As luzes e sombras de Leco

Janeiro de 2016. Leco é chamado a uma sala próxima à sua no estádio do Morumbi para cortar o bolo de aniversário que ganhou de funcionários. Ao completar 78 anos, o presidente do São Paulo, clube com uma das mais impressionantes coleções de troféus do continente, pede baixinho:

– Eu só quero ser campeão.

O dirigente entrega a presidência do São Paulo neste 1º de janeiro, às vésperas de seu 83º aniversário, sem que seu desejo tenha se tornado realidade. Em seu último jogo no cargo, viveu mais uma frustração: a queda para o Grêmio na Copa do Brasil.

Seu sucessor, Julio Casares, porém, receberá de herança um time que lidera o Campeonato Brasileiro, oportunidade de encerrar um jejum de oito anos sem títulos, desde que o clube venceu a Copa Sul-Americana em 2012.

Leco desejou ser o responsável por tirar o São Paulo da fila, mas a pandemia de Covid-19, que empurrou os campeonatos de 2020 para o início de 2021, lhe tirou essa chance. E quase lhe tirou a vida, também.

Carlos Augusto de Barros e Silva nasceu no Brás, bairro paulistano de imigrantes, em 1938. O apelido Leco, incomum entre nomes muito mais aristocráticos na tradição tricolor, é um mistério até para pessoas mais próximas a ele.

Ganhou na rua, enquanto jogava bola com um garoto mais velho a quem chamavam de Leco. O apelido colou no admirado menino mais novo, que se apropriou dele. A história foi contada pelo dirigente, a pedido do ge, ao filho Fernando de Barros e Silva – Leco não quis dar entrevista para a produção desta reportagem.

Todas as outras pessoas ouvidas só concordaram em dar entrevistas em off, na condição de que seus nomes não fossem publicados.

Sintoma de um clube que ainda busca os pedaços que se soltaram nos últimos anos, quando a vanguarda deu lugar ao atraso, com alterações estatutárias para manutenção de poder, escândalos e traições. Leco, na cadeira que assumiu em 2015, quando a crise se tornou insuportável, não conseguiu pacificar o São Paulo – e a falta de resultados no futebol é razão e consequência disso.

O presidente, de perfil moderado, discreto, educado, e citado como afável até por seus principais adversários, tinha a missão de aglutinar o clube e levá-lo de volta a um período não tão distante de glórias. Mas deixará o Morumbi sem cumprir a tarefa.

Leco, advogado de formação, escalou os degraus do poder no São Paulo um a um desde a década de 1980, quando trabalhou nas categorias de base do clube. Viu em Silas e Muller o talento que os transformaria em ídolos tricolores antes de ambos se tornarem símbolos dos Menudos do Morumbi, o jovem time que venceu os Paulistas de 1985 e 1987 e o Brasileiro de 1986.

Trabalhou como diretor jurídico entre 1988 e 1990 e, uma década depois, disputou sua primeira eleição para presidente – um sonho que carregou por anos. Apesar de ser considerado favorito à época, foi derrotado por Paulo Amaral por quatro votos.

Em 2002, comandou o futebol do São Paulo e consolou um jovem Kaká aos prantos, na porta de um dos elevadores do Morumbi, quando o time foi eliminado pelo Santos nas quartas de final do Brasileiro.

Nos anos seguintes, tornou-se fiel escudeiro de Juvenal Juvêncio, a maior força política do São Paulo neste século. A fidelidade, uma característica apontada por aliados e rivais de Leco, o fez votar a favor de um entendimento que levou ao terceiro mandato de Juvenal, apesar de discordar da manobra. Pagaria o preço pouco depois.

DECEPÇÃO COM JUVENAL
Em setembro de 2013, Juvenal Juvêncio reuniu Leco e os então vice-presidentes Julio Casares e Roberto Natel – rivais na eleição disputada no início deste mês – e os liberou para iniciarem a busca por apoio de conselheiros para um deles encabeçar a chapa da situação no pleito que aconteceria em abril de 2014.

Passado o fim de semana, Juvenal os reuniu novamente e informou que havia escolhido Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo entre 1984 e 1988 e que teve o próprio Juvenal, que depois o sucederia na presidência até 1990, na condição de diretor de futebol.

