Não é só raça. Alvaro Pereira é sentimental e veio ao Brasil pelo “povão”

Pai afetuoso, que se emociona ao falar da família e que coloca os filhos Mateo, 6, e Lucio, 3, acima de qualquer outra coisa na vida. Que leva a vida profissional em função da família, e não o contrário. Ser humano de valores distintos, alternativos. Que prefere o afeto e o calor da América do Sul ao glamour europeu, que prefere um jogo de Libertadores na periferia de Buenos Aires a uma partida de Liga dos Campeões em um estádio cinco estrelas em Londres. Este é o uruguaio Alvaro Pereira além do jogador de futebol que se vê em campo. Personagem que fica escondido debaixo da tão marcante figura da raça, com sangue, desmaios e total devoção à camisa do São Paulo, clube que conseguiu conquistar em oito meses e ainda sem qualquer título.

O lateral esquerdo recebeu o UOL Esporte na tarde de quarta-feira, no CT da Barra Funda. No São Paulo, Alvaro experimenta uma nova fase pessoal e profissional. Trocou a Itália pelo Brasil porque, segundo ele, a família estava precisando de um pouco mais de alegria, um pouco mais de proximidade da terra natal. E porque, particularmente, sentia saudades do “povão”, como ele mesmo chama. Hoje, mais experiente, Alvaro começa a tomar gosto pelo papel de líder e se entrega de forma completa à camisa do clube. A devoção ao São Paulo, segundo ele, é por sentir o carinho especial da torcida e, principalmente, por estar mais velho e viver fase um pouco mais “sentimental”, palavra escolhida pelo uruguaio.

Alvaro Pereira conta tudo com total sinceridade, mas com o único cuidado de não parecer arrogante. Não se vende como ídolo em potencial, mas detalha o prazer que sente por exercer um papel de liderança e poder contagiar os companheiros com a entrega em campo. Avalia como “regular” o próprio desempenho até agora, e fala em eterna gratidão ao amigo Diego Lugano, que proporcionou a chegada ao São Paulo – e que, como ele mesmo admite, facilitou a identificação com a torcida.

UOL Esporte: Você chegou ao São Paulo em janeiro e, em sete meses, mesmo sem títulos e com o time longe de uma fase brilhante, conquistou a torcida do São Paulo como outro jogador não fazia há muito tempo. Consegue entender esse carinho e os motivos que fizeram o torcedor gostar de você?
Alvaro Pereira: 
O reconhecimento é pelo esforço dentro de campo, que é valorizado, e a gente fica contente por isso. Mas ao mesmo tempo é uma responsabilidade, que a gente tenta defender jogo a jogo e tenta melhorar. Tenta transmitir essa mensagem, para os jogadores, para o time, que sempre, todo dia, tem algo para melhorar e aprender. E sobre o carinho, é pela identificação que os jogadores uruguaios têm com o São Paulo e porque há muito tempo um jogador uruguaio não vestia a camisa do São Paulo, desde Lugano. Isso tem um pouco a ver. Eu cheguei aqui não para ser ídolo, mas simplesmente para conseguir coisas importantes com o São Paulo. Desde o primeiro dia que cheguei aqui eu falei isso, é meu objetivo, me superar como jogador e pessoa.

UOL Esporte: E você consegue sentir o quanto a torcida, de modo geral, gosta de você? Ou não se sente assim?
Alvaro Pereira: 
Sentir, sinto um carinho. Porque quando se sai do estádio ou está na rua o torcedor são-paulino me transmite isso. Mas eu, como jogador profissional, dentro do campo tenho que desligar isso. Eu sou muito autocrítico e ambicioso. Para mim, o melhor ainda está por vir. Eu não vim aqui para ser ídolo, vim aqui para conseguir títulos e ajudar o São Paulo. Para quando me aposentar vir aqui ao CT com meus filhos e netos e poder mostrar a eles uma foto, um quadro, com um título. O reconhecimento da torcida é sempre muito bonito, mas eu trabalho para conseguir grandes coisas e enquanto o trabalho não estiver bem feito eu não vou me conformar.

