16 de dezembro de 1935

Neste ano, os associados do São Paulo Futebol Clube aprovaram um novo Estatuto. Nele, uma justiça histórica se fez valer: o reconhecimento, por todos, de que o Tricolor foi fundado em 25 de janeiro de 1930. O fato por si só não é novidade. A data já constava nos Estatutos entre 1956 e 1973 (e também posteriormente, em segundo plano). Como se sabe, o São Paulo nasceu em berço de ouro, fruto da fusão de sócios e jogadores de dois grandes times da era amadora do futebol no Brasil – fato que gerou as cores do clube (o vermelho do CA Paulistano, o preto da AA das Palmeiras e o branco comum a ambos), o símbolo, a bandeira, os uniformes…

Também é de conhecimento de muitos que, quando o clube se restabeleceu em 16 de dezembro de 1935, a mesma situação abastada não se repetiu. Reconstruído do zero, os jogadores, sócios e dirigentes do Tricolor batalharam muito para voltar a ocupar um lugar de destaque no cenário nacional.

O CLUBE DA FÉ

Após a conquista de um Campeonato Paulista, em 1931, quatro vice-campeonatos estaduais (1930, 1932, 1933 e 1934), além de outro segundo lugar no Torneio Rio São Paulo de 1933, o Tricolor se viu em meio a tribulações do futebol no Brasil decorridas da disputa entre defensores do profissionalismo e do amadorismo e da consequente cisão das ligas esportivas, que atingiu o ápice durante e após a Copa do Mundo de 1934.

Alijado de vários dos principais atletas do clube por meses, que foram cooptados pela CBD – federação a qual o São Paulo não era federado, o Tricolor foi extremamente prejudicado no Campeonato Paulista. Contudo, pouco tempo depois, os principais clubes da APEA, a federação estadual, abandonaram a entidade e fundaram uma nova liga, desta vez filiada à CBD – que os “conquistou” com rendas e promessas de amistosos internacionais. Esta mudança de rumos dividiu os são-paulinos. Muitos preferiam ver o fim do time a se associarem com a entidade que tanto prejudicou a equipe anteriormente. Mesmo assim, a filiação ocorreu! Isto, aliado a outras disputas internas decorrentes, levou a maioria dos 205 sócios fundadores a aprovar a fusão com o CR Tietê em 14 de maio de 1935.

Na prática, o que aconteceu foi a cessão do patrimônio e passivos do clube (os quais, em maioria, eram débitos com os próprios dirigentes) ao vizinho de Chácara da Floresta, que passou a se chamar Clube de Regatas Tietê-São Paulo. Ou seja, os boatos sobre o prejuízo causado pelo uso do Palácio do Trocadero como sede social não passam de lendas. O futebol profissional do Tricolor, instalado em 1933, era superavitário e o valor dos “passes” de craques como Friedenreich e Araken eram exorbitantes!

Contudo, o Tricolor não acabou ali. Em verdade, em momento algum deixou de existir. Enquanto o CR Tietê-São Paulo, no primeiro estatuto dele após a fusão, rejeitava o uso das cores, símbolos e do nome do São Paulo Futebol Clube, não se apoderando deles, o Grêmio Tricolor, entidade nascida em 9 de fevereiro de 1935 entre os sócios são-paulinos e reconhecida dentro da própria associação, mantinha vivo o legado moral, institucional e histórico do Esquadrão de Aço. Foi este grêmio que articulou a criação do Clube Atlético São Paulo, em 4 de junho de 1935, como também conclamou os tricolores a comparecerem à reunião que selou o destino do clube em 16 de dezembro de 1935.

Por causa dessa fase tempestuosa, o famoso jornalista Thomaz Mazzoni, em 1937, batizou o São Paulo como o “Clube da Fé”, pois só com “a fé em seu destino e o amor ao seu hoje”, o Tricolor voltaria a se tornar um dos grandes do futebol. E foi em 16 de dezembro de 1935 que tudo recomeçou.

A REFUNDAÇÃO

A directoria do Grêmio Tricolor convida todos os srs. conselheiros e consócios para uma nova reunião a fim de tratar de assumptos do interesse geral que terá lugar hoje, ás 20 horas, na rua 11 de Agosto, 9-A.

Vale notar nessas poucas linhas publicadas no jornal Correio de São Paulo do dia 16 de dezembro que convidaram os são-paulinos a se reunirem e a reerguerem o São Paulo Futebol Clube que, especificamente, não tratava da fundação ou refundação de associação alguma. Parecia, meramente, uma reunião normal sobre as atividades do Grêmio. O que demonstra, mais uma vez, a continuidade da entidade.

Embora inativo dentro das quatro linhas entre maio e dezembro daquele ano, o Tricolor Paulista não havia abandonado o coração dos torcedores por um segundo sequer. Esses aficionados se concentraram em frente ao local anunciado com antecedência e, às 19h, grande multidão já aguardava a reunião que daria novos rumos ao Clube da Fé.