– Foi um espanto. O Leco sumiu, não queria mais voltar – relata uma pessoa que acompanhou o processo na época.

Leco não escondeu a decepção. Manteve-se como candidato, apesar da escolha de Juvenal. Foi convencido a abrir mão depois, num arranjo em que lhe foi oferecida a candidatura à presidência do Conselho Deliberativo, que ele venceria.

Aos 75 anos, magoado, Leco não tinha mais expectativas: naquele momento, o sonho de se sentar na cadeira de presidente do São Paulo permaneceria nessa condição, de sonho.

Mas a decisão de Juvenal Juvêncio foi o primeiro sismo numa série de tremores que abalariam o São Paulo nos anos seguintes.

Leco crê que Juvenal, que morreria de câncer em 2015, já havia se decidido antes mesmo de liberá-lo para buscar apoio, como contou em entrevista recente publicada no Blog do PVC, no ge.

Para ele, Aidar, que estava há anos afastado do clube, mas que colaborou com Juvenal ao buscar uma brecha que o autorizasse a disputar um terceiro mandato consecutivo, cobrou essa fatura:

– O clube fez uma manobra estatutária casuística para permitir que ele (Juvenal) continuasse sendo presidente. E o artífice dos meandros jurídicos dessa manobra seria depois recompensado e eleito presidente, com a ajuda do próprio Juvenal – disse Leco a PVC.

Um antigo aliado, porém, faz uma leitura diferente. Para ele, Juvenal temia perder a eleição para um desafeto, seu ex-genro Marco Aurélio Cunha, que tinha sido dirigente de sucesso em anos anteriores. A derrota de Leco em 2000 reforçava o temor.

– O Juvenal achava que o Leco ia perder a eleição. O Marco Aurélio seria candidato. Juvenal achava o Leco não uma pessoa ruim, mas um candidato fraco, com pouco carisma para mobilizar conselheiros. Juvenal, já doente, sabia que não poderia participar da campanha.

O presidente da época, então, aconselhado por sua esposa, teria escolhido Aidar pela lembrança da gestão tida como de vanguarda nos anos 1980, quando o cartola liderou a criação do Clube dos 13.

O desafeto Marco Aurélio também se afastaria do pleito, e a chapa de oposição seria comandada pelo conselheiro Kalil Rocha Abdalla, que retiraria a candidatura horas antes da votação. Sem rival, Aidar foi eleito para o triênio 2014-2017, que ele não completaria no poder.

SEGUNDA CHANCE
Pouco antes de Carlos Miguel Aidar renunciar à presidência do São Paulo em outubro de 2015, envolvido em escândalos – que incluíam o acordo para pagamento de comissões em negócios obscuros, a contratação de um zagueiro (Iago Maidana) em transação irregular e até as vias de fato com um vice (Ataíde Gil Guerreiro) –, Leco esteve com um aliado no Pinheiros, clube que ambos frequentavam na época.

O estatuto do São Paulo, àquele momento, previa que, em caso de vacância na presidência, era o presidente do Conselho o responsável por assumir o clube e, na sequência, convocar nova eleição.

Do amigo, Leco ouviu que era o momento de pensar na possibilidade de ser o presidente tricolor. Ele teria rechaçado a ideia à primeira menção.

Diferentes pessoas relatam que Leco, apesar de ser o beneficiário direto de uma queda de Aidar, não se moveu nessa direção.

Numa das poucas ações relacionadas às atitudes de Aidar, tirou de pauta a votação de um contrato que previa o pagamento de R$ 18 milhões a uma desconhecida empresa, a Far East, pela intermediação de um acordo com a fornecedora de material esportivo Under Armour. Tivesse sido aprovado no Conselho, o contrato se tornaria válido, e a cobrança poderia ser feita.

O documento passou a ser investigado por uma comissão pela falta de indícios de que o serviço tivesse sido de fato prestado. O caso se tornou mais um dos escândalos daquele período. As acusações contra o ex-presidente se avolumaram, a briga com Ataíde Gil Guerreiro levou à saída em série de outros dirigentes, e Aidar não suportou a pressão.