UOL Esporte: O seu momento mais emblemático no São Paulo foi no empate por 1 a 1 contra o Criciúma, no último dia 2. Você sofreu uma pancada na cabeça, desmaiou e, quando acordou, quis voltar ao campo. No lance seguinte, deu um carrinho e iniciou a jogada do gol de Alan Kardec. Na comemoração, você foi fotografado comemorando com sangue e grama na boca, ainda. Naquela partida, a torcida vaiou intensamente a equipe inteira pelo empate e gritou apenas seu nome, como se fosse um título. E essa sua devoção ao São Paulo já foi vista na seleção uruguaia, mas não na Inter de Milão ou no Porto, onde você jogou. Da mesma forma que o torcedor te adotou, você também já sente uma identificação especial pelo São Paulo?
Alvaro Pereira: 
Tem carinho, sim. É certo que tenho carinho. Mexe com tudo isso. Mas essa foto eu tive o prazer de ver e ficou muito bonita, porque também como estava correndo o jogo, não conseguíamos fazer um gol e foi um desabafo isso. Foi um momento de mais de desabafo, que é o mais bonito que tem isso. De conseguir abrir um jogo, um gol. Foi uma pena que o jogo ficou empatado. Mas o que fica é que no momento foi um desabafo. Naquele momento o que eu queria era vencer, quando eu vi a bola entrar é algo que só o jogador sente. Ficou muito bonita essa foto. Tanto torcedor do Porto, como do Inter, da seleção uruguaia já me conhece, mas é sempre a mesma coisa: vão passando os anos e a gente está ficando mais… como se diz? Sentimental. Se emociona bastante.

 

Rubens Chiri/Divulgação

 

UOL Esporte: Você já afirmou que, às vezes, alguns jogadores da seleção uruguaia chegam chorando ao estádio Centenário, em Montevidéu, ao percorrerem o caminho dentro do ônibus da equipe. Acha que pode sentir isso por um clube, que pode sentir isso um dia pelo São Paulo? Como você encara a relação com a torcida?
Alvaro Pereira:
 A recepção que tivemos da torcida, contra o Santos, outro dia, foi muito bonita. Ali fora esperando o ônibus… Muita gente. Essas coisas são bonitas. São pequenas coisa que para o jogador… Eu falo neste caso por mim, mas penso que para a maioria dos jogadores significa muito. Eu muitas vezes vejo, quando a torcida fica empolgada, muitos dizem “não…”. E eu gosto disso (risos). Quando eu cheguei, tive a sorte de jogar contra o Palmeiras no Pacaembu, pelo estadual, e perdemos por 2 a 0. Não acabou com final feliz. Mas me lembro que entramos no campo, toda a torcida do São Paulo pulando, a do Palmeiras pulando. E estavam Antonio Carlos e Maicon ao meu lado e falei para eles: “É disso que eu tinha saudades. Agora vocês me entendem? Disso que eu tinha saudades. Do povão”. Você quando vai à Europa perde um pouco disso. Eu estou falando da torcida, sem violência, sem nada, da alegria, de antes do jogo ver todo mundo pulando e cantando. Você muitas vezes vai à Europa e aquilo se vê como um espetáculo, né. Não estou falando que aqui ou lá está errado. Mas é outra coisa. Outro dia falei pro Kaká: “Tenho a possibilidade de jogar a Sul-Americana e ainda falta a Libertadores”. Ele ficou olhando pra mim: “mas você jogou Champions, jogou UEFA…”, e eu disse: “Sim, mas vou jogar a Sul-Americana, vou jogar a Libertadores”. O melhor para alguém não significa… “ah, esse cara jogou Copa do Mundo, jogou Confederações, Copa América”. As coisas simples são as melhores, são as que vão mexer.

