Telê encara torcida e vence aversão para ‘deixar’ de ser pé-frio

Em 1986, Telê Santana se despediu da função de técnico da Seleção Brasileira ao ser eliminado nas quartas de final da Copa do Mundo daquele ano, pela França, em uma decisão por pênaltis que teve até bola batendo nas costas de seu goleiro, Carlos, antes de entrar nas redes. A fama de pé-frio parecia fincada em sua carreira. Mas que saiu exatamente em chutes da marca da cal.

Quando Zetti defendeu a cobrança de Gamboa, do Newell’s Old Boys, o treinador do São Paulo, que havia acompanhado toda a disputa com serenidade, sem comemorar nem gols, pouco teve tempo para se mexer. Antes de uma multidão invadir o campo do Morumbi, o comandante ganhou um abraço apertado de Raí antes de ser erguido. Fixou um sorriso no rosto, ciente de que o título da Libertadores de 1992 mudava definitivamente sua história.

Antes daquela festa em 17 de junho, porém, Telê nem queria saber do torneio que marcou sua história no Tricolor. Na Libertadores de 1972, à frente do Atlético-MG, então campeão brasileiro, foi eliminado na primeira fase após ter cinco jogadores expulsos em empate com o Olímpia, no Paraguai – curiosamente, caiu no grupo do São Paulo naquela edição. O sisudo chefe guardou uma bronca que prometia ser eterna.

“O Telê tinha muita prevenção contra a Confederação Sul-americana e a Libertadores da América, da qual tinha uma má recordação como técnico do Atlético-MG”, relembrou José Eduardo Mesquita Pimenta, presidente do Tricolor há 20 anos. “Ele realmente não gostava, tinha aversão à Libertadores. Achava que não era uma competição idônea por problemas com doping, arbitragem, fora de campo. Começou não acreditando, até escalando um time misto na primeira partida, contra o Criciúma.”

 

Telê acabou convencido pela diretoria, ávida por títulos internacionais, a escalar força máxima. Mas em nenhum momento externou que a competição seria a responsável por acabar com sua fama de pé-frio. Na verdade, não falava do assunto nem com seu amigo e preparador físico Valdir de Moraes. O técnico, contudo, agiu ao ser tachado de azarado após perder a final do Brasileiro de 1990 para o Corinthians, mesmo sendo favorito.

“Ele mandou chamar os chefes de torcidas uniformizadas no centro de treinamento, levou o presidente e os diretores e falou: ‘vocês estão me vaiando. Querem que eu saia? Está aí o presidente. Se não quiserem que eu saia, terão que apoiar’. O Telê não perdeu a categoria dele, e pararam com a cobrança porque não é certo você estar no campo e sofrer com algo que não é verdade. Ele teve uma atitude inédita, de coragem. E iria embora mesmo”, contou Valdir.

O pacto com a torcida foi cumprido e o clube festejou o Paulista e o Brasileiro em 1991 antes de conquistar a América. Fruto também de um elenco que, segundo Zetti, não contestava seu chefe. “Nunca acreditei em sorte e azar, dificilmente uso essas palavras. Acredito em trabalho e competência. Não existe pé-frio, existe sua condição psicológica de ter um comando dentro de campo. O Telê tinha um perfil de ser exigente, duro na conversa com qualquer jogador. Muitos que saíram do comando do Telê não deram certo em outros lugares porque precisavam daquela forma de trabalho.”

O sucesso veio também em uma reformulação que deu espaço a jovens e estabeleceu novas lideranças no elenco. “Era um time muito forte, competitivo, sabia o que queria. Existia uma liderança no grupo, mas não de um jogador, vários. Quando você tem lideranças positivas e com objetivo de conquistar, como tínhamos o Raí, eu, o Cafu, o Dinho, o Ronaldão, o Pintado… Todos falavam a mesma língua. Isso facilitava até para o treinador. O time não tinha problema. Quando tinha, resolvíamos dentro de campo”, lembrou Zetti.

Em campo, o rigor marcava o trabalho do técnico. Se os titulares perdiam o coletivo pela manhã, por exemplo, a atividade era repetida à tarde. E as alterações executadas nos treinos eram repetidas nos jogos. Telê não se desgastava preparando longas preleções. Passava todas as suas orientações ao longo dos trabalhos antes dos jogos.

“A preleção do Telê era quase nenhuma, muito raramente usava quadro negro”, falou Valdir. “Na preleção ele cobrava muito do último jogo. Lembrava de tudo, tudo, desde o lance em que o goleiro errou, lateral, defesa, drible. Falava o tempo de jogo que errou. E tudo de memória, sem anotar”, afirmou Zetti.

A paixão do técnico que virou ídolo dos são-paulinos pelo campo era tanta que ele adiava até sua alimentação para cuidar da grama. “O Telê era zeloso pelo campo. Morava no centro de treinamento, acordava de manhã e o primeiro lugar que ia era o campo, antes de tomar o café”, contou Valdir, que também trabalhava como olheiro e, ao passar suas observações, que tinha de lidar com a imensa confiança do treinador em seu time. “O Telê tinha uma coisa: não adiantava elogiar muito o adversário, o time dele sempre jogava melhor.”

A convicção aparecia após esforço em cada fundamento. Zetti ri ao lembrar de um susto que levou no CT da Barra Funda. “Cheguei um dia ao treino, olhei e tinha uma cesta de basquete grande, com aro maior lá no nosso campinho de goleiro. No campo 3, tinha uma barra de ferro grande no chão, com uns 30 cm de altura, encostada no alambrado, com uma madeira atrás, e uma barreira com buraco no meio e uma redinha”, contou.

As ordens eram expressas. “O treino estava marcado às 9 horas e um grupo tinha que chegar meia hora, uma hora antes chutando bola rasteira que batesse na barra e voltasse, ou bater meia altura para fazer a cesta na barreira ou bater lançamento para tentar fazer a tabela”, disse Zetti.

“Quando começou, todos acharam ridículo. Nós, inclusive. Era novidade, claro que todos estranhavam. Mas em um ano fazendo simplesmente essa repetição de movimento, o Macedo, o Vitor, o Catê, o Ronaldo Luís, o Cafu, o Palhinha batiam na bola com perfeição”, concluiu o então goleiro.

 

Com todos estes detalhes e trabalho intenso, Telê Santana inaugurou com a Libertadores de 1992 a era mais gloriosa do São Paulo e de sua carreira. “Ele não era chato. Todos que trabalharam com o Telê diziam: ‘pena que não trabalhei antes’. Tinha um método eficiente porque ganhou com um time de categoria, que entrava em campo quase com a certeza de vitória pela qualidade coletiva”, afirmou Valdir.

“É muito difícil hoje um treinador ficar mais de dois anos em um clube, e ele ficou quase cinco. E o clube só conseguiu tudo isso porque ele ficou muito tempo. Se muda durante a competição, seria mais um clube com dificuldades para chegar a uma final. O São Paulo fez tudo correto”, elogiou Zetti.

Fonte: Gazeta Esportiva

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