No escritório do advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira, em outubro de 2015, Aidar entregou a Leco sua carta com o pedido de renúncia e desejou sorte ao homem que a partir dali sentaria em sua cadeira, primeiro interinamente. Catorze dias depois, Leco venceria por ampla margem (138 votos a 36) Newton Luiz Ferreira na eleição convocada para a escolha do presidente que completaria o mandato de Aidar.

NA PRESIDÊNCIA
Em junho de 2017, Leco recebeu o primeiro e-mail do empresário Luís Roberto Demarco, sócio do clube e de uma empresa que cedeu licenças de um software usado para o contato entre o clube e sócios-torcedores. O acordo, de 2015, previa uso gratuito do São Paulo.

Na mensagem, Demarco citava dificuldades em conseguir contato com membros da diretoria para negociar contrapartidas pela cessão, como exposição de marca, e cobrava R$ 300 mil pelo período em que o São Paulo utilizou o software gratuitamente.

Ignorado, o empresário escreveu novo e-mail cerca de 40 dias depois, com críticas mais contundentes à gestão, num momento em que o time tricolor rondava a zona de rebaixamento no Brasileiro. Mais uma vez, não obteve resposta.

Mais 20 dias, outra mensagem. O empresário subiu mais um tom nas críticas e encerrou o longo texto dizendo rezar para que Leco “seja conhecido somente como o PIOR PRESIDENTE DA HISTÓRIA DO SÃO PAULO”, assim, em letras maiúsculas. Leco respondeu no dia seguinte.

Na réplica, formal, com posições duras, mas palavras educadas, negou a dívida, rebateu críticas e disse ter as “piores impressões” a respeito do empresário. Assinou a carta com “confessado desagrado”. A discussão se tornou pública pouco depois, com artigos publicados por ambos na Folha de S.Paulo, e agora ocupa um juiz do Jecrim (Juizado Especial Criminal) paulista.

O rótulo de “pior presidente” desagrada ao atual mandatário são-paulino – especialmente um que sucedeu outro que renunciou por graves acusações de malfeitos ao clube. Ao Blog do PVC, Leco demonstrou incômodo ao ser questionado.

– A minha gestão, como a minha vida, foi pautada pelo amor ao São Paulo e pela correção. Esta é uma presidência limpa. Não quero fazer alarde disso também. Acho que a pergunta tem mais a ver com os tempos que vivemos do que com uma avaliação ponderada do trabalho que realizamos – escreveu Leco ao jornalista, em entrevista por e-mail.

Os últimos cinco anos, porém, foram duros.

O torcedor são-paulino viu seus principais rivais comemorarem títulos importantes desde então. Nesse período, lidou com eliminações vexaminosas, com o time na embaraçosa missão de evitar um rebaixamento, com maus resultados em clássicos. E nenhuma taça.

Apesar de ter concretizado vendas de jogadores que somam mais de R$ 600 milhões, o mandato de Leco terminará com o maior endividamento da história do São Paulo, previsto em R$ 579 milhões ao final de 2020, e com um ídolo como seu fantasma.

RACHA COM CENI
As trocas de treinadores se tornaram recorrentes no São Paulo de Leco: foram dez, contando interinos – Fernando Diniz, o último técnico da gestão, foi o único a durar mais de um ano no cargo. Uma saída, porém, criou uma cicatriz: a de Rogério Ceni.

O goleiro, possivelmente o maior ídolo da história são-paulina, voltou ao clube um ano depois de se aposentar da carreira de atleta, em 2017. Sofreu na primeira experiência como técnico e deixou o Morumbi demitido de forma traumática.

A demissão se deu após derrota para o Flamengo por 2 a 0, no Rio, pela 11ª rodada do Brasileiro – resultado que colocou o São Paulo na zona de rebaixamento. Era o sexto jogo seguido sem vitória, com apenas dois pontos conquistados nessa série.

As versões são conflituosas, a depender de quem conta a história. A mais difundida é a de que Leco tomou a decisão a despeito da opinião de outros dirigentes. Não via sinais de melhora, temia a queda para a segunda divisão e recusou-se a dar mais tempo a Ceni na tentativa de arrumar a equipe.

O presidente, reservadamente, conta de outra forma: foi ele quem teve que controlar a ira do então diretor de futebol, Vinicius Pinotti, hoje em lado oposto na política tricolor, que pediu a saída de Ceni logo após a derrota para o Athletico-PR, duas rodadas antes.

