos anos. Esse fato é ainda mais preocupante quando comparamos com nossos adversários no futebol brasileiro e observamos que estamos nos distanciando dos líderes. Neste texto retomo o assunto com os dados atualizados do ano de 2019 recentemente publicados.

Diferente da grande mídia, e alguns sites que se dizem especializados, este artigo compara exclusivamente as receitas do negócio “futebol profissional e de base” de cada clube, enquanto o que se encontra na imprensa são comparações da receita total das agremiações. Esclarecendo, o São Paulo Futebol Clube teve em 2019 uma receita total de R$ 398 milhões, porém dessa receita R$ 326 milhões foram gerados pela unidade de negócio “Futebol Profissional e de Base”, enquanto R$ 72 milhões foram provenientes do Clube Social, Estádio e Administração. Para todos os clubes o critério foi o mesmo.

Os dados são os oficiais publicados nas demonstrações financeiras de cada instituição. Os dados de Cruzeiro e Atlético MG não foram publicados até o momento e portanto excluí essas duas equipes da análise. Embora não tenham sido publicados oficialmente, os dados relevantes do Balanço do Corinthians tornaram-se públicos por meio da imprensa e também através de uma nota disponibilizada pelo próprio clube em seu site, portanto fazem parte deste estudo.

  1. Receitas Totais do Futebol Profissional e de Base

No ano de 2015 o São Paulo mantinha sua posição histórica entre os quatro maiores geradores de receitas no futebol brasileiro. O Tricolor ainda detinha a quarta posição com R$ 275 milhões de receitas totais de futebol, em uma realidade em que os cinco maiores estavam todos muito próximos ao redor de R$ 300 milhões por ano. Grêmio, Athlético PR e Santos vinham bem abaixo dos líderes do ranking.

Quatro anos depois, no ano de 2019, o SPFC passou à oitava posição no ranking, tendo sido ultrapassado por Grêmio, Corinthians, Athlético PR e Santos, e se distanciando muito dos atuais líderes de receitas: Flamengo e Palmeiras.

A receita total do futebol Tricolor entre 2015 e 2019 subiu 18,6%, percentual próximo à variação da inflação no mesmo período (IPCA de 18,4%). No mesmo intervalo de tempo o Flamengo triplicou suas receitas, o Palmeiras dobrou, Grêmio, Athlético e Santos tiveram crescimento da ordem de 150%, enquanto o Internacional aumentou suas receitas em 48%. Para entender porque estamos nos distanciando dos líderes vamos analisar as principais receitas recorrentes de cada clube, analisando ano a ano as variações.

  • Receitas exceto Venda de Jogadores

Quando excluímos das receitas a negociação de atestados liberatórios de atletas o São Paulo passa à sétima posição entre as maiores receitas recorrentes do futebol em 2019. O Santos deixa essa lista sendo superado pelo Vasco da Gama.

Denominamos receitas recorrentes a este valor, pois não depende de encontrarmos uma “joia” entre os jovens valores do elenco, como foi o caso do Santos que vendeu Rodrygo ao Real Madrid por R$ 172 milhões em 2019, um fato que dificilmente se repetirá nas próximas temporadas. Receitas recorrentes tendem a ser previsíveis ano após ano.

Mesmo sob essa ótica, enquanto o São Paulo cresceu 33% entre os anos 2015 a 2019, o Flamengo dobrou sua arrecadação, o Grêmio cresceu 90% e o Athlético PR mais de 160%. Com a exceção do Vasco da Gama, cuja receita permaneceu estável, as demais equipes do gráfico acima aumentaram seus rendimentos em pelo menos 50%.

O São Paulo Futebol Clube arrecadou R$ 554 milhões em negociação de atestados liberatórios de atletas nos anos de 2016 a 2019, durante a gestão do atual presidente. Computados todos os clubes foi o segundo que mais vendeu no período, apenas atrás do Flamengo que faturou R$ 560 milhões. O ponto preocupante é que a venda de direitos federativos pelo SPFC foi a maior fonte de receita do time no período, correspondente a 38% do total. O São Paulo se acostumou a vender seus jovens valores antes que pudessem dar ao clube algum retorno esportivo, pois precisa fechar as contas. A arrecadação de R$ 554 milhões com vendas de jogadores não foi suficiente para diminuir o endividamento do clube como havia sido prometido pela administração atual, e os sucessivos fracassos no campo ajudam a explicar a perda de arrecadação em várias fontes de recursos como veremos a seguir.

