Gustavo Vieira vai na contramão de cartolas e diz: ‘Sem título, nada adianta’

Gustavo Viera de Oliveira foge do estereótipo do dirigente brasileiro. A serviço do São Paulo, o gerente executivo não é visto de terno e gravata, chega a passar desapercebido pelos repórteres no CT e raramente dá entrevistas. Discrição, aliás, que o favoreceu nos bastidores para concretizar as negociações hoje comemoradas pelo torcedor são-paulino e Muricy Ramalho. O técnico tem repetido o êxito do planejamento de 2014, o primeiro em que Gustavo atuou como gerente e ganhou mais autonomia de gestão no futebol. As duas palavra são caras ao dirigente, filho de Sócrates, sobrinho de Raí e formado em Direito.

Passado o primeiro ano, a humildade o faz minimizar os próprios feitos. Mesmo tendo recebido elogios públicos do presidente Carlos Miguel Aidar, pela atuação na contratação de Kaká. Gustavo era o único dirigente nos Estados Unidos quando o clube acertou com o Orlando City (EUA) a vinda do meia.

– É sempre em conjunto. O importante é que os atletas são 100% nossos – afirma.

Como gestor, Gustavo elogia a medida de Aidar de estipular metas para os dirigentes, diz que prefere ser mais cobrado e é a favor de punição àqueles que não se adequarem a uma política de responsabilidade fiscal. Com fama de exímio negociador e de gastar pouco para contratar, ele se prepara para a próxima janela convicto de que pode atender ao desejo de Muricy de dois ou três jogadores de alto nível para fechar o elenco.

Antes, porém, torce para o clube conquistar pelo menos um dos dois títulos que ainda disputa. Caso contrário…

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao LANCE!Net pelo gerente, no CT da Barra Funda.

Você é são-paulino. Por quê?
Óbvio que o Raí teve influência muito grande nisso. A primeira lembrança que tenho de futebol é a da final do Brasileiro de 1986, emocionante, e impressionante do título do São Paulo. Aquela imagem já me fez um pouco são-paulino. Meses seguintes, meu tio já chegou ao clube, me levou para estádios, entrar em campo, ai a paixão se acentou.

O Raí, então, militou para isso?
Não precisa fazer muita coisa né? Bastava ganhar os títulos que eles ganharam, não precisou fazer muita força, não. Ganahando título e trazendo pro universo, bastou.

Você entrava em campo com os atletas?
Sabe que nossas lembranças de crianças não são tão precisas assim. Mas lembro de entrar em campo com ele, lembro vagamente de ter ido na final de 1991 do Paulista, contra o Corinthians. Salvo engano fui no ônibus, participei daquela conquista, daquele prazer.

Foi sempre foi mais para o São Paulo?
Sempre só fui para o São Paulo. O único registro que tenho do lado do Corinthians é a certidão de nascimento (risos).

Mas seu pai foi muito ligado ao Corinthians. Por que não o Corinthians?
Meu pai falou de democracia a vida toda, então ele praticava democracia em casa. Isso facilitava a divergência de opiniões. Provavelmente meu pai também saiu do Corinthians quando éramos muito jovens, então já impediu um pouco de viver isso, não tive muito contato. Então vi um pouco por esse lado. Depois, convivemos, depois vi esse lado corintiano, meu pai mesmo era santista, não era corintiano. E teve esse espaço para o Raí nos trazer Mas a abertura, as razões de vir foram profissionais.

Qual principal legado do seu pai e do seu tio?
Meu pai certamente foram os padrões éticos e a inserção que um homem tem que ter na sua comunidade, no universo que você vive. A gente nasceu nesse berço, nos desenvolvemos como tal. Meu tio também, e eu incluo aí torcer pelo São Paulo. O Raí tem muitos valores semelhantes, até familiar, tanto materno quanto paterno, vem dos avós, isso é muito forte, muito presente.