UOL Esporte: Naquele jogo contra o Criciúma você sofreu o segundo desmaio em 40 dias em decorrência de uma pancada na cabeça. Na ocasião, você também se recusou a sair de campo. Depois, foi vetado pelos médicos da partida contra o Vitória. Hoje, se isso acontecesse de novo, você entenderia que não pode fazer isso?
Alvaro Pereira: 
Antes de tudo vou deixar três pontos claros: O primeiro é que espero que não volte a acontecer mais. O segundo é que por pedido dos médicos e da família, não vou voltar a fazer. E o terceiro é que eu não quero ficar como super-herói. É o jeito que jogo, é a fração de segundo, o milésimo de segundo que quer ajudar o companheiro e não está preparado para o que pode acontecer. E você volta e não sabe o que aconteceu. Volta pra dentro do campo e… Depois, vendo imagens, falamos com o médico do São Paulo, que aliás fez um trabalho, eles me fizeram perceber o risco que eu podia passar. Eu percebi, custou alguns dias, convencer-me porque eles sabem como eu sou, mas tenho que agradecer pelo grande trabalho que eles fizeram com o neurologista. Inclusive eu depois não pude jogar contra o Vitória, eu fiquei muito chateado, mas por minha saúde falaram para que eu não jogasse e acho que estiveram muito bem. Porque com a cabeça fria, eles pensam, tem que dar os parabéns. Eles pensaram primeiro no ser humano e depois no jogador de futebol. Por todo esse conjunto de coisas, não acredito que volte a acontecer, dentro do campo como disse o Muricy, é um “louco do bem”, agora está todo mundo me chamando de louco, mas bom… Que fique como uma história, e que agora tenha cuidado, e que para qualquer atleta que aconteça isso eu recomendo que saia, que não cometa esse erro, que depois tem que se fazer caso aos profissionais.

UOL Esporte: Você diz “autocrítico”. Que avaliação faz da sua passagem pelo São Paulo até aqui?
Alvaro Pereira:
 Passou muito rápido, porque eu tive amistoso com a seleção, tive Copa do Mundo, perdi jogos de Brasileirão e estadual. Cheguei começando já o estadual. O balanço eu vou fazer quando acabar o ano. Se positivo ou negativo. Até agora está sendo um pouco regular. Estou falando não só da parte individual, mas também coletivamente. Obviamente fico magoado, falando do Paulista, tínhamos a ilusão de conseguir o título, não conseguimos. Queríamos brigar pela Copa do Brasil, não se conseguiu esse objetivo. São pontos negativos que entram na autocrítica, a gente se sente ferido por isso. Como profissional, isso se sente. Agora tem a Sul-Americana que tem de ser tomada como um desafio. Estamos brigando pelo Brasileirão, que seria bom conseguir. Seria o sétimo campeonato para o São Paulo, com um time que está brigando muito e com jogadores muito identificados com o São Paulo. Seria muito bom para o clube e para a torcida.

UOL Esporte: Quando você foi contratado, o São Paulo não tinha Alexandre Pato, Alan Kardec e Kaká. Como você viu, depois de chegar, essa montagem do elenco?
Alvaro Pereira:
 Eu vim da Europa, estou um pouco habituado a isso. Mas sei que aqui na América do Sul isso surpreendeu os brasileiros, a aposta que fez o São Paulo. Torço para que seja uma aposta boa, que ao fim do ano estejamos celebrando. Até agora está sendo. Eu não gosto de falar porque não estava, mas o clube ficou magoado, passou metade do ano passado na parte de baixo da tabela, e é difícil ver o São Paulo nessas posições. As mudanças do clube, a troca do presidente, a troca de mandato, demandava uma troca na parte desportiva e gerencial. E tudo isso fez mudar a mentalidade para que o São Paulo volte a brigar por coisas importantes. Como time grande, tem obrigação de brigar por isso.

 

Fonte: Uol

Um comentário em “Não é só raça. Alvaro Pereira é sentimental e veio ao Brasil pelo “povão”

  1. Na’o importa o futuro dele e do time, mas Palito virou meu idolo.
    Por isso na’o sou fan de outros medalho’es gossto disso
    da entrega, do amor ao torcedor, ao clube que o paga
    e da resposta dentro e fora de campo.
    Jogadores do Sampaulo, na realidade sempre tiveram esse tipo de PERFIL.

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