  • Receitas de Direitos de Transmissão

Os direitos de transmissão, englobando todas as modalidades inclusive as novas plataformas digitais, é a maior fonte de receitas para todos os clubes entre os mais populares, exceto o SPFC como já discutimos anteriormente.

Em 2015 São Paulo, Palmeiras e Grêmio tinham receita equivalente entre si, ficando R$ 40 milhões abaixo de Flamengo e Corinthians. A partir de 2016 os valores aumentaram para todas as equipes, mas os favoritos da emissora dona dos direitos de TV aberta, a cabo, Pay Per View e digital aumentaram sua vantagem para o segundo grupo.

O ano de 2019 marcou uma nova dinâmica na definição das verbas pagas pela Globo, englobando uma parte distribuída igualmente entre os times, uma parcela dependendo do desempenho no Campeonato Brasileiro e outra pelo número de exibições. Existe ainda a participação do clube nos contratos de Pay Per view de seus torcedores. O São Paulo desapareceu da TV aberta e mesmo da TV a cabo, o desempenho no Brasileirão foi inferior ao de 2018, e as receitas do Pay Per View não compensaram as perdas nas outras plataformas. O Tricolor perdeu R$ 25 milhões de receita em comparação com o ano anterior, faturando R$ 110 milhões, enquanto testemunhou o Palmeiras levar quase o dobro disso para seus cofres, Corinthians e Flamengo permanecerem próximos aos R$ 190 milhões por ano, e o Grêmio receber R$ 55 milhões a mais, mesmo tendo menor torcida e sede em um estado de menor população.

As pesquisas mais recentes do número de torcedores por time brasileiro mostram o São Paulo ainda detentor do terceiro posto no ranking, com apoio de estimados 8% da população, representando 16 milhões de torcedores. É decepcionante ver que nossos dirigentes aceitaram termos de contrato que nos colocam em posição de receber a metade do que foi pago ao Palmeiras, ou mesmo 33% a menos do que o Grêmio, time que pela mesma pesquisa tem a metade dos torcedores que o Tricolor do Morumbi.

A futura administração do São Paulo Futebol Clube tem que estar atenta à revolução digital, onde o grosso das receitas deverá ficar com o produtor de conteúdo, e não com quem (ainda) detém os meios de comunicação. O modelo de direitos de transmissão irá migrar para licenças de utilização de conteúdo nos próximos anos. Nossos dirigentes precisam estar atentos às mudanças que virão.

  • Receitas de Publicidade e Patrocínio

Aqui vemos talvez a maior prova da incapacidade da atual administração de capitalizar em cima da terceira maior torcida do Brasil, composta em sua maioria por habitantes do estado mais rico da federação, para gerar recursos para o time. Não é possível defender a gestão de marketing do São Paulo nos últimos anos após analisar o gráfico acima.

Desconsiderando o caso do Palmeiras, um mecenato travestido de patrocínio, que tem motivação política e data provável de terminar – em 2023 se a dona da patrocinadora não for eleita presidente do clube da Pompeia – ainda assim os resultados do São Paulo são abaixo da crítica. O valor total de patrocínios de R$ 21 milhões em 2019 nos deixa muito abaixo de Corinthians (R$ 73 milhões) e Flamengo (R$ 79 milhões). O Grêmio aparece mais uma vez entre os cinco maiores, arrecadando R$ 37 milhões em patrocínios, 76% acima do que o SPFC faturou.

O elenco do Tricolor foi reforçado em agosto de 2019 com a chegada de Daniel Alves, atleta da seleção brasileira e considerado um dos jogadores mais vitoriosos as atualidade. Foram feitas promessas que parceiros pagariam a maior parte do contrato do craque, um custo da ordem de R$ 20 milhões por ano. Nosso departamento de marketing não encontrou até agora esses parceiros, e com a crise da COVID-19 a tarefa será ainda mais difícil este ano.

Com relação ao “patrocínio de camisa”, optamos por lotear o nosso uniforme criando “propriedades” para acomodar a divulgação de nove patrocinadores. Aceitamos patrocínios menores e desvalorizamos o todo. Essa estratégia tem que ser revisada pela futura administração, uma vez que praticamente todos esses contratos menores de patrocínio se encerram junto com o atual mandato do presidente.

  • Receitas de Arrecadação de Jogos

Em 2019 o São Paulo aumentou em R$ 8 milhões a sua receita de arrecadação de jogos, um crescimento de 26% em relação ao ano anterior, alcançando R$ 39 milhões de renda bruta de jogos no ano. Essa poderia até ser entendida como uma boa notícia, se não estivéssemos tão abaixo dos nossos concorrentes diretos. Os rivais do Trio de Ferro faturaram R$ 62 milhões cada um com a venda de ingressos. O Flamengo, em estado de graça com sua torcida, foi a exceção do ano ao passar de R$ 109 milhões de renda bruta de jogos.