Pinotti teria se incomodado com críticas feitas pelo ex-goleiro em entrevista coletiva em Curitiba. O treinador se queixou das muitas vendas de atletas que o São Paulo havia feito naquele primeiro semestre.

Fato é que a relação entre Ceni e Leco era distante. A personalidade do treinador trombava com o perfil do presidente, que gosta de estar próximo no dia a dia de comissão técnica e jogadores. Leco nunca quis ter Rogério Ceni como técnico. Acabou convencido pelo próprio Pinotti.

A relação sempre foi de desconfiança mútua. Na avaliação do presidente, o temperamento e as constantes reclamações de Rogério tornavam o ambiente pesado. Na visão do treinador, Leco e outros dirigentes não entendiam de futebol, e isso atrapalhava o desenvolvimento do trabalho.

Ceni também vetou atletas que Leco queria no elenco, como Fernando Bob e Matheus Jesus, ambos oferecidos ao clube pelo empresário Fernando Garcia, de boa relação com o presidente – Petros, do mesmo agente, foi contratado, mas só teve tempo de fazer um jogo sob o comando de Ceni, justamente o último do ex-goleiro no comando do São Paulo.

Um dia depois da demissão de Ceni, que se deu em rápida reunião na sala de Leco no Morumbi numa segunda-feira, sob o argumento de que o “time não estava andando” e sem argumentação contrária do treinador, o presidente concedeu uma entrevista coletiva desastrada.

– A diretoria não tem nenhuma responsabilidade direta. A diretoria teve a coragem de contratá-lo, sendo uma figura desconhecida e novata no tema direção técnica. A diretoria confiou no seu trabalho e deu todas as condições de realizá-lo. Isso é inegável – disse Leco.

Cerca de dois meses depois, Leco voltou a criticar o goleiro numa entrevista. A ela, seguiu-se uma publicação de Ceni em uma rede social. O ex-goleiro não cita Leco, mas o presidente é apontado como o alvo da ira do treinador:

– Não se deixe enganar pelos cabelos brancos, pois os canalhas também envelhecem.

Uma das principais razões para as reações de Ceni diz respeito à eleição do São Paulo naquele ano. Leco concorria à reeleição no pleito em abril – o goleiro já era o treinador do time. Em seu plano de governo, o presidente expunha a intenção de ter Ceni como protagonista de um processo de modernização e de criação de uma nova identidade no clube.

Leco com Rogério Ceni, de quem viraria desafeto - Rubens Chiri/São Paulo
Leco com Rogério Ceni, de quem viraria desafeto – Rubens Chiri/São Paulo

Como se sabe, Leco venceu aquela eleição e demitiu o treinador cerca de três meses depois. Ceni acredita que foi usado como instrumento político na busca por votos.

Dorival Júnior foi contratado para o lugar de Ceni, recebeu um pacote de reforços que tinha Arboleda, Bruno Alves e Marcos Guilherme, além da volta de Hernanes em ótima fase. O São Paulo terminou o Brasileiro na 13ª posição.

POLÍTICA

Adversários descrevem Leco como um dirigente centralizador, que não gosta de ser contrariado e tem dificuldade de identificar os próprios erros. Aliados rebatem, citam o presidente como uma pessoa agradável, de boa relação com funcionários, e que os ouve – apontam a contratação de Diego Aguirre, em 2018, como exemplo.

O uruguaio era o nome preferido do executivo de futebol Raí e do superintendente Lugano para substituir Dorival Júnior, enquanto Leco queria Abel Braga. Prevaleceu a sugestão dos ex-jogadores.

Aliados descrevem Leco como uma pessoa agradável, de bom trato com funcionários - Marcos Ribolli
Aliados descrevem Leco como uma pessoa agradável, de bom trato com funcionários – Marcos Ribolli

No Morumbi, a figura apontada como aquela a quem Leco mais dá ouvidos é o filho do presidente, o jornalista Fernando de Barros e Silva. O grau com que Fernando interfere nas decisões do clube varia de acordo com a posição de quem relata: de “presidente adjunto” para um rival do pai a “só foi ao vestiário algumas vezes” para um funcionário do clube.