Como se deu sua entrada no São Paulo?
A gente tinha um escritório de direito esportivo que começou a ser demandado pelo São Paulo. Num determinado momento passei a ser envolvido em negociações de atletas. E aquilo para mim foi uma abertura grande, porque meu perfil sempre foi mais de negociador do que técnico de direto, processo. Acredito que deu resultado e o São Paulo passou a gostar daquela colaboração. Havia mecanismos interessantes, a discrição. No mercado do futebol é importante você pode se movimentar, até no exterior, sem ser percebido.

Qual foi a primeira negociação de que participou?
Ilsinho, a venda para a Ucrânia. Óbvio que não eram todos os negócios que eu participava, era demandado, depois foi se aproximando um pouco mais.

E qual maior jogador o São Paulo deixou de contratar neste período?
Olha, negociação a gente não fala nem antes, nem durante nem depois. As que deram certo vocês viram entrar no clube, e as que não deram, se perderam no caminho. E eventualmente não que a decisão tenha sido não contratar.

E qual balanço faz desse ano?
É positivo. Da estratégia que fora traçada e o resultado altamente positivo. Entramos com poucos recursos e a necessidade de reformulação ampla, pelos resultados de 2013, e acho que conseguimos, foi desafiador. Trazer atletas com precisão, não só qualidade, posicionamento tático. Com a riqueza de informações que a comissão técnica passa, participando das decisões pela necessidade do mercado. Diante do desafio foi altamente positivo, e é a base do nosso parcial sucesso de 2014.

Mas qual sua participação efetiva? O Muricy já elogiou os reforços e o planejamento feito.
O elogio do Muricy é natural porque ele é parte do processo. Junto com ele reunimos as decisões, informações, e vamos ganhar juntos, ter sucesso junto. É uma relação natural e prazerosa de trabalhar com essa equipe e com ele. Várias vezes preciso da comissão, me recorro a eles, para confirmar se continuamos ou não, eles comandam. Entrego um pouco da visão de mercado, muito da capacidade de negociação e vamos montando juntos. É natural que em alguns jogadores você tenha um peso maior para opinião e outros menor.

Como são as conversas com a comissão técnica?
São permanentes. Montagem de elenco pra mim é permanente, a janela é execução de algo que você vai visualizando e planejando. É natural que a comissão passe seus anseios, o esquema tático que pretende utilizar, nós também visualizamos o esquema, nossas decisões também se baseiam no treinador que está. Não faz sentido ser diferente. No futebol brasileiro estamos tomando cada vez mais coisas pontuais, sem expandir. Tem de selecionar o mais próximo possível que se quer, e depois reavaliar todo o processo. Esse método é extremamente importante, vamos conversando no dia a dia e em determinado momento você senta para ter as confirmações.

Você tem liberdade para indicar jogadores?
Tenho. Sugiro, como eles sugerem, e se entra num debate. Assim que funciona. Naturalmente, não é por ver um jogo. É perfil longo, de vários jogos, se aprofundar. Sou meticuloso nisso, levo tempo para formar uma posição, com variadas informações, para levar a eles, e eles avaliam, comentam, e a gente entra num processo de ver o resultado esperado.

Dos que vieram esse ano, algum foi sugestão sua?
O resultado é sempre coletivo, agora quem falou, propôs, é algo interno, prefiro deixar isso no restrito.

A contratação do Michel Bastos, por exemplo, foi conduzida por você e só vazou no dia anterior ao anúncio. Como foi?
A gente tinha interesse desde janeiro, era um dos nossos alvos. Cogitamos várias vezes o nome dele, pelo potencial que agora se confirma. Naquele momento não foi possível. E por isso falo que o processo é permanente, circula informação toda hora, e no meio do ano conseguimos a vitória. É um exemplo importante do planejamento, sempre evitando a contratação de 48 horas, que você faz por impulso, sem escolher.

Fale mais desse conceito de contratação de 48 horas.
Você faz diagnóstico, e talvez não tenha alternativa, porque não indicou quem são os atletas, sem riqueza de informações sobre eles. Você fica à mercê dessa escolha.

Mas o São Paulo fez muito isso nos últimos anos, não fez?
Possível que sim, nunca vamos zerar. Mas quanto mais reduzirmos, melhor. Acertar ou errar sempre vai acontecer, porque há fatores humanos, subjetivos. Você precisa reduzir.