Ao aplicar a regra do “preço dinâmico” em 2019 a direção Tricolor afastou dos estádios uma boa parcela do público: média de 27 mil pessoas em 2019 contra 30 mil pessoas por jogo em 2018. Mesmo a presença de Daniel Alves no segundo semestre não foi bem explorada para motivar o torcedor a sair do sofá. Nosso estádio acomoda 66.000 torcedores e nossa ocupação média não passou de 45%.

O aumento dessa receita não depende de aumentar o valor dos ingressos, mas sim de aumentar o público presente e realizar mais jogos na temporada. O setor de cadeira superior norte do Cícero Pompeu de Toledo fica vazio na maioria dos jogos ao longo do ano, só lotando nos jogos decisivos. Um pacote anual ao preço unitário de R$ 40 por jogo, fixo em toda a temporada, para os 3.000 assentos desse setor, ao longo de 30 jogos nos renderia R$ 3,6 milhões no ano, acréscimo de 10% nesta receita. Se aumentássemos a ocupação do estádio de 45%  para os 70% que os nosso rivais da capital tem em média, o público iria a 46 mil pessoas por jogo, aumento adicional de R$ 22 milhões na renda sem aumentar o valor dos ingressos. É necessário criar as condições e um sentimento de são-paulinidade que aumente a nossa média de público. Temos o maior estádio, não podemos nos contentar com jogos em que o público esteja abaixo de 50 mil pagantes.

  • Receitas do Programa Sócio Torcedor

Honrando o verso de nosso hino o São Paulo foi o primeiro a lançar um programa de sócio torcedor no Brasil. Os clubes do Rio Grande do Sul administram muito bem seus projetos, mas as receitas são contabilizadas junto com a arrecadação de jogos, o que distorce os termos da comparação. Os dados do Corinthians também não são divulgados de forma separada.

O programa Sócio Torcedor do SPFC gerou receitas de R$ 10 milhões em 2019, enquanto Palmeiras e Flamengo já arrecadam desde 2017 valores acima de R$ 40 milhões por ano. O Athlético PR, com torcida total estimada em 1 milhão de pessoas segundo o IBOPE, arrecadou R$ 26 milhões com seu Sócio Torcedor em 2019. Neste parágrafo talvez o melhor exemplo seja o do Esporte Clube Bahia, que faturou o dobro do SPFC com seu programa do Sócio Esquadrão.

O Bahia reformulou totalmente o seu programa do Sócio Esquadrão, ajustando os preços à realidade de seus torcedores e incluindo vantagens que atraíram mais sócios, e dobrou a sua receita em 2019. O clube anuncia um número de 33.000 sócios ativos, o que equivale ao número de sócios adimplentes do Sócio Torcedor do SPFC em 2019, mas gera com eles o dobro da receita. Segundo o IBOPE o Bahia conta com um universo de 2 milhões de torcedores.

Um dia fomos os primeiros, mas hoje é preciso ter consciência que fomos ultrapassados. Estudar o que os rivais estão fazendo e identificar as boas práticas que estão dando certo nos outros clubes é uma boa maneira de começar a reconstrução do programa. Eu acrescento ainda que nesse processo devem buscar ouvir os torcedores, pois são eles que consomem o serviço e o espetáculo.

  • Receitas de Premiação em Campeonatos

Recentemente as premiações dos campeonatos estaduais, copas do Brasil, do Nordeste, Sul Americana e Libertadores aumentaram bastante, buscando incentivar a concorrência. Nesses torneios eliminatórios não só o campeão e vice levam prêmios, mas a cada passagem de fase os competidores têm direito a um bônus de participação. Esta receita está diretamente associada ao desempenho esportivo de cada equipe.

Por ter alcançado a final do campeonato paulista e a sexta colocação no Brasileiro o São Paulo atingiu R$ 27 milhões em premiações em 2019, resultado melhor que o do Palmeiras nesse quesito. Athlético PR e Internacional, campeão e vice da Copa do Brasil 2019 são uma prova de que esse torneio compensa financeiramente para quem o prioriza.