Às 20 horas teve início a assembleia mais intensa e emocionante da história do São Paulo. A sessão magna foi aberta pelo Tenente Porphyrio da Paz, cujas palavras de abertura fizeram vibrar a todos na casa. Terminado o discurso, o próprio Porphyrio foi indicado pelos colegas ali presentes a presidir os trabalhos da noite.

Entre exclamações e muita animação foram propostos o estudo e aprovação dos estatutos, trabalho esse que durou mais de duas horas. Aprovados que foram os mesmos, deu-se início então à eleição da Diretoria, que ficou assim constituída:

  • Presidente, Manoel Carmo Meca;
  • 1º Vice-Presidente, Alcides Borges;
  • 2º Vice-Presidente, Francisco Pereira Carneiro;
  • 1º Secretário, Éolo Campos;
  • 2º Secretário, Luiz Felipe Paula Lima;
  • 1º Tesoureiro, Manoel Arruda Nascimento;
  • 2º Tesoureiro, Izidoro Narvaes;
  • Diretor Geral de Esportes: Tenente Porphyrio da Paz.

Meca, o aclamado Presidente, não estava presente no início da assembleia em que foi honrado pois, justamente no dia anterior ao momento tão esperado por todos os são-paulinos, seu filho falecera. Ainda assim, sob luto, compareceu no decorrer da reunião e foi o primeiro signatário da ata que batizou o Tricolor.

A continuidade do clube é demonstrada, mais uma vez, no registro da própria ata datada de 16 de dezembro de 1935, quando o presidente Manoel Carmo Meca prometeu que “os membros da diretoria não mediriam sacrifícios para que o Pavilhão Tricolor voltasse a tremular glorioso nos campos esportivos do Brasil, elevando cada vez mais o nome do São Paulo Futebol Clube, cognominado o Esquadrão de Aço“, apelido este concedido ao Tricolor pelo time de Friedenreich.

Por volta da meia-noite, debaixo de salva de palmas e urras de vivas ao Clube, a São Paulo e ao Brasil, foi finalizada a sessão que trouxe de volta ao mundo o time que futuramente se tornaria um bastião do futebol arte e da competitividade, refletidos na vasta gama de jogadores exemplares e de conquistas obtidas.

 

A ATA

Aos dezesseis dias do mês de dezembro de mil novecentos e trinta e cinco, nesta cidade de S. Paulo, às vintes horas, numa das salas do prédio nº 9ª, da Rua Onze de Agosto, perante grande número de pessoas interessadas que atenderam a um convite feito por intermédio da imprensa pela Diretoria do Grêmio Tricolor, realizou-se a assembléia que teve por fim fundar o ‘São Paulo Futebol Clube’.

Na qualidade de um dos diretores do Grêmio Tricolor presente à reunião, o Sr. Tenente José Porphyrio da Paz, depois de expor os motivos da convocação da assembléia, pediu que indicassem um dos presentes àquela reunião, para dirigir os trabalhos. Por unanimidade foi indicado o nome do Sr. Tenente José Porphyrio da Paz, que assumindo a Presidência da mesa escolheu para seus secretários os Srs. Éolo Campos e Francisco Pereira Carneiro.

Depois de agradecer a sua indicação, o Sr. Presidente deu conhecimento da ordem dos trabalhos que obedeceram a seguinte ordem do dia: a) Leitura, discussão e aprovação dos Estatutos; b) Eleição da diretoria; c) Admissão de sócios como fundadores; d) Isenção de jóia; e) convocação de nova assembléia para eleição do Conselho Deliberativo e Fiscal; f) Registro dos Estatutos.

Atendendo, pois, a ordem do dia, o sr. Presidente mandou que o Secretário procedesse a leitura dos estatutos. Pede a palavra o sr. Dr. José Carlos da Silva Freire, que propôs que a discussão e aprovação dos estatutos fossem feitas por capítulos e pediu permissão para que ele mesmo procedesse a leitura dos estatutos a fim de facilitar os esclarecimentos que fossem necessários in laudo durante a discussão.

Aprovada esta proposta, o sr. Dr. Freire deu início à leitura e o sr. Presidente foi pondo à discussão e aprovação, capítulo por capítulo, sendo aprovados sem debates os capítulos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º. Após a leitura do capítulo 6º, o sr. Edgard de Toledo pediu a palavra e propôs que a esse capítulo fosse aumentado o seguinte parágrafo, nas atribuições da Diretoria: ” m) elaborar e afixar em lugar ostensivo da sede social o balancete mensal do movimento financeiro do clube para conhecimento dos associados”. Esta emenda foi recebida com muita simpatia e aprovada unanimemente.

Em seguida, passou-se à discussão e aprovação os demais capítulos, sendo todos eles aprovados e declarados em pleno vigor, desde aquele momento, os estatutos, que em seguida vão transcritos:

[…]

Passa-se depois à segunda parte da ordem do dia: eleição da Diretoria. Depois de diversas indicações foi aclamada e eleita para o primeiro biênio a seguinte Diretoria, que tomou posse imediatamente, entrando logo em função: Presidente: Manoel Carmo Meca; 1º Vice-Presidente: Alcides Borges; 2º Vice-Presidente: Francisco Pereira Carneiro; 1º Secretário: Éolo Campos; 2º Secretário: Luiz Felippe Paula Lima; 1º Tesoureiro: Manoel de Arruda Nascimento; 2º Tesoureiro: Isidoro Narvaes e Diretor Geral de Esportes: Tenente José Porphyrio da Paz.