Fernando, que não tem cargo no São Paulo, é creditado como um dos responsáveis pela orientação no posicionamento do clube em causas sociais – em temas como o combate ao racismo e à homofobia. A ele também é dada a responsabilidade pela forma com que Leco se relacionou com o Conselho Deliberativo, um órgão fragmentado por diferentes grupos políticos.

Com o pai, trabalhou pela criação de uma “base aliada” e aproximou-se de um bloco chamado de “centrão”. Um ex-conselheiro cita um quadro, na sala do assessor da presidência Márcio Carlomagno, com o posicionamento de cada conselheiro nesse espectro político tricolor.

Há quase dois anos, em espisódio que ficou conhecido como “AeroLeco”, o São Paulo incluiu 25 conselheiros, alguns da oposição, em voo fretado para Córdoba, na Argentina, onde o time enfrentaria o Talleres, pela Libertadores. O voo incluiu críticos ácidos do presidente, como o conselheiro Douglas Schwartzmann, e o José Mesquita Pimenta, rival de Leco na eleição de 2017.

No final de 2019, um grupo de 50 conselheiros entregou um pedido de impeachment de Leco que rapidamente foi enterrado. Pedidos de afastamento do presidente também foram feitos à Justiça, que não os acolheu.

Ao ge, Fernando nega influenciar as decisões de Leco, diz que mantém com ele conversas entre pai e filho próximos que torcem pelo mesmo time e conta ter atuado diretamente apenas na campanha pela presidência em 2017, quando Leco conquistou o mandato que termina neste mês.

– Nunca participei da administração do clube nem de nenhuma negociação, tenho minha vida profissional, morei no Rio por oito anos, dirigi uma revista (piauí), é incompatível. Durante o mandato, eu me afastei. Na época da eleição, tirei uma licença de 20 dias do trabalho e vim ajudar. Minha participação foi muito menor do que as pessoas acham – afirma.

A influência de conselheiros na diretoria de Leco é alvo de críticas e geralmente citada como um dos motivos dos muitos fracassos do São Paulo nesses últimos cinco anos.

Em 2017, um novo estatuto passou a vigorar no clube. O documento é adjetivado como “moderno” e apontado como um legado do atual presidente. Um dos avanços é na profissionalização da cadeia de comando do clube, com remuneração para os principais cargos da diretoria, inclusive o presidente.

Leco, porém, manteve esse poder na mão de conselheiros. Tanto que, mesmo com um estatuto tão jovem, uma alteração foi feita dois anos depois para impedir que conselheiros se mantenham em cargos remunerados – até então, bastava se licenciar do órgão.

Em abril deste ano, data limite para que conselheiros acumulassem uma função remunerada no clube, cinco deles tiveram que decidir entre permanecer na diretoria e renunciar ao Conselho ou retomar a vaga para as quais foram eleitos.

Todos escolheram permanecer com Leco: Elias Albarello (diretor financeiro), Eduardo Rebouças Monteiro (diretor de infraestrutura), Paulo Mutti (superintendente de gestão de contratos), Mauro Castro (gerente de estádio) e Márcio Carlomagno (assessor da presidência).

Outros dois estavam na mesma situação no início deste ano, mas deixaram a diretoria antes do prazo para escolha: Rodrigo Gaspar (então diretor administrativo) foi demitido, e Leonardo Serafim (ex-diretor jurídico) pediu demissão.

O futebol não se livrou disso. Durante o mandato, principalmente antes da vigência do novo estatuto, Leco empregou conselheiros para tocar a atividade principal do clube. Marco Aurélio Cunha, José Alexandre Médicis, José Jacobson Neto e Rubens Moreno ocuparam cargos na diretoria.

Esse movimento se enfraqueceu no futebol a partir de 2017, porém. Vinicius Pinotti, que só se tornou conselheiro na eleição realizada no final deste ano, comandou o departamento na maior parte daquela temporada, até se demitir em dezembro por divergências com Leco.

O presidente, então, decidiu entregar a diretoria ao ídolo Raí, até ali sem experiência na função. Falava-se numa estratégia de defesa de Leco, já alvo de variadas críticas.