Com seus resultados em campo o Flamengo faturou R$ 204 milhões em prêmios nos últimos quatro anos. O Athlético PR arrecadou R$ 131 milhões por seus méritos esportivos no mesmo período, enquanto Palmeiras e Internacional chegaram próximos de R$ 90 milhões cada um. O Fluminense, que há anos flerta com o rebaixamento no Brasileiro, mas com boas campanhas no campeonato carioca e uma participação em semifinal da Sul Americana 2018 acumulou R$ 59 milhões. O São Paulo Futebol Clube teve um total de R$ 36 milhões em prêmios no período.

  • Considerações finais. Receitas recorrentes acumuladas

Aqui somamos o total das receitas recorrentes (receitas totais exceto negociação de direitos federativos) de cada clube nos últimos quatro anos. No período o São Paulo arrecadou um bilhão de reais a menos do que o Flamengo.

Vemos que o São Paulo Futebol Clube encontra-se no sexto lugar entre doze equipes avaliadas aqui. Um Clube que historicamente se posicionava entre os três maiores orçamentos de futebol do país vem perdendo relevância nos últimos anos. A distância que nos separa de Flamengo e Palmeiras hoje é muito maior do que a vantagem que temos sobre o Athlético PR, clube que vem crescendo rapidamente no cenário nacional.

Não é por coincidência que os cinco clubes à nossa esquerda no gráfico, os de maior renda, conquistaram nesses quatro anos todas as edições do campeonato brasileiro, duas Libertadores de América, tiveram sempre um representante na final da Copa do Brasil, além de disputar uma final de Sul Americana. Entre os seis clubes à direita, os de menor receita, essa lista de conquistas se resume a uma Copa do Brasil e uma Sul Americana, ambas conquistadas pelo Athlético PR. O São Paulo nesse período não obteve qualquer conquista.

Hoje temos um Clube com alto endividamento, com receitas decrescentes, que apresentou déficit elevado no ano passado, com um elenco recheado de jogadores caros, e que não conquista nada desde 2012. Para quebrar essa espiral descendente é preciso se implantar a austeridade na administração, manter o elenco atual repondo as peças necessárias com jovens vindo da base, e focar nos torneios mais curtos, como a Copa do Brasil, onde um bom time pode vencer o torneio mesmo que o elenco não seja tão completo em opções. A torcida precisa ajudar tendo paciência com técnicos e jogadores.

E o departamento de marketing precisa trabalhar para obter contratos compatíveis com o potencial de exposição de marca que um grande time como o São Paulo oferece a seus parceiros,  renegociar os termos do contrato de direitos de TV que estão prejudicando o SPFC, ressuscitar o Programa Sócio Torcedor e aumentar a presença de público no estádio. Precisamos de receitas previsíveis para manter os pagamentos em dia.

5 comentários em “Flávio Marques

  1. Agradeço aqui ao Paulo Pontes pelo espaço para compartilhar essas informações com a enorme torcida Tricolor.

    Salve o Tricolor Paulista!

  2. Caro amigo Marques, um trabalho digno de um torcedor apaixonado pelo clube. Nem mesmo um funcionario bem pago seria capaz de apresenta-lo dessa forma.
    Fico muito grato e vai de encontro as minhas observacoes, agora juntando o outro lado, o politico, somos a oitava economia do mundo e nos parecemos uns pedintes do quarto mundo, porque sera, simples, somos governados por gentinha que so se preocupa em roubar e mentir, roubar sempre e mais nada. No futebol e em todos os esportes acontece o mesmo. Isso vai acabar, nao, nunca isso vai apenas continuar. Por isso somos o que somos. Resumindo, quem leva de SETE numa copa do mundo dentro de casa, vamos esperar o que mais.

    • Lorenzo,

      Mais uma vez obrigado pelos comentários. Foi um trabalho que exigiu muitas horas de pesquisa e análise, mas que faço como você percebeu por ser um apaixonado pelo SPFC.

      Temos muito a evoluir como clube e como país. A cultura do “levar vantagem” ainda está muito presente no esporte e na política, como você comenta. Bom Domingo!

  3. Parabéns Flávio. Um trabalho sensacional e extremamente ilustrativo. Depois de ler com redobrada atenção nos gráficos, fica claro que a conclusão é óbvia: estamos num viés de apequenamento a cada ano que se passa. Lamentável… especialmente porque faz alguns anos, nossa Diretoria é PROFISSIONAL… Insisto, em qualquer empresa, toda essa Diretoria já teria sido demitida.

    • Obrigado Waldir. Essa é a conclusão incontestável: a gestão do SPFC tem péssimo desempenho.

      A área de marketing, estratégica para a geração de receitas, foi utilizada nos últimos anos para acomodar aliados do presidente. Precisamos da profissionalização efetiva do SPFC.

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