As terceira e quarta partes da ordem do dia, admissão de sócios fundadores e isenção de joia, foram discutidas conjuntamente, sendo resolvido que fossem aceitos como sócios fundadores a todos que se inscrevessem e preenchessem as formalidades dos estatutos até 31 de dezembro corrente e isento de joia todos os que se inscreverem até 31 de janeiro de 1936.

Antes de levantar a sessão, o sr. Presidente declarou que a diretoria iria tomar as providencias necessárias para que os estatutos fossem prontamente registrados e prometeu que todos os membros da Diretoria estavam dispostos a não medirem sacrifícios para que o pavilhão tricolor voltasse a tremular glorioso nos campos esportivos do Brasil, elevando cada vez mais o nome do São Paulo Futebol Clube, cognominado o ‘Esquadrão de Aço’.

Debaixo de aplausos dos presentes, o sr. Presidente propôs que se consignasse em ata um voto de louvor e agradecimento ao dr. José Carlos da Silva Freire pelo esforço e dedicação que demonstrou na confecção dos estatutos do S. Paulo Futebol Clube e pelo interesse que tem dispensado para tudo que lhe é solicitado pelos seus diretores, sendo esta sua proposta unanimemente aprovada.

Nada mais havendo a tratar, o sr. Presidente declarou encerrado os trabalhos da Assembleia e mandou que se lavrasse a presente ata, o que foi feito por mim, secretário, e assinada pelos presentes.

  • Manoel do Carmo Meca
  • Cid Mattos Viana
  • Francisco Pereira Carneiro 
  • Éolo Campos
  • Manoel Arruda Nascimento
  • Izidoro Narvaes 
  • Francisco Ribeiro Carril
  • José Porphyrio da Paz
  • Eduardo Oliveira Pirajá
  • Frederico Antônio Germano Menzen
  • Francisco Bastos
  • Sebastião Portugal Gouvêa
  • Dorival Gomes dos Santos
  • Deocleciano Dantas de Freitas
  • Carlos A. Azevedo Salles Júnior

Assinaturas póstumas:

  • Alcides Rodrigues Borges
  • Álvares de Azevedo Bittencourt
  • Pedro Virgolino de Freire Sobrinho
  • Edmundo Granville Sobrinho
  • Thomaz Carlos André Mauri
  • Manoel Martins
  • Lázaro Pedroso
  • Álvaro Magalhães Leite
  • Paulo Brandão
  • Mário Ambuba
  • Edison Fonseca
  • José Azevedo Ribeiro
  • Brasilino Marcucci
  • Manoel Lopes
  • Manoel Pereira Amarante
  • Jarbas de Castro
  • Edgard Toledo
  • Edmundo Toledo
  • Jayme Roso
  • Ariosto Amalfi
  • Egydio Toledo
  • Waldemar R. Albien
  • Herculano Bastos
  • Adonyram Alves de Oliveira
  • Mário Silva Pereira
  • Olívio Alves
  • Antônio Queiroz
  • Joaquim Ribeiro
  • Antônio Góngora
  • Arnaldo Tedeschi
  • Joaquim Garcia
  • Humberto Sprovieri
  • Luís Felipe de Paula Lima
  • Álvaro Moraes
  • Jorge Paulo Moura
  • João Abílio Rogério
  • Ignácio Barbuchi
  • José F. Moreira
  • João Cananta Almeida
  • Pedro Pallow Sobrinho
  • Sebastião Rodrigues Negrão
  • Antônio Martins de Siqueira
  • Antônio Moraes Junior
  • Manoel dos Santos
  • Ruben Pazzanese
  • (Nome ilegível)
  • Bernardino Sampaio
  • José Penido
  • Oswaldo Richtman
  • Durval de Figueira Filho
  • José da Silveira Cintra
  • Luiz de Freitas
  • Cícero Faro
  • Sylvio Faro
  • Eduardo Faro
  • Paulo Ribeiro Villela
  • Polycarpo Meca
  • J. B. Gomes Parnahyba
  • João Sarrea
  • Cyro de Barros Azevedo
  • Aloísio de Souza Vianna
  • Terante J. Abílio
  • João Gomes Martins Sobrinho
  • Diamantino Cravo
  • José de Oliveira Filho
  • Vitoriano Garcia da Fonseca
  • José Moreira de Toledo
  • José Loureiro
  • Antônio M. Sobrinho
  • Renato A. Ribeiro
  • George de Assis Fonseca
  • João Camargo de Souza
  • José Bueno Franco

E outros 206 nomes que assinaram após o lavramento da ata

 

Fonte: Site Oficial

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