Leco ao lado de Raí, ídolo transformado em dirigente - Maurício Rummens/Agência Estado
Leco ao lado de Raí, ídolo transformado em dirigente – Maurício Rummens/Agência Estado

Com Raí, manteve-se a rotina de troca de treinadores – a mais lembrada delas é a demissão de Diego Aguirre, que levou o São Paulo à liderança do Brasileiro em 2018, mas acabou mandado embora poucas rodadas antes do fim do torneio, quando o time já não tinha chances. Foi substituído por André Jardine, que durou pouco, só até a eliminação para o Talleres na fase preliminar da Libertadores do ano seguinte.

O próprio Raí esteve próximo de ser demitido no final de 2019, quando o São Paulo conseguiu uma vaga na Libertadores, mas encerrou outra temporada frustrante – foi vice do Paulista, com desempenho pobre e o pior ataque da história tricolor.

Carlos Belmonte, conselheiro que terá cargo no futebol na gestão de Julio Casares, chegou a ser convidado para ser diretor, mas Leco acabou convencido a manter Raí e o verniz de profissionalismo no futebol.

Essa movimentação garantiu uma relação sem grandes sobressaltos de Leco com o Conselho Deliberativo nesses cinco anos, mas não apoio público no fim do mandato. Seis dirigentes que passaram pelo futebol do clube no período se acomodaram na chapa de Roberto Natel, de oposição a Leco, que acabou derrotada na eleição de dezembro.

BLINDAGEM

A presença de um ídolo no comando não afastou as críticas a Leco. Após a eliminação para o Mirassol, no Paulista, em julho, Raí, o gerente Alexandre Pássaro, o técnico Fernando Diniz e o presidente tiveram seus nomes estampados em faixas estendidas em frente ao Morumbi em dias de jogos – a pandemia de Covid-19 que tirou os torcedores das arquibancadas impediu que os protestos entrassem no estádio.

Torcedores exibem faixa contra Leco - Marcelo Hazan
Torcedores exibem faixa contra Leco – Marcelo Hazan

Não foi um movimento isolado durante o mandato de Leco. Alguns casos extrapolaram o limite entre a crítica e o crime, como se lembram pessoas próximas ao presidente do São Paulo, com detalhes, de uma ameaça de morte direcionada ao dirigente num comentário de internet. Leco preferiu relevar, apesar dos conselhos para que processasse o autor.

Um episódio marcante aconteceu num jogo de basquete entre o São Paulo e o Pinheiros pelo NBB (Novo Basquete Brasil), em 2019, quando Leco foi vaiado no ginásio do time rival e responsabilizou um “pequeno grupo” por uma “coisa encomendada”, como classificou em entrevista à ESPN.

A declaração gerou reação de torcedores, que criaram um movimento nas redes sociais. A hashtag #Somos18MilhõesForaLeco liderou a lista de assuntos mais comentados no país no dia seguinte e reforçou um movimento de blindagem a Leco que já estava em andamento no São Paulo.

Leco submergiu nestes últimos anos de mandato – ele já vinha evitando entrevistas e aparições em eventos públicos. A última foi a coletiva de apresentação de Daniel Alves, em agosto do ano passado, num evento grandioso no Morumbi. Desde então, coube a Raí dar as caras em crises, como após a eliminação para o Mirassol e na Libertadores nesta temporada.

O desconforto de Leco era tanto que, mesmo com o time classificado para a final do Paulista de 2019 contra o Corinthians, ele tentou evitar uma entrevista coletiva com os presidentes dos dois clubes na sede da Federação Paulista de Futebol. Por insistência, foi convencido a participar.

No evento, ao fazer uma foto com a taça do estadual, foi alvo de uma brincandeira do rival Andrés Sanchez:

– Faz tempo que você não põe a mão aí – disse ele a Leco, que riu, cumprimentou Andrés e deixou o local rapidamente.

O São Paulo perdeu a decisão para o Corinthians.

COVID-19

O temor à reação de torcedores à figura de Leco impactou até mesmo a divulgação de informações a respeito da saúde do presidente, que contraiu Covid-19 em setembro. No período em que o dirigente esteve afastado, o clube se limitou a publicar notas oficiais sucintas e sem detalhes. Mesmo em off, pessoas do clube sustentavam relatos de um quadro mais simples do que o real, contavam que a internação era preventiva por se tratar de um homem com 82 anos, no grupo de risco da doença.