Por que melhorou tanto do ano passado para agora?
Primeiro acho que é o perfil que o Muricy tem, de aprofundar os assuntos, e combina com o meu. Esse é o processo do debate e assim que se tem um bom resultado. Método é fundamental, diagnóstico, busca, execução, e revisitar, reavaliar. Assim que você pode tentar zerar os erros.

O Pabon é exemplo de jogador que não deu certo?
Sem dúvida. Dar certo ou errado é natural. Até porque acho que ele teve certo êxito. Passou parte do nosso elenco, compôs, mas na revisitação, viu-se que poderia mudar.

O Muricy disse agora que vai precisar de dois ou três reforços de alto nível para fechar o grupo ano que vem. Vai conseguir atingir?
Imagino que sim, esse é o plano. Podemos surpreender pelas circunstâncias, mas é possível. Tenho convicção de que montagem de elenco se faz com poucas mudanças, precisas, principalmente o São Paulo, voltado para base, que é rica. Queremos trabalhar com a base.

Qual será o perfil desses jogadores?
Alto nível, até porque para representar o São Paulo tem de ser de alto nível. Perfil humano que combine com que a gente tem levado bem, principalmente 2014. Isso são informações definitivas. As outras coisas temos que ver, até porque se eu pensar alto, já impacta no mercado, tudo que eu pensar já atrapalha. Melhor não pensar e oferecer resultado.

Tem solução para substituir o Kaká?
O remédio é você aprofundar nesse método que eu citei. O que ponto de vista técnico e tático ele agrega aqui? Aí nesse perfil. O ponto de vista humano, o que agrega, só ele mesmo. Mas de resto vamos tentar encontrar. Claro que é desafiador, difícil encontrar, mas para está aqui na instituição requer essas habilidades, e para isso vamos trabalhar.

O presidente Aidar disse que a partir de agora todos os dirigentes têm metas, inclusive ele. Quais serão as suas?
Primeiro que qualquer iniciativa de adequar gestão é louvável no futebol ter metas é a melhor coisa. Quero de fato ser cobrado e se for possível ainda definir os objetivos claros, e se definir os recursos que temos, melhor ainda. Aí que vou mostrar meu resultado, os resultados ficam tangíveis. Você fazer gestão de recursos ilimitados, não é gestão, é gasto. Se você não sabe seus recursos, você gasta de qualquer forma. As metas ainda estão amadurecendo, mas pra mim, o torcedor, é ser campeão, qualquer outro resultado, é meio resultado. Partimos daí.

Mas essa responsabilidade precisa vir acompanhada de punição em caso de não cumprimento, certo?
É necessário. Você só tem norma se tiver sanção, é padrão ético. A atitude do São Paulo é positiva, que se espalhe para os demais clubes. Se os recursos forem públicos, melhor ainda. Você estimula os clubes a capacitar as pessoas. Estimula a boa gestão, que é a grande palavra disso.

Você foi alçado pelo ex-presidente Juvenal Juvêncio. Na briga com o Aidar, temeu que o atingisse?
Não. Porque tenho uma posição autônoma, convicções pessoais. Tento desempenhar meu trabalho. O ponto de vista político sempre existirá, e no São Paulo é até fisicamente afastado, CT e Morumbi. A gente entende, observa, mas não afeta nosso trabalho. Nosso trabalho é técnico, com a comissão técnica.

O que pensa para o futuro?
Conquistar títulos no São Paulo. Ainda estou me acostumando com a ideia de ser profissional do futebol, mas me identifico com o que faço.

Se a equipe não conquistar título este ano, então, não vale o trabalho?
Minha meta pessoal não terá sido alcançada. As metas serão intermediarias. Nada adianta se não formos campeões. Ainda temos chances no Brasileiro, e se há chance, há esperança e trabalho. E na Sul Americana tem chance também. Tem que ser sempre assim, o São Paulo não permite pensar de outro jeito.

Fonte: Lance

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