Mas Leco esteve em estado grave. Ocupou um leito de UTI do HCor (Hospital do Coração) por 12 dias. Por quatro ou cinco dias desse período, a situação se agravou, a infecção pulmonar cresceu, os médicos reforçaram o monitoramento e discutiram a possibilidade de entubar Leco, um procedimento invasivo e de risco para alguém da idade dele.

Dezenove dias após a internação, Leco deixou o hospital. Semanas depois, recuperado, foi ao CT da Barra Funda a pedido de Fernando Diniz, com quem se dá muito bem. Lá, foi recebido e homenageado por jogadores e demais funcionários. De Arboleda, atleta de quem é mais próximo, ouviu o chamado de “papai”, como o zagueiro se refere ao presidente.

Leco esteve afastado do São Paulo por contrair Covid - Marcos Ribolli
Leco esteve afastado do São Paulo por contrair Covid – Marcos Ribolli

A Covid afastou Leco do processo eleitoral do São Paulo neste segundo semestre. Mas não foi só a doença. O presidente se transformou num personagem curiosamente tóxico: as duas chapas brigavam pela narrativa de oposição a Leco, ainda que ambas fossem encabeçadas por figuras que fizeram parte da administração dele.

Leco não foi chamado e não se envolveu. Julio Casares, membro do Conselho de Administração do São Paulo, numa união de grupos políticos que ele preferiu nomear “coalizão” para fugir do rótulo de “situação”, venceu Roberto Natel, vice-presidente de Leco. Natel e Leco se tornaram adversários durante o mandato e protagonistas de um bizarro caso de chantagem supostamente cometido por um hacker que, segundo uma investigação interna do clube, teria recebido documentos sigilosos de Natel, que nega envolvimento.

A relação tem sido mais amistosa nos últimos dias entre Leco e Casares. Na semana passada, na véspera do primeiro jogo contra o Grêmio, pela semifinal da Copa do Brasil, o presidente eleito foi levado ao CT por Leco para ser apresentado a jogadores e comissão técnica. Leco apresentou uma a uma, nome por nome, as quase cinquenta pessoas que estavam no local. E disse aos jogadores que estaria próximo a eles, mesmo fora da presidência, para o que precisassem.

– Quando ele voltou ao CT pela primeira vez após a Covid-19, ele disse que estava revivendo seus momentos de torcedor. Ele pensou em alguns instantes que nunca mais voltaria ali – conta um funcionário do CT.

É na Barra Funda onde Leco se sente mais à vontade. O presidente gosta do contato com atletas e membros da comissão técnica. Criou profunda admiração por Fernando Diniz, o que garantiu sobrevida ao treinador em momentos em que o histórico indicava a demissão – e teve suporte de Raí, com quem se manteve alinhado nos dias mais tensos após eliminações no Paulista e na Libertadores.

Leco com Fernando Diniz, por quem tem grande admiração - Marcos Ribolli
Leco com Fernando Diniz, por quem tem grande admiração – Marcos Ribolli

A admiração é recíproca. Diniz reconhece o esforço de Leco ao ignorar a pressão por sua demissão e, a quem pergunta, costuma dizer que o tempo fará com que o presidente seja reconhecido no clube.

No CT, Leco se refere a todos os funcionários pelo nome e costuma parar e conversar sobre amenidades, perguntar sobre a família.

Há a expectativa de que Casares estenda a Leco o reconhecimento caso o São Paulo seja campeão brasileiro. Leco não se prende a isso. Sente-se realizado por entregar o mandato ao sucessor em clima mais ameno e por se sentir bem-vindo ao CT para tomar um café quando quiser.

Contra o Grêmio, na quarta, Leco acompanhou a delegação tricolor no ônibus, como de costume. Foi o primeiro a descer. Pela última vez.

Fonte: Globo Esporte

2 comentários em “As luzes e sombras de Leco

  1. Com certeza não sentiremos sua falta pois até ontem foi o pior presidente que o São Paulo teve…

    Espero que pessoas sem o mínimo de preparo para ser presidente do São Paulo como ele nunca mais ocupem a cadeira…

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